Graciosa intimidade
Juana Molina regressa com um trabalho tão discreto quanto grandioso.
Continua a ser um prazer reencontrar a música de Juana Molina. Ao sétimo disco, e para quem ainda tivesse dúvidas, a ex-actriz e antiga vedeta da televisão argentina aproxima-se dos lugares reservados a outros nomes femininos.
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Continua a ser um prazer reencontrar a música de Juana Molina. Ao sétimo disco, e para quem ainda tivesse dúvidas, a ex-actriz e antiga vedeta da televisão argentina aproxima-se dos lugares reservados a outros nomes femininos.
Sem alarido, num movimento discreto que, erigido disco a disco, sob os aplausos da crítica mais atenta, vai consolidando um universo musical, lírico e imagético.
Hallo é um álbum em que se pacifica a agitação de Wed 21 (2013), mas permanecem os traços gerais do que tem sido o fazer de Molina. O artesanato miniatural da canção, o trabalho delicado à volta da electrónica, a utilização proporcionada dos loops, o gosto pelos acordes melodiosos das guitarras. É como se confluíssem para uma harmonia que, de tão improvável, se torna surpreendente.
Então, o que há de diferente neste disco? Talvez uma firmeza que segura e protege as canções, permitindo a Juana Molina brincar com os sons das palavras, inventar histórias, deixar que os ritmos a guiem, sempre a uma escala profundamente humana.
Há canções que insinuam passos de dança (em Cocoso ou em In the lassa, com os ritmos do calypso), momentos dominados por uma lassidão graciosa (Cálculos y Oráculos), pura experimentação com a voz, sem maquinismos (A00 B01).
A electrónica envolve todas as canções, mantendo-se ao serviço das possibilidades do ritmo e das melodias. Não se escuta redundância ou exibicionismo, mas uma adequação irrepreensível dos sons (do silêncio) às formas das canções.
As cordas das guitarras escutam-se cristalinas, quase tangíveis em Halo, inaugurando Estalacticas, com Molina a ameaçar soltar o feedback, ou abrindo a porta ao ritmo da bateria de Los pies helados. Nenhum elemento se sobrepõe aos restantes, todos convivem nos espaços criados pela composição. É como se fizessem parte do mesmo corpo.
É esta harmonia lenta, sussurrada que se desprende de Halo, sempre encimada pela voz etérea e aquática de Juana Molina. Não há aqui violência, agressividade, auto-convencimento ou afirmação de certezas e dogmas. Antes, uma grandeza tímida que faz flutuar as canções, abrindo-se à chegada do ouvinte e convidando-o a explorar os fantasmas, as imagens, as atmosferas que povoam uma intimidade. Convite nunca verbalizado, mas que Juana Molina singelamente deixa perceber.