E se se pudesse percorrer 15 quilómetros de via-férrea... a dar ao pedal?
Em vez de transformar uma linha encerrada numa ecopista, a Infra-estruturas de Portugal admite pela primeira vez a sua utilização para actividades de lazer com triciclos ferroviários
A antiga Refer (hoje Infra-estruturas de Portugal) tornou público que pretende concessionar 15 quilómetros do desactivado Ramal de Cáceres, entre Castelo de Vide e a estação fronteiriça de Beirã (concelho de Marvão), “para o desenvolvimento da actividade de animação turística recorrendo à utilização de veículos tipo Railbike, com capacidade para duas ou quatro pessoas, adaptados ao carril ferroviário e exclusivamente movidos a pedal”.
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A antiga Refer (hoje Infra-estruturas de Portugal) tornou público que pretende concessionar 15 quilómetros do desactivado Ramal de Cáceres, entre Castelo de Vide e a estação fronteiriça de Beirã (concelho de Marvão), “para o desenvolvimento da actividade de animação turística recorrendo à utilização de veículos tipo Railbike, com capacidade para duas ou quatro pessoas, adaptados ao carril ferroviário e exclusivamente movidos a pedal”.
A empresa informa que este troço atravessa o Parque Natural da Serra de São Mamede, uma área protegida com grande interesse paisagístico, e que a plataforma e superstrutura da via-férrea se encontra em bom estado de conservação. Mais: as duas extremidades deste troço têm duas unidades de alojamento que funcionam precisamente nas respectivas estações desactivadas: Castelo de Vide e Beirã.
O concessionário que ficar com esta linha terá de pagar 4000 euros por ano à Infra-estruturas de Portugal, acrescido de uma despesa talvez maior, que será a de manter em bom estado o canal ferroviário, procedendo à sua desmatação.
Esta é a primeira vez que a empresa admite uma funcionalidade deste tipo para uma linha férrea encerrada, visto que até agora a prática tem sido levantar os carris e transformar o percurso numa ecopista.
Para António Brancanes, presidente da APAC (Associação Portuguesa dos Amigos dos Caminhos-de- Ferro), “este tipo de aproveitamento turístico de linhas desactivadas é extremamente positivo na medida em que mantém — através da presença dos carris — a memória ferroviária dos trajectos”. Os entusiastas dos comboios saúdam, pois, a iniciativa, mesmo que nesses carris só circulem veículos a pedal. O mesmo dirigente acredita que este projecto “se revestirá de sucesso” e lança o desafio às entidades competentes e ao sector turístico “para que este exemplo possa ser seguido noutras vias desactivadas e também com potencial de aproveitamento turístico”.
Pedalar nos carris não será totalmente inédito em Portugal. De forma mais ou menos clandestina, há grupos de espanhóis e portugueses que de vez em quando fazem umas incursões no troço desactivado da Linha do Douro na zona de Barca de Alva. O mesmo acontece numa linha de via métrica da Catalunha, exclusiva para tráfego de mercadorias que, por não ter comboios aos domingos, serve para experiências de ciclorail por parte dos entusiastas.
A ausência de legislação e o pioneirismo desta actividade faz com que países como Espanha e o Reino Unido não tenham ainda linhas exclusivas para esta prática. Mas já a França é a campeã do vélo-rail, como ali é designado. Há cerca de 90 no hexágono gaulês, organizados até numa Federação de Vélos-Rail.
A publicidade a esta actividade de lazer apela ao descobrimento das diferentes paisagens francesas e ao prazer de pedalar sobre linhas férreas mais do que centenárias, contribuindo assim para ajudar a preservar o património ferroviário e industrial dos finais do séc. XIX.
Em Portugal os triciclos ferroviários não são, em rigor, uma novidade. Até meados do século XX eram usados pela própria CP para que os responsáveis da segurança inspeccionassem a linha férrea. O inspector pedalava pela linha para se certificar de que tudo estava em ordem e a circulação destes veículos a pedais até dava direito a avisar as guardas de passagem de nível, que deveriam fechar as cancelas à sua passagem.
O Ramal de Cáceres, entre Torre das Vargens (concelho de Ponte de Sor) e Beirã (Marvão), foi inaugurado em 1880 e constituiu a ligação mais curta entre Lisboa e Madrid por caminho-de-ferro. Foi encerrado em 15 de Agosto de 2012, na sequência do PET (Plano Estratégico de Transportes) durante o Governo de Passos Coelho. Mede 72 quilómetros, dos quais 15 poderão voltar agora a ter veículos ferroviários nos carris. Movidos a pedal.