“O interior deve ser visto como um grande centro da Península Ibérica”
Como Copérnico, temos de olhar para o interior de um ponto de vista diferente. Esta é a proposta do Governo português para a cimeira anual luso-espanhola. Para ser aplicada agora, não a longo prazo.
A expectativa do ministro dos Negócios Estrangeiros é que a 29.ª Cimeira Luso-Espanhola tenha resultados práticos. Até amanhã, Augusto Santos Silva quer ver concluídos programas de trabalho com calendários e cadernos de encargos. “O interior deve deixar de ser visto como um território longínquo”, diz o chefe da diplomacia portuguesa. Mas ou se consegue financiamento europeu para o quadro do pós-2020 “ou será tarde”.
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A expectativa do ministro dos Negócios Estrangeiros é que a 29.ª Cimeira Luso-Espanhola tenha resultados práticos. Até amanhã, Augusto Santos Silva quer ver concluídos programas de trabalho com calendários e cadernos de encargos. “O interior deve deixar de ser visto como um território longínquo”, diz o chefe da diplomacia portuguesa. Mas ou se consegue financiamento europeu para o quadro do pós-2020 “ou será tarde”.
O Governo escolheu a cooperação transfronteiriça como tema central da cimeira porque ainda se fez pouco ou porque já foi feito muito e quer mostrar os resultados?
Queremos dar uma escala nacional ao trabalho que já foi feito na cooperação transfronteiriça. Há redes de cooperação e há trabalho muito interessante feito ao nível das comissões de coordenação [do lado português] e das suas contrapartes [espanholas], as comunidades autónomas. A ideia é a cooperação transfronteiriça deixar de ser entre o Norte de Portugal e a Galiza, ou entre o Alentejo e a Extremadura, e passar a ser uma preocupação dos dois países. É preciso uma mudança coperniciana na maneira como olhamos para o interior. O interior deve deixar de ser visto como um território longínquo que precisa de assistência, e deve ser visto como um grande centro da Península Ibérica com seis milhões de pessoas, um mercado económico que vale por si.
Essa desproporção, seis milhões do lado espanhol e 400 mil do português…
…a Espanha tem o quádruplo da população portuguesa. Tendo ganhos de escala, nós conseguimos melhorar a atractividade do interior. O interior precisa de investimentos e estruturas, mais do que de subsídios, apoios ou assistência…
…mas essa desproporção não torna mais difícil a cooperação? Espanha tem quatro vezes mais apoio europeu para as regiões transfronteiriças e Portugal quer sempre que Espanha faça “investimentos a montante”.
Não. O que nós queremos é criar oportunidades entre os dois Estados que favoreçam a iniciativa das populações. A fronteira política não é uma barreira à circulação e não pode ser uma barreira à cooperação. Esse é o pensamento essencial.
Falou em Copérnico…
… sim, olhar para a mesma coisa de um ponto de vista diferente…
… acha que os espanhóis já estão a olhar para as raias de uma forma diferente?
Vou conseguir falar sobre isso depois da cimeira. Depende dos resultados e dos acordos a que chegarmos.
As ideias que Portugal leva à cimeira, e os memorandos que vão ser assinados, reflectem esse “olhar diferente”?
Sim. A consequência de olhar para a raia como um espaço de cooperação — em vez de uma barreira económica — é que os dois países se comprometem a identificar tudo o que possa ser barreira à cooperação, física ou organizacional, e tentar superá-la. Sejam estradas, ferrovias ou barreiras administrativas.
Ou rios. Helena Freitas, coordenadora do Plano para a Coesão Territorial, defende que o Guadiana deve ser o centro estratégico da política transfronteiriça. Concorda?
Há rios internacionais e, desses, o Tejo penetra de Espanha em Portugal através das portas de Vila Velha de Ródão, mas o Guadiana, o Minho e o Douro fazem fronteira durante muitos quilómetros. Tradicionalmente olhava-se para isto como um muro entre Portugal e Espanha. Uma das propostas essenciais da Unidade de Missão para a Coesão do Interior é olhar para os rios internacionais como um campo natural da cooperação transfronteiriça.
Concorda que os rios devem ser a grande prioridade?
A minha vida era mais simples se houvesse, em cada momento, uma só prioridade. Mas para não deixar zangada a minha amiga e colega Helena Freitas, sim, é uma das grandes prioridades.
Vai ser assinado um Memorando de Entendimento sobre o Guadiana na cimeira ou isso é mais para a frente?
Só falo de coisas feitas. Há memorandos e acordos que estão a ser finalizados, vários vão ser assinados na segunda e terça-feira, logo veremos quais.
Que resultados espera do trabalho bilateral a ser feito na cimeira?
A minha expectativa é que a cimeira tenha resultados práticos. Do ponto de vista de coisas concluídas e de programas de trabalho com calendarização e cadernos de encargos.
Almaraz fica de fora?
A energia e o ambiente fazem parte da cimeira mas, como o primeiro-ministro disse, não há uma discussão específica sobre Almaraz porque ela tem decorrido ao longo destes meses. Não esperámos pela cimeira para tratar de Almaraz.
Há dias, num almoço da Câmara do Comércio Luso-Espanhola, usou a imagem do diamante em bruto para falar da região transfronteiriça…
…eu disse “quase-diamante por lapidar”.
Muito bem: fala em “quase-diamante por lapidar”, mas alguns empresários espanhóis que assistiram à sua intervenção não acreditam no aumento de cooperação. Um empresário de Zamora coloca o seu leite no mercado ao dobro do preço do leite português, uma empresária de vinho exporta para a China, mas não para Portugal…
Quem vive na raia portuguesa vai abastecer de gasolina a Espanha. Nestas coisas, há vantagens comparativas de um lado e de outro.
Um dos argumentos repetidos foi este: “De Zamora, chego mais depressa ao Porto do que a Miranda do Douro”.
De Zamora chegam mais depressa ao Porto do que a Miranda do Douro…?! Contra essas percepções não posso fazer nada [o Google Maps mostra que para o Porto são 365km e 4h22 de viagem e, para Miranda do Douro, são 67km e 1h18]. Mas isso mostra que, não sei se é um diamante ou uma pedra menos espampanante, mas lá que está por lapidar, está. E quando as oportunidades não estão assumidas pelo mercado, na boa teoria europeia, o incentivo público é necessário.
Como distingue o que tem de ser feito agora e a longo prazo?
É simples: isto não é a longo prazo. Para dar uma nova escala à cooperação transfronteiriça, ou colocamos isto no novo quadro comunitário pós-2020 ou não vamos lá.
2020 é amanhã.
Por isso mesmo.
Vamos acelerar as candidaturas conjuntas para o próximo quadro europeu?
Espere por terça-feira. Isto não pode ficar para as calendas gregas. Não queremos iniciar a cooperação transfronteiriça, porque ela faz-se. Todos os que vão comprar pão de Espanha a Portugal ou que, já do tempo em que eu era miúdo, iam comprar rebuçados de Viana do Castelo a Vigo, fazem cooperação transfronteiriça. Como os que casem, namoram, pescam ou caçam juntos. Se queremos usar os fundos europeus de coesão, ou o conseguimos no próximo quadro ou já será tarde.
Por que será tarde?
A política de coesão na União Europeia é uma política degressiva. São fundos que a UE disponibiliza para que as regiões abaixo da média europeia possam desenvolver-se. À medida que se desenvolvem deixam de ser regiões de convergência.