Os terroristas têm uma distorção do juízo moral. Está confirmado
Cientistas submeteram 66 terroristas paramilitares da Colômbia a vários testes e comparam os resultados com um grupo de homicidas e com outro de não criminosos.
Dito assim parece tudo menos surpreendente. Uma equipa de investigadores da área das neurociências e psicologia avaliou um grupo de terroristas paramilitares da Colômbia e concluiu que têm o juízo moral distorcido. Submetidos a vários testes, estes terroristas que estiveram presos e revelaram que consideram, por exemplo, que fazer mal a alguém com um propósito é mais admissível do que ferir alguém acidentalmente. Para eles, concluem os autores o artigo publicado na revista Nature Human Behaviour, “os fins justificam os meios”.
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Dito assim parece tudo menos surpreendente. Uma equipa de investigadores da área das neurociências e psicologia avaliou um grupo de terroristas paramilitares da Colômbia e concluiu que têm o juízo moral distorcido. Submetidos a vários testes, estes terroristas que estiveram presos e revelaram que consideram, por exemplo, que fazer mal a alguém com um propósito é mais admissível do que ferir alguém acidentalmente. Para eles, concluem os autores o artigo publicado na revista Nature Human Behaviour, “os fins justificam os meios”.
A conclusão de que os terroristas têm um julgamento moral distorcido parece algo óbvia para o comum dos mortais, sobretudo nos dias que correm. Porém, essa é apenas a diferença mais evidente e significativa da investigação que comparou um grupo de terroristas com pessoas que nunca praticaram um acto criminoso e mesmo com homicidas condenados, e que envolveu outras variáveis. O estudo que se baseou em vários testes realizados a 66 terroristas paramilitares da Colômbia que cumpriram pena de prisão (em média cada um deles causou 33 vítimas mortais), avaliou também as capacidades intelectuais e motoras, o comportamento agressivo e o reconhecimento emocional, entre outros traços.
Segundo este estudo, o que separa estes terroristas e um grupo de 13 assassinos condenados e um outro grupo de 66 pessoas (das mesmas idades, formação académica e género) que nunca cometeram um acto criminoso é claramente o a diferença no que chama de “cognição moral”. Perante cenários que exigiam que julgassem uma determinada acção praticada, com uma intenção ou de forma acidental, e das suas consequências, os terroristas mostraram que estão focados sobretudo nos resultados. “Para eles, os fins justificam os meios”, referem os autores do estudo.
Entre muitas outras comparações feitas no estudo, os autores notam que o grupo de não criminosos considerou que fazer mal a alguém de forma acidental era mais admissível do que um dano intencional, com um propósito. A diferença de “pontuação” dada a estas situações foi a mesma no grupo dos terroristas mas de forma inversa, mostrando que consideravam “um dano intencional como mais permissível do que um acidental”, refere o artigo. Os resultados sugerem que a distorção da cognição moral será mesmo um traço distintivo, um marcador, da mentalidade de um terrorista.
Os testes revelaram outras diferenças. Por exemplo, nas escalas que servem para avaliar a agressividade, os terroristas conseguiram valores mais elevados em todos os parâmetros e sobretudo na agressividade proactiva. No que se refere aos testes sobre o reconhecimento emocional, os resultados também mostram diferenças: com os terroristas a obter valores mais baixos em todas as emoções a que foram expostos, desde o medo, a raiva, a tristeza, surpresa e a repugnância. Porém, sublinha-se, os investigadores concluíram que é a diferença na cognição moral que mais claramente distingue o grupo de terroristas dos outros grupos.
No que se refere a outras variáveis avaliadas, como a inteligência verbal e fluida (que serve para resolver problemas imediatos), memória verbal e espacial, controlo da inibição verbal ou conflito de instruções, entre outras, a “classificação” obtida pelo grupo dos terroristas e do grupo de controlo foi muito semelhante.
Os investigadores asseguram que os terroristas paramilitares avaliados neste estudo não sofrem de qualquer perturbação psiquiátrica ou neurológica nem são consumidores de drogas ou álcool, factores que teriam uma influência nos resultados. Por outro lado, o tempo de cumprimento de pena também foi tido em conta para perceber se este poderia ter afectado o juízo moral destas pessoas. “Não encontrámos nenhuma associação significativa entre o padrão moral específico revelado pelos terroristas e o tempo que passaram na prisão”, referem os autores.
A equipa estudou elementos de grupos de terrorismo paramilitar da Colômbia que representam organizações de direita inicialmente formadas para responder aos movimentos das guerrilhas. “As suas práticas violentas aumentaram de forma tão abrupta que a Colômbia tem hoje dos mais altos níveis de terrorismo em todo o mundo”, refere o artigo, que adianta ainda que a Amnistia Internacional estima que, nas últimas duas décadas, pelo menos 70 mil pessoas foram mortas por terroristas neste país. Milhares de pessoas desapareceram, foram raptadas e torturadas. Porquê? Em nome de quê? “Paradoxalmente, os terroristas justificam as suas acções por imperativos morais. De facto, eles invocam a necessidade de uma ‘limpeza social’, matando milhares de toxicodependentes, criminosos, prostitutas, homossexuais e sem-abrigo em nome de uma campanha de ‘purificação moral’.”
E os terroristas que matam a Europa?
O que separa estes terroristas dos autores dos atentados que temos tido na Europa? “Não nos parece que o terrorismo paramilitar e outras formas de terrorismo sejam diferentes no que diz respeito ao recurso a práticas desumanizantes, ao abuso de inocentes e à consequente condenação moral que merecem. No entanto, pode haver diferenças nas origens e traços psicológicos de diferentes formas de terrorismo”, referem ao PÚBLICO, por email, Agustín Ibáñez e Adolfo Garcia, dois dos principais autores do estudo.
Mas, notam, há diferenças. Na população que estudaram a religião não é relevante, por exemplo. E mesmo a questão ideológica apenas terá um impacto parcial. “Grande parte dos ex-combatentes na Colômbia aderiu a grupos paramilitares por razões económicas, uma vez que lhes era pago um salário. Apenas aproximadamente 13% dos ex-combatentes tinha uma motivação ideológica para se juntarem ao grupo paramilitar”, explicam os investigadores. Assim, os actos terroristas dificilmente terão sido praticados apenas por convicções ideológicas. “Consistentemente, as teorias das ciências sociais sugerem que ideologia e acção estão ligadas às vezes, mas nem sempre. Muitos terroristas não são ideólogos ou crentes profundos de uma doutrina extremista”, explicam os autores do artigo.
Mas, para além desses factores, Agustín Ibáñez e Adolfo Garcia defendem que, se olharmos com mais detalhe para todo o contexto, o conflito colombiano parece ser único. “A luta tripartida entre militares, paramilitares e guerrilheiros, a mistura de posições políticas liberais e conservadoras envolvidas no conflito, e a mistura da população civil, bem como narcotraficantes nesses conflitos fizeram do cenário colombiano um fenómeno único e muito complexo”, argumentam.
Porém, apesar da especificidade colombiana e quando questionados pelo PÚBLICO sobre o mais recente ataque na Europa, ocorrido na última segunda-feira em Manchester (Reino Unido), os investigadores não hesitam em considerar que esta acção confirma as conclusões do estudo que fizeram: para os terroristas, os fins justificam os meios.
Mas, adiantam, “se este padrão anormal de cognição moral pode ser observado entre outros grupos terroristas (ISIS e Al-Queda) é uma questão empírica e ainda sem resposta”.
Quando somos confrontados com vítimas inocentes tão jovens (crianças e adolescentes foram mortas e feridas em Manchester), será caso para nos questionarmos se os terroristas (estes ou outros) têm limites. “Claro que pessoalmente percebemos que não têm limites para alcançar os seus objectivos. Porém, como cientistas não nos sentimos autorizados a dar opiniões sobre os traços psicológicos destes terroristas, simplesmente porque não temos acesso a dados sobre os seus perfis cognitivos, afectivos e sociais. No entanto, as suas acções parecem claramente organizadas e delimitadas, sugerindo que são capazes de ir demasiado longe para cumprir os seus objectivos”, respondem.
A equipa internacional que elaborou o estudo reúne neurocientistas, psicólogos e outros especialistas de várias instituições na Argentina (Fundação Ineco, Universidade Favaloro e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), na Colômbia (Universidade Autónoma do Caribe, Universidade dos Andes e Universidade ICESI), no Chile (Universidade Adolfo Ibáñez) e nos EUA (Boston College).
O próximo passo da investigação ainda não é na direcção dos terroristas islâmicos ou outros, mas vai manter-se em terreno colombiano. “Estamos agora a estudar as vítimas do conflito armado. Além disso, estamos a começar a avaliar crianças sob condições violentas na guerrilha. Por outro lado, também estamos a estudar os perfis sociais e cognitivos dos paramilitares, comparando-os com pessoas da guerrilha. Por fim, também lançámos (em colaboração com agências nacionais da Colômbia) alguns programas de intervenção em populações desmobilizadas e ex-combatentes, com base nos quais estamos a realizar estudos longitudinais.” Assim, na Colômbia, há várias frentes de ataque científico que pretendem explorar e desmascarar o inimigo terrorista. É uma forma de luta.