A luta da Monsanto para defender o glifosato

Investigação do jornal Le Monde denuncia práticas de pressão sobre os investigadores da agência da Organização Mundial de Saúde que alertou para os possíveis efeitos cancerígenos do glifosato.

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A Monsanto teve em 2015 receitas de 15 mil milhões de dólares Charles Platiau/Reuters

A empresa Monsanto tem feito vários esforços para conseguir ver prolongado o uso da substância que está na base do seu famoso herbicida Roundup: o glifosato – que tem vindo a ser associado em vários estudos a possíveis efeitos cancerígenos. Uma investigação que o Le Monde começou a publicar nesta quinta-feira, com o nome Monsanto Papers, indica que a empresa tem tentado destruir a credibilidade da Agência Internacional para a Investigação do Cancro da Organização Mundial de Saúde.

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A empresa Monsanto tem feito vários esforços para conseguir ver prolongado o uso da substância que está na base do seu famoso herbicida Roundup: o glifosato – que tem vindo a ser associado em vários estudos a possíveis efeitos cancerígenos. Uma investigação que o Le Monde começou a publicar nesta quinta-feira, com o nome Monsanto Papers, indica que a empresa tem tentado destruir a credibilidade da Agência Internacional para a Investigação do Cancro da Organização Mundial de Saúde.

O director desta agência internacional, com sede em Paris, admitiu ao Le Monde que já tinham sido “atacados no passado com campanhas de difamação”, mas nunca tinham enfrentado uma “campanha orquestrada com esta magnitude”. Christopher Wild explicou que este problema arrasta-se já há dois anos, com impacto na credibilidade e integridade da instituição e dos especialistas que ali trabalham que, segundo este responsável, são “denegridos” e “assediados” por advogados. As consequências têm-se feito sentir no próprio orçamento que a agência recebe.

O Le Monde avança que tudo começou numa data certa: 20 de Março de 2015. Nesse dia, a agência de Christopher Wild publicou as conclusões de um estudo que conduziu sobre os efeitos do glifosato, deixando o mundo atordoado: este pesticida, dos mais célebres do mundo, foi considerado genotóxico, com efeitos ao nível do ADN, efeitos cancerígenos nos animais e “provavelmente cancerígenos” nos humanos.

A partir desse momento, advogados com ligações à Monsanto enviaram aos vários cientistas e investigadores envolvidos no trabalho cartas intimidatórias a pedir todos os documentos utilizados para chegar às conclusões publicadas. Caso decidissem não o fazer, eram ameaçados com uma acção judicial. Houve também o caso de um jornalista supostamente chamado Christopher Watts e com um mail ligado à The Economist que tentou obter informações junto dos investigadores e que fez perguntas mais intimidatórias. Na revista, ninguém sabe quem é.

Ao mesmo tempo, o Conselho Americano de Química, que defende a indústria dos Estados Unidos, terá promovido alguma influência junto de jornalistas para que publicassem histórias que comprometessem a independência da agência da OMS. O mesmo foi feito nas redes sociais. A situação, diz o Le Monde, piorou com a chegada da Administração de Donald Trump.

De acordo com dados publicados pela Agência Internacional para a Investigação do Cancro, em 2010 o glifosato estava registado em cerca de 130 países e é um dos herbicidas mais usados do mundo. O Le Monde estima que a sua utilização tenha aumentado de 3200 toneladas por ano, quando surgiu em 1974, para 825.000 toneladas em 2014. Se o glifosato for proibido na Europa, os analistas estimam que a Monsanto possa perder à volta de 90 milhões de euros em vendas.

Apesar destes resultados da agência da OMS, em Maio, a Comissão Europeia propôs o alargamento por mais dez anos da autorização de uso do glifosato. A contenda transatlântica sobre os possíveis riscos para a saúde humana do glifosato motivou investigações de comités do Congresso dos Estados Unidos, e a Europa tem sido forçada a atrasar a reautorização de um dos produtos que a Monsanto mais vende, o herbicida Roundup.

A decisão da comissão tem como base um outro estudo, publicado em Março pela Agência Europeia de Produtos Químicos (Echa), que preparou o caminho para a decisão da Comissão Europeia recomeçar as negociações com os Estados-membros sobre a reautorização da licença do glifosato, apesar da oposição dos grupos ambientalistas. Aquele organismo da Comissão Europeia, que regula as substâncias químicas e biocidas, disse que o glifosato, o ingrediente principal do Roundup, não era uma substância cancerígena. Também a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar, uma agência independente financiada pela União Europeia, considerou “pouco provável que [o glifosato] tenha perigo carcinogénico para os humanos”.

Enquanto esperava pelos resultados do estudo da Echa, em Junho de 2016 a Comissão Europeia estendeu por 18 meses a autorização do uso do herbicida, depois de uma proposta de renovação total da licença ter tido a oposição de alguns Estados-membros (Portugal absteve-se) e de grupos activistas.

De acordo com dados publicadas pela Agência Internacional para a Investigação do Cancro, em 2010 o glifosato estava registado em cerca de 130 países e é um dos herbicidas mais usados do mundo.

A Monsanto, que teve em 2015 receitas de 15 mil milhões de dólares, actua em vários mercados e é conhecida sobretudo pelas sementes geneticamente modificadas, que têm suscitado críticas por parte de ambientalistas e de alguns grupos de defesa do consumidor. O recurso a estas sementes é muito mais frequente nos EUA do que na Europa, mas a Monsanto vende sementes de milho geneticamente modificado dentro da União Europeia.