Abate ilegal de sobreiros e azinheiras para plantar eucaliptos repete-se em Tomar

O arrendatário do terreno onde se encontra o povoamento de montado agora destruído tinha requerido, em 2015, o abate de 55 sobreiros, procedimento que não foi autorizado.

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O Regime de Arborização aprovado pelo Governo anterior veio dar maior flexibilidade à florestação do território nacional com eucaliptos e ao progressivo desaparecimento de espécies autóctones como o sobreiro e a azinheira. A última situação conhecida, denunciada esta manhã pela Associação Nacional de Conservação da Natureza - Quercus, dá conta de mais um abate ilegal de sobreiros e azinheiras, desta vez numa área localizada junto ao rio Nabão em Tomar.

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O Regime de Arborização aprovado pelo Governo anterior veio dar maior flexibilidade à florestação do território nacional com eucaliptos e ao progressivo desaparecimento de espécies autóctones como o sobreiro e a azinheira. A última situação conhecida, denunciada esta manhã pela Associação Nacional de Conservação da Natureza - Quercus, dá conta de mais um abate ilegal de sobreiros e azinheiras, desta vez numa área localizada junto ao rio Nabão em Tomar.

Domingos Patacho, dirigente nacional para o sector da floresta da Quercus, disse ao PÚBLICO que a área agora sujeita à intervenção com moto-serras “era a única que ainda tinha montado” no interior de uma extensa área coberta de eucaliptos.  

A Quercus foi alertada, na passada semana, para a destruição de sobreiros, azinheiras, carvalhos portugueses e medronheiros, entre outras espécies, em Porto de Cavaleiros, no concelho de Tomar, uma área parcialmente integrada no sítio Sicó-Alvaiázere da Rede Natura 2000 e onde já tinha tido lugar, em 2015, um abate ilegal de sobreiros.

Este povoamento florestal tinha sido percorrido por um incêndio em 2008 mas os sobreiros “estavam verdes, apenas com a cortiça negra”, garante Domingos Patacho, pormenor que condiciona a alteração de uso do solo, como parece estar a acontecer com o abate de espécies protegidas.

A Quercus confirmou que no terreno encontravam-se trabalhadores da empresa madeireira “Madeiras Afonso, Lda,” a cortar azinheiras, carvalhos e sobreiros “não cintados, o que revela a falta de responsabilidade social e ambiental da referida empresa”. Também comprovou que no local estava uma escavadora giratória a ”arrancar os cepos dos sobreiros e medronheiros para destruir as provas do crime”. Patacho salienta que a empresa “tem a cadeia de custódia certificada pelo FSC [entidade que verifica se uma área florestal é gerida de acordo com normativos internacionalmente reconhecidos] e está a iniciar a certificação da gestão florestal em outras áreas. Contudo, estas ações ilegais “revelam que não está comprometida com uma gestão responsável da floresta”, critica o dirigente da Quercus.

Na sequência deste abate de árvores, a associação ambientalistas soliciou, na passada semana, uma fiscalização urgente dos serviços ambientais (SEPNA) da GNR para impedir o abate de mais exemplares de espécies protegidas. Foram igualmente solicitados esclarecimentos ao Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) sobre a ocorrência.

Já na semana em curso, a Quercus voltou a deslocar-se ao terreno para confirmar as infracções e teve conhecimento de que “no decorrer do levantamento do auto de notícia e do processo de contra-ordenação por abate ilegal de sobreiros em 2015, a arguida Madeiras Afonso, Lda. foi condenada ao pagamento de uma coima pela infracção grave cometida”.

Domingos Patacho recorda que, no final de 2015, entrou um pedido de autorização para arborização do terreno com eucaliptos onde acaba de ocorrer o abate ilegal de árvores, pedido esse que foi “indeferido pelo ICNF” com notificação de arquivamento a 8 de Março de 2016 dado que não se pode converter povoamentos de sobreiros.

Não obstante esta situação, o arrendatário do terreno, Madeiras Afonso, Lda, enviou ao ICNF um pedido de autorização para o corte de 55 sobreiros adultos “alegadamente 26 secos e 29 decrépitos, quando a copa estava verde, referindo que tinha existido um incêndio em 2015, o que é falso, pelo que a situação é uma nulidade”, afirma a Quercus.

Mesmo assim, e apesar de ter caducado a validade da autorização, cortaram agora os “sobreiros, incluindo diversos verdes não cintados, sem qualquer autorização, o que condiciona a conversão para um novo eucaliptal”. Perante estes acontecimentos, a Quercus exige “uma firme actuação do Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, bem como do ICNF, para impedir a destruição das últimas áreas de floresta mediterrânica". Este é mais um caso, salienta a Quercus, que revela a “pressão” para novas plantações de eucalipto em território nacional, “fruto da Regime de Arborização aprovado pelo Governo anterior” e que o actual ainda não revogou. A alteração proposta no final de 2015 ainda se encontra na Assembleia da República.