"Morre-se muito à espera” de vaga nos cuidados continuados
Só pouco mais de metade dos doentes internados referenciados para cuidados continuados conseguiu vaga em tempo útil. Os outros 44% morreram no hospital. "É brutal", considera médico.
No serviço de Medicina que João Correia dirige, no Centro Hospitalar do Porto, desde há uma década que se tornou habitual fazer uma reunião semanal para dissecar a mortalidade na unidade. O médico olhou para os números de 2016 da unidade mais numerosa do serviço — que tem 49 camas. Do total de doentes ali internados no ano passado, 5,4% (104) foram referenciados para a rede de cuidados continuados, que em 2016 incluía também os paliativos.
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No serviço de Medicina que João Correia dirige, no Centro Hospitalar do Porto, desde há uma década que se tornou habitual fazer uma reunião semanal para dissecar a mortalidade na unidade. O médico olhou para os números de 2016 da unidade mais numerosa do serviço — que tem 49 camas. Do total de doentes ali internados no ano passado, 5,4% (104) foram referenciados para a rede de cuidados continuados, que em 2016 incluía também os paliativos.
Mas só pouco mais de metade (56%) acabou por conseguir vaga, depois de um mês e meio a aguardar, em média. Os outros 44% morreram. À espera. “É brutal. Morre-se muito à espera de vaga”, lamenta, reconhecendo que a “qualidade da morte” nos hospitais ainda “está muito longe de satisfazer”. Dos que chegam à rede, cerca de 30% acabam por ser reinternados, segundo os dados de um estudo que esta quinta-feira vai ser apresentado no congresso de medicina interna, no Porto.
Na reunião semanal do serviço de João Correia, tenta-se perceber se houve ou não uma adaptação da terapêutica a estas circunstâncias, se a família foi envolvida e se foram tidos em conta os desejos do paciente. Em síntese, se a pessoa teve aquilo que os anglo-saxónicos definem como “peaceful death”.
“Muitas vezes o doente está agitado porque tem assuntos para resolver”, explica o médico, que lembra que é preciso tempo para falar com ele e para envolver os seus familiares, explicar-lhes, por exemplo, que tratamentos vale a pena fazer. “A melhor maneira é dizer: ‘se este senhor fosse meu pai, nem antibiótico usava, punha só oxigénio’.”
É importante também deixar que os familiares acompanhem o doente — o que é, por regra, possível, mas só até à meia-noite. E depois? O director de serviço tem possibilidade de autorizar, mas isso não pode ser generalizado, admite.