Juízes aprovam greve que abranja o processo eleitoral autárquico
Decisão foi tomada neste sábado e pode comprometer o processo das eleições autárquicas agendadas para Outubro, caso a adesão seja grande. Associação sindical deixa porta aberta para solução negociada em 15 dias. António Costa já reagiu.
Os juízes portugueses ponderam fazer greve em Agosto, segundo a decisão tomada neste sábado à tarde pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), em assembleia geral, realizada nas imediações de Coimbra.
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Os juízes portugueses ponderam fazer greve em Agosto, segundo a decisão tomada neste sábado à tarde pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), em assembleia geral, realizada nas imediações de Coimbra.
A iniciativa pode ter impacto no processo das eleições autárquicas, agendadas para 1 de Outubro, caso a adesão por parte dos juízes seja grande. Num comunicado com quatro pontos muito breves, emitido no final da assembleia geral, a ASJP classifica como "inaceitável o teor do projecto de estatuto proposto pelo Ministério da Justiça, porque coloca gravemente em crise a independência do poder judicial".
No segundo ponto, os juízes solicitam à ministra Francisca Van Dunem "e a todo o Governo" que "se mostrem disponíveis" para discutirem "propostas de alteração do estatuto" dos juízes. Essas propostas, diz a associação, serão apresentadas nos próximos dias, esperando a ASJP que "o processo negocial se possa concluir favoravelmente em 15 dias".
É no terceiro e penúltimo ponto que se revela que a assembleia geral "mandatou a direcção nacional para a convocação de uma greve". Esta paralisação pode decorrer "sob o modelo entendido como mais conveniente" e "em períodos que possam abranger o próximo processo eleitoral autárquico.
O primeiro-ministro já reagiu, destacando a “disponibilidade para negociar” da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) sobre a proposta governamental dos novos Estatutos. “O que verifiquei foi uma posição bastante construtiva de corresponderem, com uma contraproposta, à proposta do Governo e a abertura de um processo negocial, o que é saudável e muito positivo”, afirmou o primeiro-ministro em declarações aos jornalistas, no início de uma visita ao Serralves em Festa, no Porto.
Quanto à hipótese de os juízes avançarem com uma greve que pode colocar em causa as eleições autárquicas de outubro, António Costa notou que é preciso primeiro ouvir “a opinião” dos juízes, “porque é a conversar que as pessoas se entendem”.
Maltratados pelo poder político
No final da assembleia, a presidente da ASJP, Manuela Paupério disse que os juízes aprovaram a greve porque “se sentem maltratados pelo poder político”. O processo negocial ainda está em aberto mas, se não se “chegar a alguns entendimentos”, os magistrados avançam com a greve em Agosto.
“Vamos entregar à senhora ministra as nossas propostas, as linhas vermelhas, relativamente às quais não estamos dispostos a ceder de forma nenhuma” afirmou Manuela Paupério aos jornalistas.
O estabelecimento desses limites “vai ser ainda discutido”, mas a presidente da ASJP entende que as reivindicações do juízes são essenciais para manter “uma magistratura independente ao serviço dos cidadãos”.
A responsável explica que a greve, a avançar, deve ter um impacto “eficaz”. A paralisação está projectada para o mês de Agosto.
“Temos que ser eficazes. Não estamos dispostos a colaborar no processo eleitoral porque o poder político também nos destrata e nos desconsidera”, afirma. Manuela Paupério ressalva ainda que os juízes não estão a pôr em causa o funcionamento da democracia. “Eleições autárquicas haverá. Pode é não acontecer naquela data”.
Como noticiava o PÚBLICO, antes da reunião da ASJP, a luta dos juízes já tinha levado o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henriques Gaspar, a pedir uma reunião com carácter de urgência ao Presidente da República tendo em conta a ameaça de boicote ao processo eleitoral autárquico. A audiência deverá ter lugar na próxima quarta-feira, dia 7, depois de Marcelo Rebelo de Sousa regressar dos Açores, onde se encontra em visita oficial, apurou o PÚBLICO.
O pedido de Henriques Gaspar, que é também presidente do Conselho Superior de Magistratura por inerência, acontece após o Governo ter enviado à associação sindical (que se reune neste sábado em assembleia-geral) uma proposta de revisão do estatuto da classe considerada "inaceitável" pelos representantes dos juízes. E embora os aumentos salariais ali previstos, considerados magros de mais, tenham provocado desagrado numa classe que alega ter os ordenados congelados há década e meia e ter sofrido, durante os anos da troika, cortes superiores aos do resto da função pública, os dirigentes sindicais preferem centrar as críticas naquilo que consideram ser ataques à sua independência.
As regras que o Ministério da Justiça quer impor através do novo estatuto profissional para aumentar a celeridade e a produtividade nos tribunais podem transformar os juízes numa classe funcionalizada e subserviente, avisa um magistrado. E aponta a norma “claramente inconstitucional” que prevê que os juízes passem a ter de obedecer a “legítimas instruções” do presidente da comarca em que trabalham ou do Conselho Superior da Magistratura, órgão que superintende à classe. Algo que seria perfeitamente normal na maioria das profissões, mas que no caso dos juízes é considerado grave por as garantias de independência do seu trabalho assentarem também no facto de serem, ao contrário dos procuradores, uma magistratura sem hierarquias.
“Este tipo de regras pode permitir afastá-los de certos lugares ou de certos processos, no caso de se revelarem incómodos”, refere o mesmo magistrado.
Manuela Paupério entende que a proposta do governo apresenta “soluções que pouco dignificam a classe” e explica que, o objectivo dos magistrados é “essencialmente a instituição de um suplemento da condição de juiz”. “Mas até isso nos foi negado”, lamenta, sublinhando que se deveria adequar o estatuto “aos nossos tempos”.
O documento “não se coaduna com o tipo de juízes que temos” refere, e lembra que a profissão é de “exclusividade total e absoluta”. A dirigente critica ainda a redacção do estatuto, um aspecto que apesar de simbólico, “não é de somenos”. “O estatuto diz que os magistrados devem obediência a instruções do conselho presidente – ainda que a gente saiba que se está a falar das instruções no âmbito da gestão funcional e não do processo. O juiz só deve obediência à lei e à constituição”, aponta.