Catalunha marca referendo, Madrid diz que só por cima do seu cadáver
"Quer que a Catalunha seja um Estado independente em forma de república?"
O dia com que milhões de catalães sonhavam, e que deixava o Governo de Madrid acordado para não ter pesadelos, chegou esta sexta-feira: num anúncio solene, rodeado pela maioria independentista no Parlamento da Catalunha, o presidente do governo regional marcou para o dia 1 de Outubro o primeiro referendo sobre a independência.
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O dia com que milhões de catalães sonhavam, e que deixava o Governo de Madrid acordado para não ter pesadelos, chegou esta sexta-feira: num anúncio solene, rodeado pela maioria independentista no Parlamento da Catalunha, o presidente do governo regional marcou para o dia 1 de Outubro o primeiro referendo sobre a independência.
À primeira vista pode parecer apenas mais um capítulo na saga que põe de um lado o movimento independentista e do outro o Governo de Madrid e o Tribunal Constitucional, mas as palavras contam: em 2014 houve uma consulta aos cidadãos; desta vez é mesmo um referendo, com todas as letras – uma promessa feita pelos partidos independentistas na campanha para as eleições catalãs de 2015.
Quase um ano antes dessas eleições, no dia 9 de Novembro de 2014, a consulta convocada pelo então presidente do governo regional, Artur Mas, foi vista como uma vitória retumbante pelos independentistas – 80,76% dos eleitores que votaram disseram "sim" à independência, apesar de a participação ter ficado muito abaixo dos 50% (entre os 37% e os 41%).
Os críticos da consulta e da independência disseram que a fraca participação foi sinal de falta de legitimidade; os defensores disseram que foi a oposição do Governo de Madrid e do Tribunal Constitucional que limitou a afluência às urnas – no fundo, todos sabiam que a consulta não ia mudar nada no seu dia-a-dia, já que foi organizado à revelia do Governo central e contra uma decisão Tribunal Constitucional.
O mais provável é que o mesmo aconteça em Outubro se o referendo for mesmo para a frente. Os dois lados ainda tentaram dialogar durantes uns tempos, mas a corda partiu-se há poucas semanas e cada um voltou para o seu canto – o governo catalão nem pensa em desistir do referendo e o Governo de Madrid nem quer ouvir falar nele.
"Conjuntamente com o vice-presidente e os conselheiros e conselheiras, convocámos um conselho consultivo extraordinário para ratificar o exercício do legítimo direito à autodeterminação que tem uma nação milenar como a Catalunha, um referendo que se celebrará no domingo, dia 1 de Outubro deste ano", anunciou esta sexta-feira o presidente do governo catalão, Carles Puigdemont, em Barcelona, numa cerimónia que contou com a presença de quase todos os 71 deputados das bancadas do Juntos pelo Sim e da CUP – os dois partidos independentistas que têm uma maioria absoluta no Parlamento. Só faltaram três, todos da CUP: dois por estarem em viagem e um por doença.
A pergunta do referendo é curta e directa: "Quer que a Catalunha seja um Estado independente em forma de república?" E a resposta que for dada a essa pergunta – garantiu Puigdemont – "será um mandato que o governo se compromete a aplicar". O presidente do governo regional terminou o anúncio com as palavras mais caras à maioria dos catalães, segundo as sondagens: "Cabe aos catalães e às catalãs decidir o seu futuro."
Apesar do anúncio desta sexta-feira, o governo regional ainda não deu o primeiro passo formal para a realização do referendo, o que só acontecerá na segunda quinzena de Agosto. E nem a abertura de concursos para a compra de boletins e urnas de voto é suficiente para que o Governo de Madrid ou os tribunais tomem qualquer decisão – esses concursos têm como finalidade genérica a realização de eleições regionais.
É por isso que as reacções dos partidos e do Governo de Madrid não foram diferentes daquelas que já tinham assumido quando o anterior líder político da Catalunha, Artur Mas, convocou a consulta de 2014.
Em nome do Governo de Mariano Rajoy falou o porta-voz, Íñigo Méndez de Vigo, para dizer que o anúncio da marcação de um referendo e uma mão cheia de nada é a mesma coisa: "Os pensamentos são livres e não transgridem, e aos pensamentos o Governo responde com a razão, dando a mão e dizendo que por aí não se vai a lado nenhum, e constatando o isolamento de Puigdemont e do Juntos pelo Sim".
Íñigo Méndez de Vigo quis salientar o que considera ser a radicalização de Puigdemont, dizendo várias vezes que ele e a sua coligação estão sozinhos na decisão de convocar um referendo que acabará por ser chumbado pelo Tribunal Constitucional. Ainda assim, disse que o Governo espanhol ainda não fará nada, porque ainda não há motivos para isso: "Qualquer decisão que passe dos anúncios para os actos será levada pelo Governo ao Tribunal Constitucional", avisou Íñigo Méndez de Vigo.
A vice-presidente do Governo espanhol, Soraya Sáenz de Santamaría, já tinha deixado clara a posição do Governo a meio da semana, durante uma passagem por Barcelona: "Podem anunciá-lo as vezes que quiserem, adiá-lo as semanas que quiserem e convocá-lo as vezes que quiserem, mas esse referendo não vai realizar-se."