Esquerda unida nas críticas, separada quanto ao caminho a seguir na Europa

Os quatro partidos que apoiam o Governo não querem um ministério europeu das Finanças que tutele os ministros dos países e consideram que titularização da dívida é insuficiente para o que a Europa precisa.

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Pierre Moscovici apresentou as propostas de mudança na UE Enric Vives-Rubio

Um dos maiores obstáculos à sintonia entre o Governo e os parceiros de esquerda é a Europa. Mas as propostas da Comissão Europeia (CE) para o futuro da União tiveram o condão de unir PS, PCP e BE nas críticas. Não, o caminho que defendem não é o mesmo, está cheio de diferenças que começam logo à partida pela relação com Bruxelas. E sim, os socialistas até concordam com alguns princípios agora propostos. Mas não acreditam que as propostas cheguem a bom porto, em especial no que diz respeito à tentativa de criar um novo instrumento para a dívida pública europeia. 

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Um dos maiores obstáculos à sintonia entre o Governo e os parceiros de esquerda é a Europa. Mas as propostas da Comissão Europeia (CE) para o futuro da União tiveram o condão de unir PS, PCP e BE nas críticas. Não, o caminho que defendem não é o mesmo, está cheio de diferenças que começam logo à partida pela relação com Bruxelas. E sim, os socialistas até concordam com alguns princípios agora propostos. Mas não acreditam que as propostas cheguem a bom porto, em especial no que diz respeito à tentativa de criar um novo instrumento para a dívida pública europeia. 

O que fazer à dívida pública é um tema que não é consensual. PCP e BE insistem na necessidade de uma reestruturação, o PS remete a resolução do problema para o plano europeu. E esta semana foram conhecidas as propostas da CE para gerir a dívida: a criação de um activo sem risco na zona euro, que juntasse diferentes títulos de dívida pública dos países da zona euro a aplicar até 2020. Uma proposta que não implica uma mutualização, ou seja, uma emissão comum de dívida.  

Os quatro partidos têm um olhar crítico sobre esta proposta, sobretudo porque fica a meio caminho: nem é uma mutualização da dívida, nem promove a reestruturação da parte da dívida dos estados que está acima do limite do Tratado Orçamental (60%). "É claramente insuficiente e não resolve o problema. Não se trata uma pneunomia com paracetamol", diz ao PÚBLICO a eurodeputada do BE, Marisa Matias. Insuficiente, lembra, porque não resolve o principal problema que é "não estar associada a uma reestruturação".

Os socialistas, repetiram-no quando apresentaram o relatório da dívida que foi feito em conjunto com o Bloco, recusam a reestruturação unilateral e remetem uma solução para Bruxelas. Contudo, a solução agora apresentada não lhes agrada, porque não mutualiza a dívida na sua totalidade, aplica-se apenas ao sector financeiro. Para o PS, o instrumento agora apresentado afecta apenas parte das dívidas dos países (não a sua totalidade) e tem apenas como objectivo resolver a estreita dependência entre a banca de cada país e o estado onde está instalado. "Este é um activo sem risco que surge divorciado de debates sobre financiamento de Estados-membros; é apenas para o sector financeiro. Não há mutualização da dívida nenhuma", diz João Galamba. O socialista discorda da medida por não ser uma hipóteses viável a títulos de dívida pública europeia (eurobonds). "O que me parece errado nesta proposta é reconhecer que é preciso algo parecido com eurobonds, mas como os eurobonds não são possíveis, procurar alternativas. Mas há alternativas que não o são. É o que me parece este caso", diz ao PÚBLICO.

Os comunistas também são contra, sobretudo porque acreditam que este mecanismo não resolve a situação e porque pode até ser prejudicial, ao criar maiores desequilíbrios entre os diferentes países. "Depreende-se que as desigualdades do acesso ao crédito e o prémio de risco vão manter-se, com os países mais pobres e endividados a terem custos e dificuldades maiores e a continuarem sujeitos às chantagens das agências de rating", diz o eurodeputado do PCP João Ferreira.

Esquerda não quer mais tutela

Numa altura em que se fala da possibilidade de Mário Centeno vir a presidir ao Eurogrupo - o grupo informal de ministros das Finanças da zona euro -, a CE lança duas propostas que mudariam as regras do jogo, mas só numa fase mais avançada da integração europeia (depois de 2019): a criação de um ministério europeu das Finanças, que tivesse nas suas competências a fiscalização das políticas económicas e orçamentais, a aplicação de um orçamento comum da zona euro e a emissão de dívida comum; além desta medida, a CE quer que o Eurogrupo passe a ter um presidente em exclusivo, o que implicaria que não podia ser ministro das Finanças de nenhum país. O que significa que, para ser Centeno, este teria de deixar mais tarde de ser ministro das Finanças de Portugal.

Ponto comum entre os partidos: se estas medidas implicarem mais tutela sobre os países, são para rejeitar. Para João Ferreira esta ideia de um ministro europeu, se tiver direito de veto sobre orçamentos naiconais, será algo "emblemático" de uma "intrusão mais permanente e efectiva das instituições da UE na vida dos países" e de um “estreitamento cada vez maior” da liberdade nacional. Com estas propostas, as decisões fundamentais “estarão ainda mais nas mãos de entidades externas”. O mesmo diz o deputado José Luís Ferreira dos Verdes, para quem estas medidas visam "reforçar as políticas europeias de maior integração e levar os Estados-membros a perderem cada vez mais autonomia".

Marisa Matias considera que esta espécie de formalização do Eurogrupo é preocupante, uma vez que este "já interfere demasiado" e que a sua "formalização só agrava esses problemas". Para a eurodeputada, o que é preciso é uma "mudança de políticas", porque neste momento o que se passa na Europa é um "momento de divergências". "Acrescentar mais instituições não resolve o problema das divergências" no seio da União. Divergências é a mesma palavra utilizada pelo comunista João Ferreira, que diz que, em termos gerais, estas propostas "cristalizam a zona euro como uma máquina de criar divergências".

O PS diverge dos parceiros neste ponto e até aceita que o Eurogrupo passe a ter um presidente em exclusivo, mas "nunca" que esse presidente seja o tal ministro europeu. Galamba diz que essa possibilidade "seria um retrocesso". Na argumentação do socialista, até faz sentido haver um ministro dedicado às finanças da UE, desde que seja na lógica de um orçamento reforçado, e não na lógica de mais "disciplina sobre os nacionais". Para o PS, o caminho de reforço do braço disciplinar já foi feito nos últimos anos, agora é hora de "passar para outra", que é, como quem diz, mudar de política e apostar no investimento.