Os adoçantes vão matar-me?

Na era das redes sociais, é muito provável que qualquer ingrediente o possa “matar” ou pelo menos “provocar-lhe” cancro. Os adoçantes estão na linha da frente na lista de substâncias que são diariamente alvos de uma chacina pública nesse grande tribunal em que se converteu o Facebook e o Instagram.

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Na era das redes sociais, é muito provável que qualquer ingrediente o possa “matar” ou pelo menos “provocar-lhe” cancro. Os adoçantes estão na linha da frente na lista de substâncias que são diariamente alvos de uma chacina pública nesse grande tribunal em que se converteu o Facebook e o Instagram.

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Há algumas questões essenciais no que diz respeito à utilização dos adoçantes: são melhores do que o açúcar? Existe algum risco devidamente comprovado para a saúde decorrente da sua utilização? Se sim, em que doses? E, para finalizar, o aspartame (ou outro) provoca mesmo cancro?

Vamos então por partes.

Que a grande maioria dos adoçantes não tem calorias associadas é praticamente do senso comum. Aliás, é provavelmente por causa disso que pode existir alguma desresponsabilização no seu consumo e uma possível sobrecompensação noutros alimentos mais doces e calóricos. Ainda assim, o raciocínio “estou a beber um refrigerante light, por isso posso comer bolo”, é um exercício profundamente demagógico e uma extrapolação abusiva de qual será o comportamento de cada indivíduo quando opta por um alimento com adoçante.

Quem os usa de forma correcta e devidamente contextualizada por um profissional de saúde, dificilmente cai neste tipo de compensação abusiva. Também o modo como se olham para alguns estudos observacionais existentes sobre os adoçantes merece atenção. Em estudos como este e este, em que se observa que quem mais consome refrigerantes light tem um maior risco de excesso de peso, obesidade e diabetes tipo II, estamos muito provavelmente a inverter o nexo de causalidade. Ou seja, muito provavelmente, o que aconteceu é que os indivíduos já obesos estariam a consumir esses produtos como tentativa de baixar o peso e daí essa associação. Há que dizer ainda assim que ingerir mais de 21 refrigerantes light por semana (o valor apontado num destes estudos) é uma profunda obscenidade seja qual for o contexto. Do ponto de vista prático e clínico, se o indivíduo for devidamente educado a utilizar os refrigerantes light com ponderação, sem fazer compensações abusivas noutros alimentos doces e apenas como substituição a um refrigerante que já iria beber (numa esplanada, numa refeição fora de casa ou no cinema), esta substituição é objectivamente positiva levando a uma menor ingestão calórica e melhor controlo do peso.

Também é legítimo pensar que a exposição diária a estas bebidas doces pode aumentar o nosso limiar de sensibilidade a este sabor e fazer com que a procura por alimentos doces seja ainda maior. Em todo o caso, este raciocínio nem sempre é comprovado nos estudos que o testaram, podendo mesmo este “mimo” doce diário e sem calorias fazer com que não seja necessário abusar nas sobremesas por exemplo (até porque a refeição foi já acompanhada por uma bebida doce).

Resta então perceber se existe algum problema a médio/longo prazo com a ingestão crónica destes adoçantes. E a resposta é sim, existe. Nos últimos anos tem-se observado que a exposição crónica a estes adoçantes pode igualmente desregular o nosso controlo glicémico devido a alterações na nossa flora intestinal. Podemos dizer que é o chamado “karma” dos adoçantes. Se o seu efeito a curto prazo parece ser positivo na redução da ingestão de açúcar e calorias, a sua ingestão crónica também pode justamente piorar aqueles indicadores que inicialmente se propunha melhorar. Reconhecendo que são ainda muito poucos os estudos a investigar esta relação, e que existe uma variabilidade inter-individual grande nestes efeitos, a conclusão a retirar daqui é que mesmo os refrigerantes light também podem ser nefastos para o nosso organismo quando consumidos de forma crónica. E por refrigerantes entendam-se também algumas “águas” ou “tisanas” com sabores que são igualmente fontes de adoçantes e que pela sua imagem mais “healthy”, são muitas vezes vistas com outros olhos e legitimado o seu consumo diário e abusivo. Como outra das fontes diárias de adoçantes é o café, também nestes casos o paladar deve ser educado. Qualquer bom apreciador de café até torce a cara quando vê algo doce ser-lhe adicionado. Ir gradualmente diminuindo a quantidade de açúcar ou colocando canela até ao ponto de se habituar a bebê-lo na sua versão pura é um objectivo a atingir num país que tem este hábito tão enraizado.

Outra das preocupações reside no risco aumentado de cancro. Focando-nos em estudos em humanos (e não em ratos), a evidência é bastante inconclusiva no que diz respeito à ligação entre consumo de adoçantes e cancro. Olhando para os vários estudos existentes sobre o tema, mesmo quando se pretende forçar esta associação e olhar apenas para os trabalhos que reforçam esta teoria, o máximo que se consegue encontrar é um aumento do risco de mieloma múltiplo (nos homens) e leucemia com um consumo superior a 1 refrigerante com aspartame por dia comparativamente a quem não bebe nenhum. E também um aumento do risco de cancro da laringe em indivíduos que consumiam mais do que dois pacotes de sacarina diários em comparação a quem não consumia nenhum. Ou seja, mesmo quando queremos ser facciosos, não há “muito por onde pegar” quanto a esta hipotética teoria de que os adoçantes são um novo veneno.

Para finalizar, falta ainda referir o lado “bom” de alguns adoçantes. Estamos fundamentalmente a referir-nos à stevia, que pode até ter efeitos interessantes na diminuição da pressão arterial em hipertensos e melhoria do controlo glicémico em diabéticos, para além de juntamente com os outros adoçantes artificiais ser também profundamente inócua no que diz respeito às cáries dentárias. Também alguns “polióis”, nome dado a substâncias como o xilitol, sorbitol, manitol, maltitol e afins, acabam por ser uma substituição positiva, dado que o seu valor calórico é cerca de metade do açúcar, com a vantagem de ter um impacto muito reduzido na glicemia e nas cáries dentárias. O seu principal problema pode então residir no efeito laxante do seu consumo excessivo em pastilhas elásticas, rebuçados sem açúcar e barras proteicas.               

Recomendações

— Continue a não ter refrigerantes light / “águas com gás” de sabores em casa. Se olhar para eles, mal abre o frigorífico, dificilmente lhe vai apetecer beber água;

— Se só bebe refrigerantes esporadicamente, mesmo as versões normais não vão fazer uma diferença abismal. Se estiver a tentar emagrecer, mesmo nessas ocasiões prefira os light e poupe-se à ingestão de 30-40g de açúcar e 150 kcal desnecessárias;

— Não seja fundamentalista. Só tem esta vida para viver e há ocasiões e refeições que merecem mais do que um copo de água ou do que chá verde com gengibre e canela (diga-se ainda assim, em abono da verdade, que se é para ingerir uma bebida calórica à refeição, fica mais bem servido nutricional e sensorialmente com uma cerveja ou um copo de um bom vinho).

A rubrica Estar Bem é publicada no P2, caderno de domingo do PÚBLICO