O que procuram os jovens com esclerose múltipla nas redes sociais?

Encontro em Madrid juntou neurologistas e doentes que explicaram como lidam com o diagnóstico. Muitos criam blogues ou páginas no Facebook onde encontraram pessoas que passam pela mesma situação.

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João Medeiros ganhou bolsa de 100 mil euros para criar app que fará a georreferenciação das casas de banho públicas mais próximas de cada pessoa Adriano Miranda

João Medeiros levanta o braço e pede para falar. Entusiasmado, conta o que tem em mãos: recebeu recentemente um prémio para desenvolver uma aplicação para telemóvel que fará a georreferenciação das casas de banho públicas mais próximas de cada pessoa, destacando se estão adaptadas para quem tem mobilidade reduzida. Pelas reacções na sala, é fácil perceber que João vai preencher uma lacuna enorme. A apresentação aconteceu neste mês, em Madrid, no encontro EM Redes dedicado ao papel que as redes sociais e as novas tecnologias podem ter na gestão de uma doença como a esclerose múltipla – que tem vários efeitos, como por exemplo na mobilidade ou capacidade de controlo da bexiga.

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João Medeiros levanta o braço e pede para falar. Entusiasmado, conta o que tem em mãos: recebeu recentemente um prémio para desenvolver uma aplicação para telemóvel que fará a georreferenciação das casas de banho públicas mais próximas de cada pessoa, destacando se estão adaptadas para quem tem mobilidade reduzida. Pelas reacções na sala, é fácil perceber que João vai preencher uma lacuna enorme. A apresentação aconteceu neste mês, em Madrid, no encontro EM Redes dedicado ao papel que as redes sociais e as novas tecnologias podem ter na gestão de uma doença como a esclerose múltipla – que tem vários efeitos, como por exemplo na mobilidade ou capacidade de controlo da bexiga.

No encontro de Madrid participaram, além de médicos neurologistas espanhóis, vários doentes daquele país que relataram como lidaram com o diagnóstico desta doença crónica. Muitos criaram blogues ou páginas no Facebook que os ajudaram a encontrar pessoas que passam pelo mesmo e a partilhar os problemas diários – mas também as soluções.

A assistir estava um grupo de doentes portugueses, entre os quais João Medeiros. Tem 45 anos, é agente de seguros e recebeu aos 39 anos a confirmação de que é uma das mais de 5000 pessoas em Portugal que têm esclerose múltipla. “É uma doença inflamatória crónica do sistema nervoso central que, geralmente, se manifesta entre a segunda e a quarta década de vida”, explica o neurologista Carlos Capela, do Hospital dos Capuchos (Centro Hospitalar de Lisboa Central), lembrando que as lesões podem acontecer tanto no cérebro como na espinal medula.

Doença afecta mais as mulheres

Segundo o médico, a doença afecta mais as mulheres, mas as formas mais graves costumam aparecer nos homens. A esclerose múltipla caracteriza-se por surtos que, com tratamento, são normalmente revertidos, total ou parcialmente. Nas formas mais graves a degradação é progressiva. Não existe cura, mas os medicamentos mais recentes têm controlado melhor os surtos.

No caso de João, o sintoma mais evidente, que o levou directamente a um neurologista, foi “uma dormência na parte direita do corpo, do braço à perna”. “Imagine o que é ter o corpo com um risco ao meio”, ilustra o doente, que também teve alterações na sensibilidade, com a água a parecer fria numa perna e quente na outra. Carlos Capela alerta que “a variabilidade dos sintomas leva a um atraso no diagnóstico, quando os doentes vão a centros menos especializados”, já que a esclerose múltipla pode ter efeitos em vários locais do organismo, desde a visão, à locomoção e ao equilíbrio.

Esta diversidade também acaba por dificultar o conhecimento que a população em geral tem sobre a doença, que é muitas vezes confundida com outras patologias, como a esclerose lateral amiotrófica, que é fatal. João Medeiros diz que quase ninguém sabe os impactos que a esclerose múltipla pode ter em coisas tão simples como o controlo da bexiga. João estava em Amesterdão a passar o fim-de-ano com a família. Numa fila para visitar a Casa de Anne Frank não aguentou esperar e foi procurar uma casa de banho. Demorou uma hora a encontrar, quando depois veio a perceber que a dois minutos existiam instalações com condições. Na altura só conseguia urinar sentado.

Bolsa de 100 mil euros

Foi em Amesterdão que teve a ideia de criar uma app que resolvesse o problema. “Tenho um filho pequeno e não queria que a doença continuasse a afectar tanto a nossa dinâmica familiar.” Em Novembro participou no concurso The World VS Multiple Sclerosis, que curiosamente decorreu também em Amesterdão, e onde mais de 30 pessoas apresentaram projectos relacionados com esta doença. O da equipa de João venceu o segundo lugar e têm agora uma bolsa de 100 mil euros e mentores à disposição. O prazo começou a contar agora em Maio e têm 18 meses para criar a plataforma.

Uma experiência com as tecnologias distinta da de Alexandre Dias, outro dos doentes portugueses que esteve em Madrid. Tem 31 anos e recebeu o diagnóstico aos 25, depois de uma chamada “neurite óptica”. “Comecei a ver como se estivesse nevoeiro.” Inicialmente a “estratégia para lidar com a doença passou por ignorá-la”. Mas, com o stress da faculdade que estava a terminar, Alexandre deu por si com 28 anos e a pesar 114 quilos. “Percebi que não queria continuar assim, tão novo, e inscrevi-me no ginásio. Nesta doença a fadiga é a nossa maior inimiga.”

Porém, foi nas redes sociais que encontrou a maior motivação. “Descobri uma dinamarquesa com esclerose múltipla que tinha corrido 366 maratonas em 365 dias e eu não poderia correr nem uma?” Começou a preparar-se, descobriu mais doentes activos. Passou a integrar a equipa EM'Força, da Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla e um ano depois fez a maratona do Porto. Agora prepara-se para um desafio ainda maior e tem uma campanha de crowdfunding a decorrer: em Outubro vai fazer em Barcelona um ironman, uma das provas mais duras de triatlo, com 3,8 quilómetros a nadar, 180 de bicicleta e mais de 42 a correr.

Alexandre Dias é uma espécie de versão portuguesa do espanhol Ramón Arroyo, um dos oradores de Madrid, que também tem a doença, fez já um ironman e a sua história deu origem ao filme 100 Metros, de Marcel Barrena. Mas, tal como Ramón, Alexandre diz que cada pessoa deve encontrar “a sua maratona, nem que seja conseguir fazer tricot”. Alexandre usa as redes para estar em contacto com outros doentes, mas também defende que as decisões clínicas devem ficar reservadas para as conversas com o médico.

Informação tóxica na Internet

José Vale, o director de neurologia do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, admite que é cada vez mais comum os doentes chegarem à consulta com muita informação, “por vezes tóxica”, que leram na Internet. Diz que é necessário mais tempo para debater com os doentes, mas reconhece que “as redes sociais podem trazer benefícios”. “A esclerose múltipla ainda acarreta um grande estigma social e, como afecta pessoas muito novas, acaba por ser nas redes sociais que encontram maneira de se expressar”, afirma, mas alertando que “muitas vezes conta-se o pior e alimenta-se a imagem de que a esclerose múltipla deixará todos os doentes em cadeira de rodas”.

Para José Vale, o facto de as pessoas conseguirem partilhar as suas experiências com quem as compreende tem “claros benefícios psicológicos”. Mas também existem casos em que “a relação com o médico pode ser afectada”. “Há alguns doentes que, se estiverem numa fase pior, podem questionar porque é que alguém está assintomático e eles não, questionam se estão a receber o melhor tratamento”, explica.

Carlos Capela diz que têm contornado alguns destes problemas com “uma equipa multidisciplinar no Hospital dos Capuchos”, contanto com enfermeiras e psicólogos que dedicam mais tempo aos doentes. “Se me trouxerem alguma informação não tenho problema em dizer que vou avaliar e dou resposta depois aos doentes”, lembrando que o facto de os doentes estudarem os medicamentos existentes permite “adoptar uma postura menos paternalista e partilhar mais o risco da decisão”. Isto porque, segundo Capela, no caso nos medicamentos inovadores ainda há muitos efeitos secundários desconhecidos. “Mas ainda há muitas pessoas que querem que o médico decida tudo.”

Para o médico, muito mais útil seria disponibilizar ferramentas aos doentes “para preencherem aplicações que já existem e que fariam uma espécie de classificação do estado de saúde dos doentes, com as principais queixas, para podermos intervir”.

O bastonário da Ordem dos Médicos corrobora que as novas tecnologias são “um contributo positivo”. No entanto, Miguel Guimarães mostra-se preocupado com a relação médico/doente. Para o bastonário, a informação que existe nas redes sociais é importante, mas não pode substituir o tempo de consulta. “Melhorar a qualidade desta relação é também dar mais tempo aos doentes e aos médicos, tempo adequado para a história clínica e o exame físico, tempo para os registos informáticos, tempo para esclarecer dúvidas (que existem muitas vezes), tempo para explicar de forma clara e serena ao doente o que lhe propomos fazer ou não fazer”, insiste.

A jornalista viajou a convite da farmacêutica Sanofi Genzyme.