Uma cultura política lastimável
Lacerda Machado é apenas mais um exemplo de que não há melhor currículo em Portugal do que ter bons amigos na política.
Diogo Lacerda Machado reagiu às acusações de Pedro Passos Coelho sobre a sua nomeação para a administração da TAP (“uma pouca vergonha” e “uma nódoa na nova administração”, afirmou o líder do PSD), dizendo apenas: “Não tenho vergonha, tenho orgulho.” Na verdade, não se justifica nem uma coisa nem outra. Não se pode dizer que a nomeação de Lacerda Machado seja propriamente vergonhosa, pois ele está no conselho de administração como representante do Estado (diferente seria se os privados o tivessem contratado). Mas também não há qualquer razão para ter orgulho: Lacerda Machado — tal como Miguel Frasquilho, do qual pouco se tem falado — é apenas mais um exemplo de que não há melhor currículo em Portugal do que ter bons amigos na política.
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Diogo Lacerda Machado reagiu às acusações de Pedro Passos Coelho sobre a sua nomeação para a administração da TAP (“uma pouca vergonha” e “uma nódoa na nova administração”, afirmou o líder do PSD), dizendo apenas: “Não tenho vergonha, tenho orgulho.” Na verdade, não se justifica nem uma coisa nem outra. Não se pode dizer que a nomeação de Lacerda Machado seja propriamente vergonhosa, pois ele está no conselho de administração como representante do Estado (diferente seria se os privados o tivessem contratado). Mas também não há qualquer razão para ter orgulho: Lacerda Machado — tal como Miguel Frasquilho, do qual pouco se tem falado — é apenas mais um exemplo de que não há melhor currículo em Portugal do que ter bons amigos na política.
Pior do que Lacerda Machado acabar na TAP foi Ferreira do Amaral ter acabado na Lusoponte, Pina Moura na Iberdrola ou Jorge Coelho (e agora Paulo Portas) na Mota/Engil. Esta porta giratória entre público e privado tem séculos e continua oleadíssima. A única forma de contê-la é diminuindo o peso do Estado na economia. Só que tudo aquilo que a troika procurou separar está o casamenteiro Santo António Costa a tentar de novo juntar. As reversões, sejam elas nas escolas ou nos transportes, têm o efeito de reforçar o Estado, efeito esse que é perfeitamente assumido pelo primeiro-ministro. E não é possível reforçar o Estado sem os amigos de quem manda no Estado saírem igualmente valorizados. É por isso que Lacerda Machado, aqui há uns meses, se disponibilizou para trabalhar pro bono para o Governo — mais tarde ou mais cedo, sabia que o pagamento iria chegar. Chega sempre.
Diogo Lacerda Machado, melhor amigo de António Costa, já esteve envolvido no negócio do SIRESP (segundo o socialista António Galamba, Lacerda Machado era advogado da Motorola, que integrou o consórcio vencedor) e na compra dos helicópteros Kamov (terá sido júri no concurso). Esteve, já com Costa como primeiro-ministro, envolvido na reversão da privatização da TAP, na resolução do caso dos lesados do BES, e ainda no acordo do CaixaBank com Isabel dos Santos para reduzir a exposição do BPI a Angola. Parece que ainda deu uma perninha no dossiê dos lesados do Banif e na tentativa de constituição de um “banco mau” para o sistema financeiro português.
Há mais. Revista Sábado, Abril de 2016: “Lacerda Machado é também administrador da Geocapital, uma sociedade de investimento sedeada em Macau e presidida pelo multimilionário Stanley Ho. O socialista Almeida Santos era presidente da mesa da assembleia geral. A Geocapital foi parceira da TAP na compra da Varig Engenharia e Manutenção, em 2005, mas dois anos depois saiu do negócio. A entretanto apelidada TAP Manutenção e Engenharia é o activo do grupo com mais prejuízos.” Eu admito que Lacerda Machado seja o Mourinho da negociação em Portugal, mas pergunto-me se tal currículo seria possível sem as amizades no PS e a confiança pessoal do primeiro-ministro.
Os socialistas sempre fizeram isto com especial à-vontade, desde o tempo de Soares. Claro que a grande vantagem de Costa em relação a anteriores primeiros-ministros é ele ser mais sério e ter amigos de melhor qualidade. Lacerda Machado não é um Armando Vara. Mas isso não significa que a informalidade com que tudo se desenrola não tenha custos profundos. É uma péssima cultura política, cuja gravidade depende da hombridade de quem está no poder. Se for um tipo honesto, passa. Se for um aldrabão, vamos todos ao fundo.