A delação premiada
Eu, cidadão português e europeu, preocupado com a expressão da impunidade que vai grassando na nossa sociedade, preconizaria que a delação premiada não fosse um tabu.
A delação foi de uso repetido ao longo da história das sociedades ocidentais, mormente da portuguesa, tão bem ilustrada nos exemplos recentes da PIDE/DGS e nos profícuos informadores ocultos da Legião Portuguesa. As benesses dadas aos membros da Santa Inquisição pela partilha dos seus segredos obtidos na tortura cruel dos seus interrogatórios elucidam-nos dessa tradição portuguesa, que era aplicada a judeus, mouros e vozes incómodas.
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A delação foi de uso repetido ao longo da história das sociedades ocidentais, mormente da portuguesa, tão bem ilustrada nos exemplos recentes da PIDE/DGS e nos profícuos informadores ocultos da Legião Portuguesa. As benesses dadas aos membros da Santa Inquisição pela partilha dos seus segredos obtidos na tortura cruel dos seus interrogatórios elucidam-nos dessa tradição portuguesa, que era aplicada a judeus, mouros e vozes incómodas.
Na Grécia antiga, onde a denúncia foi de uso cívico, era recompensada com a expropriação dos bens do visado. Em França, podemos aludir também à Revolução Francesa que guilhotinou inúmeros denunciados inocentes, ou aos colaboradores da França de Vichy que professaram essa desdita com o invasor alemão.
A delação premiada, qual “virgem virtuosa”, qual sobressalto, foi considerada uma actividade enaltecida a “Bem da Nação” e consubstanciada pelo poder democrático vigente, que, em 1992, prestou homenagem a dois pides, concedendo-lhes uma recompensa com “direito a pensão por serviços excepcionais e relevantes prestados ao país”. Assim se manteve viva a tradição dos instintos torpes, traiçoeiros e persecutórios da delação devidamente “premiada”.
Se este “instituto” da delação premiada, como refere o juiz Cabral, que alguns pretendem venha a ser implementado pela justiça portuguesa, que se vê incapaz de provar o dolo, e desesperada, preconiza a delação, na luta incessante contra a criminalidade de colarinho branco que prolifera, com escândalo de todos, pelo nosso Portugal, desde o Parlamento à mais recôndita câmara municipal, onde políticos recém-chegados ao poder, sem currículo, competência e saberes comprovados, deitam “água no seu vinho”, acrescentando riqueza às suas parcas posses, pode ser imprudente se for encarado num recurso da conveniência da mera conjuntura política.
Como dizia Camilo Castelo Branco, “o dinheiro é como um sabão que lava qualquer nódoa”. Daí os inúmeros obstáculos à justa acção da justiça. Nesse sentido, eu, cidadão português e europeu, preocupado com a expressão da impunidade que vai grassando na nossa sociedade, mas que espelha a infrutífera acção preventiva e incapacidade punitiva da justiça, duma cada vez mais decadente justiça Ocidental, preconizaria que a delação premiada não fosse um tabu, mas um projecto bem estruturado e amadurecido na sociedade portuguesa, produzido numa acepção estrutural. Como nos tempos dos nossos reis, “que o costume imponha ao monarca a obrigação de prometer e guardar os bons foros e costumes”.