Para Marcelo, o Dia de Portugal durou 28 horas e acabou no Brasil
Presidente e primeiro-ministro viajaram juntos no novo avião KC-390 e visitaram o Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro, que acolherá o espólio de Marcello Caetano.
O fuso horário ajudou e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, conseguiu discursar para uma sala cheia no Theatro Municipal de São Paulo, uma das mais importantes e emblemáticas salas de espectáculo paulistanas, ainda durante o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. Eram 21h em São Paulo (1h de domingo em Lisboa) e o 10 de Junho durou umas inusitadas 28 horas para a vasta comitiva que acompanhou o Presidente e o primeiro-ministro ao Brasil.
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O fuso horário ajudou e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, conseguiu discursar para uma sala cheia no Theatro Municipal de São Paulo, uma das mais importantes e emblemáticas salas de espectáculo paulistanas, ainda durante o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. Eram 21h em São Paulo (1h de domingo em Lisboa) e o 10 de Junho durou umas inusitadas 28 horas para a vasta comitiva que acompanhou o Presidente e o primeiro-ministro ao Brasil.
Estava desfeita a convenção do tempo, mas Marcelo ainda haveria de desfazer a convenção do espaço. É que Portugal não é um país pequeno, como os mapas podem dar a entender. O Presidente da República quis antes falar do “imenso território espiritual” que não só alarga as fronteiras até cada um dos locais onde habita um português — como abraça todo um sentimento de optimismo, de celebração, de excelência. “Venho aqui deixar-vos um abraço de gratidão, porque Portugal é o que é hoje graças ao vosso contributo. Tenho muito orgulho de ser Presidente da República de um país que tem cidadãos como vós”, afirmou Marcelo.
O chefe de Estado não escondeu a ligação que tem com o Brasil, ao escolher dar o exemplo da sua própria família, para demonstrar que as sucessivas gerações de emigrantes, que acreditaram no passado, que acreditam no presente, sabem que “o Brasil é uma potência com futuro”. “Sempre acreditei nisso, ainda não era Presidente da República”, garantiu.
No “discurso oficial do Governo português”, António Costa deu nota das muitas iniciativas com que pretende estreitar as relações entre Portugal e Brasil. Uma delas, soube-se depois, é a disponibilidade por parte do Estado Português para a reconstrução do Museu da Língua Portuguesa em São Paulo. O primeiro-ministro frisou que a reconstrução do Museu da Língua Portuguesa “é um projecto que interessa a todos os países da Comunidade de Países da Língua Portuguesa (CPLP), desde logo a Portugal”. “Temos empresas que estão a patrocinar a recuperação do museu, desde logo a EDP. O Estado Português, pela sua parte, através do Instituto Camões, vai contribuir com conteúdos”, disse.
E o contador de histórias Marcelo começou então a falar do caso do compatriota que emigrou do Minho para o Brasil para fugir da crise económica que então se vivia. Marcelo terminou a história, atravessando gerações, para explicar que a interligação entre os dois países é tanta que, hoje em dia, os trinetos desse minhoto que emigrou para o Brasil em finais do século XIX, vivem em São Paulo. “Sei que há inúmeros exemplos destes em Portugal, mas se vos falo deste caso é porque o conheço bem, e estou aqui a falar da minha família”, avisou.
Os trinetos que evocava eram os seus próprios netos. E foram eles os únicos que o levaram a suspender, ainda que por instantes, as intermináveis abordagens para selfies, beijinhos e abraços aos membros da comunidade portuguesa — para poder trocar, ainda que por um momento, um abraço em privado com os netos.
De acordo com o secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro, são mais de 650 mil portugueses a viver no Brasil, dos quais mais de 200 mil vivem em São Paulo.
Foi para muitos deles que a fadista Gisela João se empenhou em mostrar que Portugal é um país divertido (O Senhor Extraterrestre, fado de Amália, arrancou gargalhadas à sala) e que os grandes poetas brasileiros também compuseram fado (a interpretação de As Rosas não Falam, de Cartola, foi particularmente comovente).
Temer ausente
A ausência do Presidente brasileiro, Michel Temer, foi bastante notada, mas Marcelo tentou desvalorizá-la, dizendo que a delegação portuguesa tinha sido muito bem recebida pelo prefeito de São Paulo, João Dória – um político do PSDB cuja reputação tem estado em alta.
“Nós não comentamos a política interna dos outros países, nem os calendários e os programas de vida dos outros Presidentes. Já sabíamos desse cancelamento há algum tempo, e foi com muita pena nossa”, admitiu Marcelo. “Os portugueses estão habituados a ter um Presidente e um primeiro-ministro que, por via da situação estável e tranquila do país, têm uma disponibilidade constante, o que não é nada habitual noutros Estados.”
Marcelo e Costa viajaram juntos, depois, entre São Paulo e o Rio de Janeiro, num avião militar da empresa brasileira Embraer, o KC-390, que substituirá os C-130 em Portugal. A resolução para a aquisição de cinco KC-390, aeronave em cujo projecto de produção a indústria aeronáutica portuguesa tem participação, foi aprovada em Conselho de Ministros na passada quinta-feira. Após chegarem ao Rio de Janeiro, segunda etapa das comemorações do 10 de Junho no Brasil, Marcelo e Costa assistiram à cerimónia de transferência do espólio do último chefe de Governo do Estado Novo, Marcello Caetano, para o Real Gabinete Português de Leitura. É uma instituição fundada em 1837 por emigrantes e refugiados portugueses a que vai agora juntar-se a biblioteca de Marcello Caetano, composta por 17.963 títulos e por 21.506 volumes, entre os quais uma edição de 1731 das Memórias de D. João I.
Neste edifício, uma “maravilha do neoclássico manuelino”, Marcelo sentou-se “para não morrer de emoção” ao pegar no manuscrito de Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco.