Cronologia dos tempos da brasa em Timor

Retrato dos dias finais em Timor, que regressaram das páginas da história – e levaram agora à "indisponibilidade" de Pereira Gomes para liderar as secretas portuguesas.

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Nos últimos dias, o PÚBLICO consultou diversos documentos, notas, e notícias da época e ouviu diversas pessoas envolvidas no processo de Timor e que viveram, algumas delas em Díli, os dias que mediaram o início dos ataques após a divulgação dos resultados, a 4 de Setembro de 1999, e a evacuação da missão portuguesa, no dia 10 desse mês, que permitiram chegar a esta cronologia. Esta é a cronologia dos factos que regressaram da história – e que levaram agora à "indisponibilidade" de Pereira Gomes para agora liderar as secretas portuguesas

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Nos últimos dias, o PÚBLICO consultou diversos documentos, notas, e notícias da época e ouviu diversas pessoas envolvidas no processo de Timor e que viveram, algumas delas em Díli, os dias que mediaram o início dos ataques após a divulgação dos resultados, a 4 de Setembro de 1999, e a evacuação da missão portuguesa, no dia 10 desse mês, que permitiram chegar a esta cronologia. Esta é a cronologia dos factos que regressaram da história – e que levaram agora à "indisponibilidade" de Pereira Gomes para agora liderar as secretas portuguesas

30 de Agosto – Dia do referendo popular em Timor-Leste.

4 de Setembro de 1999 – Dia do anúncio dos resultados. O “sim” à independência ganha com mais de 78%. Não há festa nas ruas, porque muitos timorenses já se tinham refugiado nas montanhas logo no dia da votação. De imediato começa a campanha de violência organizada em larga escala pelos militares indonésios em articulação com milícias armadas. As casas e a sede da Missão de Observação Portuguesa em Timor-Leste (MOPTL) são atacadas. Depois de um cerco à missão por milícias armadas, cerca de 30 portugueses e 60 timorenses obtêm refúgio na sede da Unamet (United Nations Mission in East Timor).

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Miguel Madeira

Já na Unamet, é recebida a seguinte ordem do primeiro-ministro, António Guterres: o núcleo essencial da MOPTL deve manter-se em Timor enquanto Ian Martin e a Unamet aí permanecerem. Ao mesmo tempo é desencadeada uma vasta ofensiva diplomática portuguesa, em especial em Nova Iorque, mas sempre em contacto com Lisboa, Timor e Jacarta.

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Após essa ordem, ficam na sede das Nações Unidas os diplomatas José Júlio Pereira Gomes, chefe da missão, António Gamito, número dois, e Francisco Alegre. Ficam ainda os oficiais do Grupo de Operações Especiais (GOI) da PSP, responsáveis pela segurança da missão, Eloy Castel-Branco, Osvaldo Coroado e Alfredo Marques; o tenente-coronel do Exército Joaquim Stone, responsável pelas comunicações; o médico Vasco Monteiro e Daniel Ribeiro, responsável pela comunicação. Todos os outros portugueses são retirados.

No dia 5 chegam à sede da Unamet os jornalistas Luciano Alvarez, do PÚBLICO, Hernâni Carvalho, da RTP, José Vegar, do Expresso, e Jorge Araújo, d'O Independente. Os três primeiros escaparam à evacuação forçada que estava a ser feita no Hotel Mhakota, em Díli, o quarto já estava no aeroporto de Díli, mas também se escapou e foi para a ONU.

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A partir do dia 6 jornalistas e membros da MOPTL passam a partilhar as mesmas instalações cedidas pela ONU dentro do seu quartel-general em Díli.

Em final de Agosto, início de Setembro, o embaixador de Portugal na ONU, António Monteiro, havia desencadeado esforços no sentido de conseguir o envio de uma missão do Conselho de Segurança das Nações Unidas a Jacarta e Díli – esses esforços estão detalhadamente descritos num artigo publicado pelo embaixador na revista Negócios Estrangeiros, em Março de 2001. Essa missão parte de Nova Iorque a 6 de Setembro. Inicia encontros em Jacarta a 8 de Setembro. Escreve Ian Martin: "A missão insistiu que tinha de ir a Díli avaliar a situação em primeira mão e mostrar o seu apoio à Unamet e encontrar-se de novo com o presidente [indonésio] Habibie quando regressasse" (página 221 do livro Autodeterminação em Timor-Leste).

No dia 8 após vários ataques à sede da ONU em Díli, Ian Martin, depois de se reunir com as chefias das componentes militar e policial da ONU, decide recomendar a retirada geral dos funcionários da ONU e de outros estrangeiros. Todos os timorenses ficam. Os funcionários da ONU revoltam-se e as Nações Unidas decidem que os timorenses que trabalham para a ONU e, mais tarde, os que trabalhavam para a missão portuguesa também serão retirados para a Austrália. Esta integração dos trabalhadores timorenses da missão portuguesa fica a dever-se a pressões de Ana Gomes a partir de Jacarta e de perguntas dos jornalistas portugueses sobre esses trabalhadores por parte dos jornalistas, já que até à altura Pereira Gomes os tinha completamente ignorado.

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No dia 9 de Setembro, Habibie encontra-se com a missão do Conselho de Segurança das Nações Unidas e acordam uma visita a Díli, no dia 11, com o objectivo de fazer uma avaliação da situação no país e manifestar apoio aos membros da Unamet. Nesse encontro, o Presidente indonésio recusou qualquer presença militar estrangeira em Timor. Habbie concordou que era essencial manter a missão da ONU em Timor e afirmou que a segurança ao quartel-general seria reforçada e abastecida a missão com alimentos e água (ponto 8 do relatório da missão do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a visita à Indonésia e Timor, documento S/1999/976, de 14/9/1999).

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Também neste dia, depois de constantes apelos de Pereira Gomes a Lisboa para sair de Díli, nomeadamente a dizer que todos morreriam, se ficassem, chega a ordem/autorização do Governo (esta semana, em artigo no PÚBLICO, Pereira Gomes chama-lhe “ordem expressa”, já o embaixador Fernando d’Oliveira Neves chama-lhe “autorização”).

Por telefone, o Governo autoriza que o último grupo de observadores portugueses seja incluído na retirada de todos os funcionários locais e internacionais da Unamet. Porém, em Díli ficariam  Ian Martin e 80 voluntários internacionais na Unamet, que se recusam a abandonar Timor.

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Esta ordem/autorização de Lisboa foi comunicada por telefone satélite, visto que no dia 7 os indonésios tinham destruído a antena satélite da Unamet, tornando impossíveis as comunicações electrónicas por email, telefone e fax.

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Na madrugada de dia 10 de Setembro, cerca das 4 da manhã em Díli (mais 9 horas do que em Portugal, onde ainda era dia 9), Francisco Ribeiro de Menezes, do gabinete do MNE, telefona para missão a pedir voluntários para assegurar uma presença de Portugal na Unamet até à chegada da delegação do Conselho de Segurança a Díli, confirmada para o dia seguinte.

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Pereira Gomes recusa ficar e oferece Francisco Alegre como voluntário, passando-lhe o telefone. Francisco Alegre aceita. Daniel Ribeiro (jornalista e responsável pela comunicação da MOPTL), depois de ponderar, também aceita. Os GOE dizem que qualquer um deles ficaria, se recebesse uma ordem nesse sentido.

Mais tarde, os quatro jornalistas, entre si, decidem também ficar, se permanecer alguém da missão.

Já depois das 5 horas da manhã de dia 10 chega nova ordem/autorização por telefone: o MNE decidira que, face aos relatos desesperados de Pereira Gomes de Díli, todos estavam autorizados de sair.

Na manhã do dia 10 em Jacarta, Ana Gomes é informada por Lisboa de que tinha sido dada autorização à missão para sair de Díli. Fica furiosa e tem uma violenta e longa discussão com o embaixador do MNE que lhe comunicou a autorização. Para ela era inadmissível que, na véspera da visita a Timor da missão do Conselho de Segurança das Nações Unidas, não estivesse ninguém no terreno a representar Portugal.

Também nesse dia, Ana Gomes e outros embaixadores sediados em Jacarta têm agendado na capital indonésia um encontro com a missão do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ana Gomes vai para essa reunião com uma decisão pessoal tomada: pedir para ir com a missão a Timor no dia seguinte. Mas o seu objectivo não era só ir: era ir e ficar enquanto Ian Martin e os restantes membros da ONU lá se mantivessem.

O pedido foi recusado pela missão do Conselho de Segurança das Nações Unidas, alegando que todos os lugares do pequeno avião já estavam ocupados.

11h da manhã em Díli do dia 10 de Setembro – Partida para o aeroporto dos últimos elementos da MOPTL e dos jornalistas, sob escolta dos militares indonésios. Retirada para Darwin em C-130 das tropas especiais australianas.

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11 de Setembro – Chegada a Díli da missão do Conselho de Segurança das Nações Unidas (tal como previsto), em conjunto com o general Wiranto, ministro da Defesa indonésio.

O Conselho de Segurança reúne-se em Nova Iorque.

Escreve Ian Martin: "Os voluntários da Unamet aguentaram-se, e a 11 de Setembro nós e as PDI ('pessoas deslocadas internamente', os refugiados timorenses) recebemos a visita da missão do Conselho de Segurança" (página 210).

Não estava lá ninguém em representação de Portugal.

É a partir desta visita que a ONU começa a tratar de enviar para Timor-Leste uma força militar internacional que havia vários dias a diplomacia exigia.

Notas finais – No dia 2 deste mês, José Júlio Pereira Gomes escreve um artigo no PÚBLICO em que afirma: "Quando o Governo português toma a decisão de saírmos (entre a meia-noite e as 5h do dia 10, hora de Timor), não estava prevista qualquer deslocação da Delegação do Conselho de Segurança (CS) a Díli." Diz ainda que o ministro da Defesa indonésio, general Wiranto, “aceita a ideia de uma visita” no dia 10. “Nesse momento já nós estávamos a caminho de Darwin.”

Pereira Gomes cita o relatório da missão do Conselho de Segurança que visitou Timor (documento S/1999/976, de 14/9/1999). Nesse documento não consta nenhuma recusa de Wiranto em visitar Timor, no decorrer de um encontro entre ambas as partes no dia 9. Consta também nesse documento o relato de encontro anterior, igualmente no dia 9, entre a missão do Conselho de Segurança e o Presidente indonésio, Habibie, em que este autoriza a deslocação a Díli.

O embaixador António Franco, na altura chefe da Casa Civil do então Presidente Jorge Sampaio, relata no volume II da biografia de Sampaio da autoria de José Pedro Castanheira o seguinte. Página 845: “António Franco e Carlos Gaspar também se ‘mudam’ para Belém. ‘Assisti ao que é o sentido de dever de um Presidente’, testemunha o chefe da Casa Civil. ‘É um caso exemplar de uma grande cooperação institucional ao mais alto nível do Estado: Presidente, primeiro-ministro e ministro dos Estrangeiros. As relações do Jorge com o Guterres e o Gama melhoraram muito nessa altura, trabalharam juntos, noites e noites, e Belém foi o ‘noyau’ da actuação diplomática portuguesa. Guterres teve uma conduta absolutamente diferente da que teve com Macau (onde raramente se meteu). Nunca o vi tão furioso, como quanto a alguns dos nossos observadores diplomáticos no terreno que, cercados pelas milícias juntamente com centenas de timorenses, não cessavam de reclamar por uma pronta evacuação.’”