“Lobby da energia é um dos mais fortes que temos em Portugal”
"Quando saí do Governo, escrevi uma carta ao primeiro-ministro em que disse que tínhamos identificado mais 1500 milhões de euros de rendas da energia que era preciso cortar e eles aplicaram uma contribuição para o sector"
Em declarações ao PÚBLICO, o antigo ministro da Economia Álvaro Santos Pereira diz não ter dúvidas de que era preciso fazer mais na energia e alerta para a necessidade de não reverter o que foi feito.
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Em declarações ao PÚBLICO, o antigo ministro da Economia Álvaro Santos Pereira diz não ter dúvidas de que era preciso fazer mais na energia e alerta para a necessidade de não reverter o que foi feito.
Portugal ainda deveria ir mais longe no corte das rendas da energia?
No último relatório sobre Portugal que saiu este ano, a OCDE diz isso muito claramente. No anterior Governo cortaram-se 3,5 mil milhões de euros de rendas de energia. Antes desse Governo ninguém tinha cortado um cêntimo. O lobby da energia é um dos mais fortes que temos em Portugal. Pode-se cortar nas rendas de energia de muitas formas: pode ser nos CMEC [custos de manutenção do equilíbrio contratual], nas garantias de potência ou noutras formas. Foi isso que foi feito. Agora é importante que nos próximos anos, primeiro, quando houver um ajuste final dos CMEC, não haja reversão deste corte. É o primeiro ponto a ter em linha de conta e sobre o qual ninguém está a falar: não pode haver reversão dos cortes e não pode haver mais rendas paras as empresas de energia. Em segundo lugar, é importante criar as condições para haver mais concorrência. Para isso, as interligações entre Espanha e França são fundamentais. Mas também é preciso continuar a criar condições para cortar as rendas da energia, quer seja através de contribuições, como as que foram criadas, quer através de outros mecanismos que possam reduzir as rendas desses sectores que foram protegidos durante demasiado tempo e que criaram lobbies fortíssimos, com ligação ao poder político, e que tiveram uma influência nefasta no nosso país.
Sentiu esses lobbies políticos enquanto foi ministro? Não lhe permitiram ir mais longe nos cortes?
Fomos o mais longe possível. Quando saí do Governo, escrevi uma carta ao primeiro-ministro em que disse que tínhamos identificado mais 1500 milhões de euros de rendas da energia que era preciso cortar e eles aplicaram uma contribuição para o sector, para cortar exactamente grande parte dessas rendas. O que é preciso fazer é continuar com os estudos, continuar a identificar se há mais rendas ou não. Quem está a pagar as rendas são os consumidores, são as famílias, é a economia portuguesa. Para defender alguns, estava a prejudicar-se a economia portuguesa. Só para lhe dar uma ideia, eu lembro-me bem que em 2011 e 2012, quando cheguei ao Governo, tive uma estimativa de que o preço da electricidade iria aumentar 50%, se nada fosse feito. E por isso não tivemos hesitação em actuar.
A privatização da EDP não afectou esse processo?
Claro que no contexto muito delicado da privatização da EDP, e sabendo que os CMEC foram criados de tal forma que o próprio Estado português poderia ser processado, se não tivéssemos tomado as decisões correctas, os cortes foram feitos uns meses mais tarde, não foram feitos em 2011 – mas foram feitos em 2012 e 2013. Nos próximos tempos é preciso continuar a fazer os cortes nas rendas dos sectores protegidos como é a energia.
O que pensa das investigações que estão a ser feitas em relação à forma como foram criados os CMEC?
Não vou comentar essa matéria. O que posso dizer é que quem conhece o dossier das rendas da energia sabe que o mais importante é cortar essas rendas e acabar com os privilégios que existem no sector da energia.