Sauditas e aliados árabes isolam o Qatar com uma mensagem para Teerão
O Governo de Doha está debaixo de uma pressão sem precedentes para se submeter e cortar os laços com a República Islâmica. Trump ajudou a preparar o terreno.
A Arábia Saudita e cinco dos seus aliados mais próximos cortaram as relações diplomáticas e encerraram as fronteiras com o Qatar justificando a decisão com as ligações e apoio a grupos terroristas e ao Irão, numa acção sem precedentes nos últimos anos de tensão entre os dois lados. Entre as primeiras reacções, as mensagens de apaziguamento e de apelo ao diálogo partiram do secretário de Estado norte-americano Rex Tillerson e do Irão.
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A Arábia Saudita e cinco dos seus aliados mais próximos cortaram as relações diplomáticas e encerraram as fronteiras com o Qatar justificando a decisão com as ligações e apoio a grupos terroristas e ao Irão, numa acção sem precedentes nos últimos anos de tensão entre os dois lados. Entre as primeiras reacções, as mensagens de apaziguamento e de apelo ao diálogo partiram do secretário de Estado norte-americano Rex Tillerson e do Irão.
A partir da Austrália, Tillerson garantiu que a escalada de tensões não vai ter impacto na luta dos Estados Unidos contra o terrorismo, apesar de uma das principais bases americanas na região (com dez mil homens) estar localizada precisamente no Qatar.
O Irão, através do porta-voz do ministro dos Negócios Estrangeiro, Bahram Qasemi, apelou a que os países envolvidos no conflito diplomático se sentem à mesa das negociações, argumentando que esta situação não ajuda a resolução da crise no Médio Oriente.
Arábia Saudita, Bahrein, Egipto, Iémen, Emirados Árabes Unidos e a Líbia cortaram as relações diplomáticas com o Qatar, apresentando uma série de medidas e de justificações autónomas mas aparentemente concertadas. Em comunicado, Riad acusou o Governo de Doha de “apoiar grupos de terroristas com apoio iraniano”, tais como a Irmandade Muçulmana, o Daesh, a Al-Qaeda e outros com ligações a Teerão. O Bahrein justificou a decisão pelo facto de o Qatar “minar a segurança e estabilidade” do país e de “interferir nos seus assuntos internos”, cita a agência de notícias nacional. Já o ministro dos Negócios Estrangeiros do Egipto acusou o pequeno emirado com 2,7 milhões de habitantes de ter uma “abordagem antagónica” contra si e que todas as medidas para impedir o seu “apoio a grupos terroristas falharam”.
O Qatar diz que as medidas são injustificadas e baseadas em mentiras: “O Estado do Qatar tem sido sujeito a uma campanha de mentiras que chegou a um ponto da fabricação completa”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros em comunicado.
Desta forma, os Emirados Árabes Unidos ordenaram a retirada dos diplomatas do Qatar em 48 horas; as ligações aéreas, terrestres e marítimas foram cortadas e as tropas qataris que faziam parte da coligação militar liderada pelos sauditas no Iémen foram expulsas.
Em sentido contrário, o Qatar, através da sua embaixada em Abu Dhabi, pediu os seus cidadãos nos Emirados Árabes Unidos que regressem num prazo de 14 dias.
O factor Trump
As tensões no Golfo Pérsico escalaram depois de, no final do mês de Maio, terem surgido na agência de notícias estatal do Qatar declarações do emir Tamim bin Hamad al-Thani onde este elogiava o Irão e criticava a Arábia Saudita e EUA — apenas dias depois de Donald Trump ter participado na cimeira árabe em Riad, onde pediu empenho no combate ao terrorismo e deixou duras críticas ao Irão.
Doha negou que o emir tivesse proferido aquelas palavras, mas estava aberta a porta para as sanções diplomáticas.
As medidas contra o Qatar podem ser explicadas, em parte, pela guerra silenciosa que se trava entre a Arábia Saudita, de maioria sunita, e o Irão, de maioria xiita, arqui-rivais na luta pelo poder religioso, político e económico no Médio Oriente.
Um dos aspectos que está na base do conflito entre Riad e Teerão é a divisão entre os dois principais ramos do Islão, cuja origem remonta às origens desta religião.
Em alguns dos actuais confrontos armados do Médio Oriente há sauditas e iranianos em lados opostos. São os casos da Síria, Iraque ou Iémen.
Mas o que é que o Qatar tem a ver com tudo isto? Há dois aspectos que servem de justificação para este pacote de sanções: acusações de apoio a grupos terroristas, e através deles, de uma política de ingerência em países da região, e o consequente reforço do Irão na esfera de influência regional. A mensagem é clara: aproveitando a porta aberta por Trump em Riad, foi declarado que o apoio ao Irão deixou de ser tolerado.
As pressões dos países do Golfo Pérsico sobre o Qatar não são novas. Em 2014, a maioria destes países, menos o Iémen, tinham retirado os seus diplomatas do Qatar. Os argumentos apresentados também não são novos — exceptuando o de Riad que acusa Doha de apoiar os rebeldes xiitas houthis no Iémen, apesar de o Qatar ter integrado a coligação militar liderada pelos sauditas. Em 2014, o Qatar foi acusado de apoiar a Irmandade Muçulmana que subia ao poder no Egipto. Pouco tempo depois, foi a vez de a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos financiarem o golpe de Estado militar que derrubou o Governo da Irmandade e do Presidente Morsi.
Mas o encerramento das fronteiras tornam as sanções agora aplicadas numa forte pressão.
Se o Qatar ceder à pressão e alterar as suas relações com Teerão, o Irão pode ficar sem um importante e influente aliado na região.
Resta saber até onde irá a resistência do Qatar à Arábia Saudita e aliados, num Médio Oriente onde, à boleia de Trump, o equilíbrio de poderes pode estar a mudar.