Golden State Warriors, a melhor equipa da história da NBA?
Os novos campeões da NBA estão a dominar a liga há três anos e conquistaram dois títulos. Na mira desta equipa especial estão os seis títulos dos Chicago Bulls de Michael Jordan. A tempestade perfeita que formou os Golden State Warriors pode durar muitos anos.
A pergunta não tem resposta, ainda. Ou melhor, a resposta é que estes Warriors ainda não são melhores do que os Chicago Bulls de Michael Jordan, os Los Angeles Lakers, primeiro de Magic, depois de Kobe, ou os San Antonio Spurs de Tim Duncan (todos na era moderna da NBA). É uma questão de aritmética, dois títulos em três anos são só o arranque de uma dinastia. Nos casos mais consensuais de domínio de um clube na NBA, a conversa começava aos três títulos e estendia-se aos quatro, cinco ou seis (dos Bulls).
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A pergunta não tem resposta, ainda. Ou melhor, a resposta é que estes Warriors ainda não são melhores do que os Chicago Bulls de Michael Jordan, os Los Angeles Lakers, primeiro de Magic, depois de Kobe, ou os San Antonio Spurs de Tim Duncan (todos na era moderna da NBA). É uma questão de aritmética, dois títulos em três anos são só o arranque de uma dinastia. Nos casos mais consensuais de domínio de um clube na NBA, a conversa começava aos três títulos e estendia-se aos quatro, cinco ou seis (dos Bulls).
Mas estes três anos dos Golden State Warriors – que conquistaram o título de campeão da NBA na segunda-feira, contra os seus rivais Cleveland Cavaliers, de LeBron James – são mais do que uma análise de dados. E prometem ser muito mais do que recordes, estatísticas ou números, tudo dimensões em que já estão no topo, desde vitórias na época regular (73) até série de playoffs (16-1), passando por inúmeros recordes individuais (como os triplos de Steph Curry ou os pontos de Kevin Durant nas Finais). A sensação de que a equipa treinada pelo ex-jogador dos Bulls e Spurs Steve Kerr transmite não é material, é da dimensão desportiva, competitiva, intangível, pertence ao universo ritmado pelo som da borracha a chiar no piso dos pavilhões. E é um sentimento de domínio absoluto do adversário. Incapacitante, avassalador, desmoralizador.
A epifania táctica
Os novos campeões da NBA são uma tempestade perfeita. São uma história de decisões certas no momento certo e alguma dose de sorte (este ano, não sofreram nenhuma lesão séria). No início de tudo, Curry, Draymond Green, Klay Thompson juntaram-se por simples argúcia da equipa técnica dos Warriors. Todos eles tinham riscos e daí várias equipas terem preferido outros jogadores na escolha de universitários. Os Warriors, com liderança renovada e gosto pelo risco, foram recompensados com dois dos melhores lançadores de sempre (Curry e Thompson) e um líder nato com características técnicas ideais para a evolução global do jogo (Green).
E essa evolução do jogo – mais rápido, com mais triplos, com menos peso dos jogadores altos e pesados – foi potenciada pelo treinador escolhido para liderar o projecto: Steve Kerr aceitou sair da televisão e recusou os New York Knicks e o seu obsoleto mentor, Phil Jackson, para aceitar um trabalho mais próximo da sua família da California. E à chama do perfil dos jogadores juntou-se a gasolina de um treinador que já tinha sido director técnico dos Phoenix Suns, de Mike D’Antoni e Steve Nash, a equipa fundadora do novo estilo de jogo potenciado pelos ataques rápidos, pela vertigem dos passes e pelo tiroteio de três pontos. A caminhada tornou-se imparável nos primeiros dois anos em que estiveram juntos – e beneficiaram de uns Spurs no fim de vida de Tim Duncan e do regresso repentido de LeBron James a casa, a uns Cavs abaixo dos seus Miami Heat campeões.
O domínio só não foi concretizado, pela teoria do caos que define o sucesso e insucesso desportivo. As lesões, a sobranceria, arbitrariedade dos árbitros e LeBron James interromperam o que estaria já destinado a ser a melhor temporada estatística da história.
Ainda assim, até quando tiveram azar, esse passo atrás significou capturar para o seu balneário o maior adversário individual que tinham enfrentado até então, com a contratação de Kevin Durant aos Oklahoma City Thunder (a que haviam escapado no ano anterior pela irrepetível balística de precisão dos lançamentos de Thompson). Green – o líder do balneário e chave do sucesso defensivo sem precedentes na história recente do jogo – admitiu isso mesmo, em declarações já com o boné de campeão: “Eu cometi erros no ano passado [expulso por agressão a LeBron James, a uma vitória do título, desencadeando uma reviravolta histórica para os Cavs]. Mas se o preço a pagar foi ir buscar o Durant, eu pago esse preço”.
O unicórnio técnico
E a chegada de Durant – MVP das Finais 2017, com um desempenho sem paralelo na sua carreira já recheada de desempenhos individuais de topo – é a chave para que a pergunta sobre a melhor equipa da história possa ser feita sobre estes Warriors. Tudo se conjugou para incubar o sistema ofensivo mais letal desde que há linha de três pontos na NBA. E com Durant, tudo se cristaliza no tempo. Kevin Durant torna esta equipa invencível enquanto monstro basquetebolístico, porque não há antídoto na liga para a sua eficácia em todos os aspectos do jogo. Um jogador com altura de poste, um dos melhores lançamentos longos de sempre e que aprendeu a defender praticamente todas as posições na sua anterior equipa. O próprio LeBron James reconheceu que nunca tinha defrontado uma equipa tão forte. E é Durant que fortifica o jogo de circulação de bola dos Warriors dos últimos dois anos.
Foram vários os episódios – em especial nas Finais – em que o ataque estava bloqueado entre perdas de bola e lançamentos forçados e Durant desbloqueava-o com uma série de individualismos metódicos, entre triplos e afundanços por entre defesas menores, literalmente mais pequenos. Durant tomou uma decisão pessoal, de mudar de vida. E mudou a sua carreira, derretendo os seus defeitos – individualismo forçado, fraca liderança, mentalidade derrotista – num incandescente lava de jogo altruísta, sistema imparável e personalidades especiais, que potenciaram as suas qualidades.
No horizonte, há uma mudança geracional em curso que ainda vai demorar algum tempo a cristalizar-se. Kevin Durant é indefensável até que um conjunto de jogadores de características físicas semelhantes – Anthony Davis, Karl Anthony Towns, Kristaps Porzingis ou Joel Embiid – cresça e mature. E mesmo assim, estes precisam de equipas que os empurrem para o topo. LeBron James vai continuar a ser o maior obstáculo a estes Warriors, mas vai precisar de mais ajuda, de mais urgência (os dois primeiros jogos destas Finais foram um passeio até para lá do que a qualidade dos Warriors justifica), de melhor estratégia (melhor treinador) e de mais descanso (James, de 32 anos, foi o jogador com mais minutos nas pernas em toda a liga). E, mesmo assim, vai precisar que algo corra mal a Durant e seus amigos. Vai precisar outra vez da teoria do caos dentro de um campo de basquetebol.
O contexto económico
Para solidificar este domínio na liga, há uma característica da política económica na NBA que permite acomodar esta qualidade individual debaixo de um só tecto durante tanto tempo. Neste capítulo, mora a condição mais determinante para o futuro da eventual dinastia dos Warriors. Foi possível juntar estes jogadores porque Curry, Green e Thompson ganharam menos do que o topo da liga, porque todos eles assinaram novos contratos no meio de dúvidas em torno do seu potencial físico ou desportivo, antes de arrancar esta nova fase de sucesso desportivo.
E agora é possível pagar o dinheiro que Curry e Durant valem nas renovações dos contratos de ambos, este Verão, porque o tecto salarial em vigor na NBA disparou com a injecção de dinheiro dos direitos televisivos. No próximo ano, Thompson terá a sua renovação e pode ser a peça prescindível, até porque em 2020 é a vez de Green reclamar o seu máximo salarial. E aí, se lá chegarem intactos e ainda com fome de títulos, o dilema salarial será a maior barreira à dinastia: o preço da história pode ultrapassar os 400 milhões de dólares por época (o tecto salarial está agora perto dos 100 milhões e poucas equipas o violam, sendo os Cavs a mais cara da NBA).
Pelo caminho, os Warriors vão romper o tecto salarial e pagar a respectiva punição (uma espécie de imposto a partilhar com os outros clubes). No horizonte está um novo pavilhão – moderno, tecnológico, na baixa de São Francisco –, que justificará o pagamento de todas as punições necessárias para encher com uma equipa mágica e imparável. E entretanto, a equipa comprada por um misto de milionários de Sillicon Valley e Hollywood já vale quatro ou cinco vezes mais do que custou há meia dúzia de anos.
As regras da liga criaram as condições ímpares para estes jogadores poderem continuar a encantar pavilhões e a esmagar adversários durante, pelo menos, mais três anos. Mais três títulos. Assim fiquem todos protegidos do caos das lesões, da soberba dos campeões e do aburguesamento dos milhões. Se conseguirem o mais fácil – ficar juntos, saudáveis e humildes –, cristalizar-se-á uma dinastia a pedir licença a Michael Jordan no lugar sagrado do panteão da NBA. Não como uma super equipa, mas como a equipa perfeita.