Um Reino muito desunido
Negociar o “Brexit” será um tremendo desafio para Londres, que poucos parecem querer abraçar.
A primeira conclusão a retirar das eleições britânicas de 8 de Junho de 2017 foram uma demonstração da crescente polarização, regional, etária, social de um Reino muito desunido. Importa recordar que a Inglaterra não é a mesma coisa que o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte.
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A primeira conclusão a retirar das eleições britânicas de 8 de Junho de 2017 foram uma demonstração da crescente polarização, regional, etária, social de um Reino muito desunido. Importa recordar que a Inglaterra não é a mesma coisa que o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte.
Por exemplo na Escócia esta eleição foi muito diferente de Inglaterra. O partido nacionalista escocês, que está no poder na Escócia, perdeu para todos os outros. E os conservadores escoceses com uma líder carismática, Ruth Davidson, tiveram um resultado muito positivo, em contraste com a Inglaterra onde Theresa May se revelou um desastre em campanha.
Este facto ajuda a perceber por que é que eleições britânicas são difíceis prever. O sistema de círculos uninominais e winner takes all resulta em múltiplas eleições locais. Mas também uma tendência para o voto útil e o bipartidarismo. A maior ou menor popularidade do candidato a primeiro-ministro de um partido é influente, mas não anula a dimensão local e o peso da personalidade dos candidato, e no caso não apenas da Escócia, mas também de Gales, e Irlanda do Norte a dimensão nacional, pois há várias nações no seio do Reino Unido.
A segunda conclusão é que esta eleições que se pensava que seriam determinadas pelo "Brexit", revelou uma vaga de rejeição das políticas de austeridade dos Conservadores de que os Trabalhistas de Jeremy Corbyn beneficiaram. Daí também que o UKIP, o guardião do hard Brexit, ter sido o maior derrotado da noite. O líder do UKIP perdeu de forma humilhante apesar de concorrer num círculo eleitoral que tinha o recorde de votos a favor do "Brexit". Os ganhos eleitorais de Corbyn são mais um exemplo do impacto da crise económico-financeira - resultando em resultados eleitorais inesperados que criam problemas de governabilidade por toda a Europa.
A terceira conclusão é que, apesar dos conservadores serem famosos por serem impiedosos na substituição de líderes responsáveis pelo fracasso, Theresa May beneficia de não existirem alternativas evidentes à sua liderança. Depois do caos que seguiu à vitória do "Brexit" foi eleita como a veterana política disponível. Negociar o "Brexit", hoje é claro, será um tremendo desafio para Londres, que poucos parecem querer abraçar. Mas May deverá alargar o seu círculo de decisão, e a sua posição será vulnerável a um desafio se as circunstâncias se revelarem favoráveis a um rival.
A quarta conclusão é que o terrorismo poderá ter tido algum impacto nas eleições britânica. Mas num sentido contrário do que poderia esperar. Seria natural que a ameaça terrorista que tivesse sido benéfico para May, uma antiga Ministro do Interior com experiência direta nestas questões. Mas May foi apanhado em contra-pé pelas políticas de austeridade que os conservadores aplicaram, nomeadamente cortando o número de polícias. Será importante ver se nesta área May seguirá como pareceu sugerir uma linha dura, com restrições legais impostas aos suspeitos de radicalização e uma aposta no reforço de polícias armadas. Ambas serão uma mudança importante na tradição política britânica, muita avessa a detenção sem acusação e que idealizou o bobby, o polícia desarmado. Será que May conseguirá por uma via securitária recuperar terreno?
A quinta conclusão é que May perdeu a aposta no reforço da sua autoridade política. Isso complica as negociações do "Brexit". A tentação pode ser tentar recuperar votos apostando na dramatização das negociações com a UE, culpando Bruxelas pelas dificuldades, o que não será difícil dada a dificuldade intrínseca das mesmas. É importante deixar claro, no entanto, que não é claro que Corbyn fizesse uma grande diferença. Tal como May, Corbyn foi um defensor pouco entusiasmado de ficar na UE. E Corbyn precisa de muito dinheiro para gastar nas suas promessas de reforço do Estado social, e tem pouca simpatia pelo mercado único. Estaria, no entanto, mais disposto a um compromisso rápido quanto aos direitos dos imigrantes europeus na Grã-Bretanha.
Por fim podemos concluir que a ilusão central do "Brexit", a ideia de que a saída da Grã-Bretanha da UE abriria o caminho para regressar ao estatuto de grande potência global, e aumentaria a sua margem de manobra e peso internacional rapidamente se está a revelar errónea. A Grã-Bretanha já mas não é um império global, como foi até à década de 1960. E os anos 2000 deveria ter mostrado o perigo da excessiva colagem britânica aos EUA como preço da diferenciação da UE. O "Brexit" e a eleição de Trump aumentaram de forma dolorosamente óbvia a necessidade de colagem britânica aos EUA no matter what. Este aspecto surgiu na eleição, com os ataques de Trump ao Presidente da Câmara de Londres, a levarem a uma forte pressão sobre May para criticar o presidente dos EUA. O mais importante é sublinhar a quase total ausência da política externa da discussão eleitoral, ou mesmo qualquer discussão detalhada dos objetivos do "Brexit" e o foco obsessivo em questões internas. É um claro sinal de que, independentemente da retórica do "Brexit" o Reino Unido está numa fase de retraimento em termos de ação externa. É que na Europa só há dois tipos de países: pequenas e médias potências que sabem que o são, e pequenas e médias potências que ainda alimentam a ideia de que sozinhas continuam a ser grandes potências globais. O Reino Unido perdeu um império,
Professor associado Centro Estudos Internacionais/ISCTE-IUL