“Estaríamos a crescer muito mais se o problema da banca estivesse resolvido”

Álvaro Santos Pereira, um dos directores no departamento económico da OCDE, elogia actual padrão de crescimento português e diz que é possível que resultados venham a ser melhores do que o actualmente previsto.

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Reuters/JOSE MANUEL RIBEIRO

Actualmente director na secção de estudos dos países no Departamento Económico da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Álvaro Santos Pereira recua ao tempo em que foi ministro da Economia em Portugal, entre 2011 e 2013, para explicar porque é que a economia está a crescer, defendendo que é por causa das reformas estruturais realizadas na altura. É isso que está escrito na mais recente análise da OCDE a Portugal, que ajudou a redigir. Para o futuro, defende que Portugal precisa de persistir nas reformas e resolver rapidamente o problema do malparado na banca.

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Actualmente director na secção de estudos dos países no Departamento Económico da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Álvaro Santos Pereira recua ao tempo em que foi ministro da Economia em Portugal, entre 2011 e 2013, para explicar porque é que a economia está a crescer, defendendo que é por causa das reformas estruturais realizadas na altura. É isso que está escrito na mais recente análise da OCDE a Portugal, que ajudou a redigir. Para o futuro, defende que Portugal precisa de persistir nas reformas e resolver rapidamente o problema do malparado na banca.

A OCDE continua a pedir mais reformas a Portugal. No mercado de trabalho também?
A OCDE não está a preconizar novas reformas no mercado de trabalho português neste momento. Principalmente porque achámos que os limites que existem, quer constitucionais quer institucionais, não permitem grandes reformas nos próximos tempos. E portanto achamos que é importante dar tempo ao tempo. Já houve uma grande reforma em 2012, que está a surtir um efeito importante ao nível da subida do emprego e descida do desemprego, com reflexo na própria actividade económica. O que é importante é manter a reforma laboral de 2012 e ajustar a parte da formação, para melhorar as qualificações dos portugueses.

O Plano Nacional de Reformas do Governo centra as suas prioridades no capital humano…
Certamente que apostar no capital humano é fundamental. Já tem havido uma grande melhoria. Portugal é o país da OCDE que mais progrediu nos últimos 15 anos nos testes PISA, algo que é transversal a muitos governos em Portugal. No entanto, é importante melhorar a qualidade, reduzir a saída precoce dos estudantes da escola. Deve haver uma auditoria a tudo o que seja formação em Portugal, para separar o trigo do joio e para libertar os recursos da chamada pseudo-formação para a formação mais virada para as empresas. E em segundo lugar preconizámos uma fusão entre o sistema profissional escolar, que é tutelado pelo Ministério da Educação, com o sistema de aprendizagem que é tutelado pelo Ministério do Trabalho.

No relatório, dizem que as reformas estruturais estão por trás da aceleração das exportações, mas não falam do efeito do turismo, que beneficiou de factores externos. Como é que as reformas ajudaram concretamente?
A reforma laboral é a que é mais falada, mas também houve reformas ao nível da concorrência, dos licenciamentos, das insolvências. Houve privatizações, houve concessões, houve ataque às rendas de sectores protegidos, quer na energia, quer nas PPP, quer nas próprias farmácias. Tudo isso permitiu que houvesse mais concorrência e um clima mais salutar na economia. Eu sigo mais de 50 países e posso dizer que, nos últimos seis anos, talvez só o México tenha feito reformas tão ambiciosas como Portugal fez. E certamente fizemos mais reformas que os nossos parceiros europeus. E isso quanto a mim, foi fundamental para dar a volta às exportações.

Isso não vinha já acontecendo antes?
Obviamente que, em alguns sectores, a questão das exportações vem de trás também, como o calçado e o têxtil que tiveram grandes períodos de reestruturação há cerca de 10, 15 anos atrás e estão agora a colher os frutos do bom trabalho que fizeram. E ao nível do turismo, teve a ver não só com a situação externa, mas também com a liberalização do mercado. Quando se dá a oportunidade para as pessoas investirem, para serem empreendedoras, as pessoas quase sempre respondem e é isso que está a acontecer no turismo. E o turismo também beneficiou com medidas para o chamado turismo residencial que permitiram maior investimento nessa área, principalmente por parte dos europeus.

A visão de que as reformas feitas estão a funcionar não parece ser partilhada pelo FMI, que diz que o crescimento potencial português continua muito baixo…
Concordo plenamente que o crescimento potencial português pode ser ainda maior. E por isso, preconizo ainda mais reformas. As reformas têm de ser um processo, um estado de espírito. Não se fazem apenas de uma leva, tem de haver uma segunda e terceira onda para que a produtividade e o emprego continuem a aumentar.

É essa necessidade de reformas que explica que a seguir a um crescimento de 2,1% este ano, a OCDE preveja apenas 1,6% em 2018?
Primeiro é importante salientar que nós revemos o crescimento de Portugal em alta de uma forma significativa. Estamos muito mais positivos sobre a economia portuguesa neste momento. Os números do último trimestre de 2016 e principalmente do primeiro trimestre de 2017 foram muito positivos e continuamos a pensar que pelo menos em 2017 a tendência de crescimento mais robusto vai continuar. Neste momento, como ainda não há certezas em relação ao que vai acontecer nos próximos meses, estamos a ser um pouco mais cautelosos em 2018. No entanto, achamos bastante possível que no próximo ano, se tudo continuar a correr bem, o crescimento possa ser mais elevado do que estamos a prever neste momento. Vai depender do crescimento continuado das exportações e do investimento, naturalmente, vai depender da conjuntura externa, nomeadamente na zona euro, para a qual estamos a prever um crescimento de 1,8%, mas há a possibilidade de ser mais. E vai depender também da conjuntura política externa, nomeadamente ao nível dos chamados ventos do proteccionismo, que esperamos que não comecem a soprar de forma mais intensa, mas também daquilo que vai acontecer nas eleições italianas, que terá certamente ramificações em Portugal.

Para além desses sectores externos, aquilo que vê internamente é um padrão saudável de crescimento?
Os últimos indicadores mostram que o crescimento está ser baseado essencialmente nas exportações e no investimento. Isso é um crescimento saudável. Agora o que é importante é continuar esse crescimento saudável. É importante pôr as coisas em perspectiva. Antes das reformas, o crescimento médio português foi de cerca de 1%, ou um bocadinho menos. E o crescimento potencial português estava perto do zero. Depois das reformas, como aconteceu no México, na Espanha e está a começar a acontecer em Itália, o crescimento potencial aumentou, a produtividade também está a começar a dar sinais de aumentar e temos crescimento acima de 2% pela primeira vez há praticamente 20 anos.

As reformas postas em práticas não se confundiram com as medidas de austeridade?
Em todos os países onde há ajustamento orçamental ao mesmo tempo que se fazem reformas, as pessoas vão estar a olhar principalmente para a questão orçamental. É natural que assim seja. Mas também o que é importante é saber que, apesar de o efeito da reforma só acontecer passados cinco ou seis anos, é preciso não ter medo de avançar com as reformas, pondo o interesse nacional à frente do interesse político ou partidário.

A OCDE fala muito da importância da inclusão e do combate à desigualdade. As reformas que foram aplicadas levaram isso em conta ou estiveram demasiado centradas na redução de custos para as empresas?
Está a pensar num determinado tipo de reformas que foram feitas e não no conjunto global das reformas. Por exemplo, quando estamos a falar de reformas na concorrência ou em reduzir o mais possível as rendas da energia ou das PP ou das farmácias, não estamos a aumentar as desigualdades. Pelo contrário, estamos a ir contra grupos de interesses contra os quais ninguém tinha tido coragem de o fazer.

E nas reformas no mercado de trabalho?
Para mim, a grande vantagem das reformas no mercado de trabalho não foi o corte de custos, foi a introdução de elementos de flexibilidade para ajudarem as empresas a adaptarem-se em momentos de crise e de expansão. É por isso que um dos principais elementos da reforma de 2012 foi a introdução do banco de horas. Isso é mais importante que outros mecanismos que estão a cortar custos, no curto prazo.

Nos últimos dois anos foram feitos aumentos no salário mínimo, mas não parece ter tido efeitos negativos na competitividade, já que as exportações estão a crescer. Os receios eram infundados?
Nós temos um salário mínimo baixo e um salário médio muito baixo, quando comparado com o dos outros países. Temos de fazer com que nos próximos anos os salários aumentem. Mas para isso, temos de aumentar a produtividade. E mais uma vez, sem reformas não vai haver mais produtividade e não poderemos aumentar o salário mínimo de forma consistente.

E os aumentos que já foram feitos?
Acho que os aumentos de salário mínimo que aconteceram foram prudentes, acompanharam de certa forma o crescimento da produtividade e, por isso mesmo, não afectam a competitividade das nossas exportações.

Recomendam para Portugal uma política orçamental neutral. Isso chega para cumprir as regras europeias?
Chega. Porque ainda por cima estamos a ter mais crescimento. Achamos que a política orçamental é adequada. Agora, mais do que cumprir as regras do défice excessivo, nós e a Europa devíamos estar mais preocupados com a questão da dívida. Apesar de preveremos que vá baixar, continuamos a ter uma dívida pública e uma dívida privada muito significativas, com valores demasiado elevados para estarmos muito confortáveis. O desendividamento tem de acontecer, quer das empresas, quer do Estado. Isso é muito mais importante do que estarmos obcecados com a questão do défice.

O que pode Portugal esperar da conjuntura internacional?
Uma das nossas mensagens que o relatório agora publicado pela OCDE passa é a de que a economia mundial está melhor, mas ainda poderia estar melhor. Está melhor porque os níveis de confiança estão a aumentar, com indicadores melhores, nomeadamente na Ásia, mas também na Europa e América Latina. No entanto, o crescimento do PIB per capita ainda é inferior ao que se registava antes da crise. E se olharmos para o investimento, ainda está muito abaixo do que era. Na Europa, está cerca de 10 pontos base abaixo do período antes da crise.

Isso resolve-se com a política orçamental?
O que vemos é que a política monetária continua a ser bastante activa, a política orçamental na maior parte dos países tem sido ou neutral ou até mesmo contraccionista e as reformas estruturais têm vindo a diminuir nos últimos anos. É importante que os países que têm espaço de manobra, comecem a usá-la para fazer mais investimento público, nomeadamente ao nível de infraestrutura que faça sentido.

Isso aplica-se à zona euro?
Há países que têm espaço de manobra e outros que não têm. Países como Portugal e Itália não têm um grande espaço de manobra para terem uma política orçamental expansionista por causa do nível de dívida que têm. Manter uma política neutral como a que está a ser mantida, parece-nos adequado. Por outro lado temos países, como a Alemanha ou a Holanda, que podem investir mais. E os europeus deviam apostar nas ligações transeuropeias de ferrovia e nas ligações intereuropeias de energia. Se queremos uma Europa mais competitiva tem de haver mais concorrência ao nível da energia.

Que tipo de solução defende para o problema do crédito malparado na Europa?
É importante é actuar o mais rapidamente possível. Tem havido uma grande inércia, em parte por causa das regras de auxílios do Estado que foram introduzidas e que fazem com que, muitas vezes, seja praticamente impossível recapitalizar os bancos. O que está em causa não é um auxílio de Estado, o que está em causa é uma questão de reestruturação do sector bancário e da economia. Enquanto estamos preocupados com questões de auxílio de Estado, o tempo está a passar e o problema está-se a agravar. Defendemos que parte das imparidades deve ser posta num veículo, mesmo que seja temporariamente absorvida por dívida pública.

As regras bancárias europeias teriam de ser suspensas…
É óbvio que sim. No próprio tratado da UE, no artigo 107 diz que a questão dos auxílios de Estado não se aplica quando os países estão numa emergência. Se aquilo que vivemos nos últimos anos não é uma emergência, então o que é que é uma emergência? Os espanhóis e os irlandeses, quando as regras ainda não estavam em vigor, resolveram o problema. E o que está a acontecer nesses países é que estão a crescer muito mais. Enquanto mantivermos esta carga das imparidades sobre o sistema bancário, países como a Itália não vão voltar a crescer rapidamente.

E o mesmo aplica-se a Portugal?
Certamente que em parte se aplica. Não estamos numa situação tão complicada como a Itália, certamente, mas poderíamos estar a crescer muito mais se o problema da banca estivesse resolvido.