O mundo está numa corrida às armas, mas quem é o inimigo?
A tensão mundial nunca foi tão elevada e tão global. E os sinais de que há quem esteja a preparar-se para que tudo corra mal avolumam-se.
No final de Janeiro, o último Presidente soviético, Mikhail Gorbatchov, disse que “parece que o mundo se está a preparar para a guerra”. “O mundo está, hoje, cheio de problemas. Os políticos parecem confusos e perdidos. Mas nenhum problema é mais urgente do que a militarização da política e a nova corrida às armas. Travar e reverter esta corrida ruinosa tem de ser a nossa primeira prioridade”, disse um dos líderes que pôs fim à Guerra Fria. “A actual situação é muito perigosa.”
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No final de Janeiro, o último Presidente soviético, Mikhail Gorbatchov, disse que “parece que o mundo se está a preparar para a guerra”. “O mundo está, hoje, cheio de problemas. Os políticos parecem confusos e perdidos. Mas nenhum problema é mais urgente do que a militarização da política e a nova corrida às armas. Travar e reverter esta corrida ruinosa tem de ser a nossa primeira prioridade”, disse um dos líderes que pôs fim à Guerra Fria. “A actual situação é muito perigosa.”
Em menos de cinco meses, os problemas de que Gorbatchov falava deixaram o copo ainda mais à beira de transbordar.
A Coreia do Norte — que num ano realizou dois testes nucleares e vários ensaios com mísseis balísticos, incluindo de um novo tipo que se suspeita poder ser intercontinental — e os Estados Unidos — que deslocaram meios de guerra com capacidade nuclear para a península coreana — envolveram-se num braço-de-ferro de desfecho perigoso, com o risco potencial de arrastar a China.
No Médio Oriente, Rússia e Estados Unidos combatem o terrorismo em separado — com relatos de aviões dos dois lados a voarem perigosamente próximos. Na Turquia, país à porta da Europa e do Médio Oriente, com a guerra da Síria ali ao lado, o Presidente, Recep Erdogan, lança as bases de um poder totalitário, que não tolera a independência ou sequer a autonomia dos curdos, um povo dividido por várias nações, e cuja luta pode, só por si, desencadear várias guerras.
Junte-se a este quadro a ciberguerra, a imigração e a falta de respostas para o fenómeno global das migrações e refugiados — alimentado por guerras e conflitos, mas também pelas alterações climáticas, potenciadoras de carência e de desigualdades — e do terrorismo.
“A actual situação é muito perigosa”, avisou Gorbatchov.
A tensão mundial nunca foi tão elevada e tão global. E os sinais de que há quem esteja a preparar-se para que tudo corra mal avolumam-se.
A China está a aumentar o seu orçamento de Defesa, embora o deste ano (7% ou 132 mil milhões de euros) tenha sido o mais baixo dos últimos anos — em 2000 o aumento foi de 18%. Os analistas explicam que a contracção do crescimento económico obrigou Pequim a moderar as suas ambições.
Apesar de ser um país em crise económica, a Rússia fez o mesmo – já em 2016 foi o terceiro país que mais investiu militarmente, atrás dos EUA e da China, canalizando mais 5,9% em relação ao orçamento do ano anterior para a modernização e aumento de capacidade das Forças Armadas, segundo o instituto sueco de estudos de conflito Sipri.
Numa visita ao Pentágono depois de tomar posse como Presidente, Donald Trump assinou um decreto dando ordem de partida para uma vasta expansão da capacidade militar dos Estados Unidos. E o orçamento que enviou na terça-feira para o Congresso prevê um aumento substancial dos gastos com a Defesa e a segurança nacional (10% mais; para compensar, reduz em 3,2 mil milhões de euros os programas sociais e de saúde). Um orçamento “militar” que prevê mais 56 mil soldados, a aquisição de 84 aviões de combate de nova geração, de oito navios de guerra, também de nova geração.
“Estou a assinar um decreto para começar a reconstruir as Forças Armadas dos EUA”, disse Trump no Pentágono e houve analistas que escreveram que as três páginas em que o Presidente pôs a sua assinatura eram um “roteiro para a guerra”.
A indústria de armamento, um poderoso lobby nos EUA, confirma a tendência. Quando Trump anunciou a contrato com a Arábia Saudita para a venda de 110 mil milhões de dólares de armamento, o preço das acções das empresas americanas disparou. A Casa Branca explicou que a venda se destinava a “fazer frente à ameaça iraniana” — a guerra, para já de palavras, entre os EUA de Trump e o Irão é outro foco de tensão.
As publicações especializadas em defesa dizem que a escalada na indústria do armamento começou em 2011, quando eclodiram os movimentos pró-democracia conhecidos por "Primavera Árabe", mas o investimento aumentou após a chegada de Trump à Casa Branca.
As acções da Lockheed Martin, o maior fabricante de armamento do mundo, segundo o Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo, acumulam este ano uma subida de 11,5% e dispararam mais 3% após o negócio de Trump com a Arábia Saudita, disse a CNBC, que acrescentava que as empresas de alta tecnologia (Saab, Leonardo e Bae Systems) acumularam subidas entre os 15,5% e os 26,7%. A General Dynamics, que desenvolve e fabrica veículos de combate, navios e sistemas de armas, cresceu desde Janeiro 13,4% e a Raytheon, empresa de tecnologia de segurança interna, 11%, segundo o jornal El Mundo.
Um estudo citado pelo El Mundo da empresa de consultoria financeira Edward Jones, que em Março começou a trabalhar com a Lockheed Martin, diz que “o gasto com a defesa vai crescer nos próximos anos e os problemas globais vão apoiar as compras internacionais dos aliados dos Estados Unidos”.