“Fui empurrado para a guitarra por um acto de rebeldia infantil”
Pedro Caldeira Cabral celebra 50 anos de carreira como guitarrista com um concerto onde a história da Guitarra portuguesa será o mote. É esta quinta-feira, no São Luiz, em Lisboa.
Em casa da avó havia uma guitarra escondida no armário. Ninguém lhe podia mexer. E por isso chegar àquela guitarra tornou-se o maior desejo do neto. Hoje, ele é um dos mais conhecidos (e internacionais) guitarristas portugueses. Chama-se Pedro Caldeira Cabral, nasceu em Lisboa, em 4 de Dezembro de 1950, começou a tocar guitarra aos 8 anos e profissionalizou-se com apenas 16, em 1967. Agora, celebra 50 anos de carreira com um concerto no Teatro de São Luiz, em Lisboa, ele e a guitarra unidos numa só história.
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Em casa da avó havia uma guitarra escondida no armário. Ninguém lhe podia mexer. E por isso chegar àquela guitarra tornou-se o maior desejo do neto. Hoje, ele é um dos mais conhecidos (e internacionais) guitarristas portugueses. Chama-se Pedro Caldeira Cabral, nasceu em Lisboa, em 4 de Dezembro de 1950, começou a tocar guitarra aos 8 anos e profissionalizou-se com apenas 16, em 1967. Agora, celebra 50 anos de carreira com um concerto no Teatro de São Luiz, em Lisboa, ele e a guitarra unidos numa só história.
O armário da avó, recorda ao PÚBLICO Pedro Caldeira Cabral, “era um compartimento a que chamavam A Vida, por um daqueles mistérios que na nossa família ninguém sabe explicar. E estava sempre fechado à chave, com coisas consideradas especiais e, junto a elas, a guitarra escondida lá dentro.” Pedro, em cuja casa havia habitualmente serões musicais onde se tocava e cantava, deslumbrava-se a ouvir tocar guitarra um médico casado com uma prima do seu pai, que tinha estudado em Coimbra. E um dia disse à mãe que “gostava de tocar aquele instrumento que tocava o doutor César.” A mãe achou a ideia horrível (ela tocava piano e a guitarra não tinha boa fama) e não lhe deu saída. “Pode dizer-se que fui empurrado para a guitarra por um acto de rebeldia infantil. Um dia passei por um antiquário, vi uma guitarrinha pendurada e chateei a minha madrinha para me dar de presente os 50 escudos que ela custava.” E conseguiu comprá-la. Mas a guitarra não tinha cordas nem cavalete. Por isso, desta vez, virou-se para o pai (que era cantor) e este ajudou-o. Quando fez 10 anos, uma surpresa: o pai ofereceu-lhe de presente a guitarra que estava escondida no armário. “Soube depois que foi oferta de uma grande cantora, Adelina Fernandes, que tinha sido operada às cordas vocais pelo meu avô.”
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Emancipar a guitarra
Pedro Caldeira Cabral não se ficou pela guitarra, aprendeu outros instrumentos (de sopro, inclusive) mas foi na guitarra portuguesa que se fixou, nela e na sua história. Em contacto com grandes guitarristas (Raul Nery, José Nunes, Fontes Rocha), começou a acompanhar fadistas (António Melo Correia, João Braga, José Pracana, Maria Teresa de Noronha, Vicente da Câmara) e, mais tarde, nomes de relevo da nova música popular (Adriano Correia de Oliveira, Fausto, Luís Cília, Sérgio Godinho, Vitorino). Em 1982 gravou um disco decisivo para a sua carreira, Encontros. “Eu tinha um trio com o Luís Cília e o Zé Eduardo [contrabaixista que viria a afirmar-se no jazz]. E o Sena Santos, na altura na Antena 1, pôs aquilo como indicativo do jornal da manhã. As pessoas ouviam aquilo todos os dias às oito da manhã e interrogavam-se: que guitarra é esta, que música é esta?”
E a busca prosseguiu, recorda o músico, agora com objectivos mais precisos: “Tinha-se passado o período mais revolucionário, em que nós tínhamos feito uma série de esforços para, por um lado, promover a guitarra como instrumento solista e, por outro, ligado aos projectos de música antiga, começar a introduzir a guitarra num contexto completamente diferente daquele que tinha até então vigorado: o académico, no caso de Coimbra, e o do fado, no caso de Lisboa. Aí criou-se logo a ideia de emancipar o instrumento e resgatar a sua dimensão histórica, que tinha sido completamente esquecida.”
Facetas desconhecidas
“Eu próprio não tinha a noção de importância de determinadas figuras dos séculos XVIII e XIX, que tiveram inclusive projecção internacional”, diz. “Ora o que nós vamos fazer neste concerto é pegar nalgumas dessas figuras. Houve uma situação quase de fado, de destino, que me fez encontrar manuscritos musicais que revelaram facetas desconhecidas de alguns destes músicos célebres, que não tiveram oportunidade de gravar.” No São Luiz ele vai tocar uma delas, a Fofa da Rozinha (a fofa é uma dança). O concerto, intitulado Guitarra de Ontem e de Hoje, será dividido em três partes. “Na primeira parte (Música Antiga) apresento um conjunto de peças que pertencem ao ciclo original da cítara do século XVI, onde está a raiz da guitarra portuguesa. Depois, há um bloco com a música nova, ou seja, aquelas peças que introduzem uma ruptura e que começam com as minhas e terminam com as do Ricardo Rocha. Numa terceira parte é que vou apresentar os tais manuscritos com peças menos conhecidas, ou até inéditas, como o Fado do Marinheiro (o fado mais antigo que se conhece, datado de 1836, e que encontrei num antiquário, num livrinho manuscrito com peças transcritas para guitarra) ou o Fado do Conde de Anadia, que era muito popular e foi escrito e publicado pela primeira vez em 1860, sendo reeditado até 1930, com versões até para piano. E há o Fado Valsa, de um homem que tinha a alcunha do 'Petrolino', o Luís Carlos da Silva (ca.1859-1933), que foi um grande concertista, chegou a tocar para o czar da Rússia e terá sido professor do rei D. Carlos.”
Com Pedro Caldeira Cabral (guitarra portuguesa), estarão esta quinta-feira no São Luiz (21h) os músicos Bernardo Saldanha, Duncan Fox e Joaquim Silva, participando como convidados especiais os também guitarristas Ricardo Rocha e Luís Marques. No dia seguinte, 26, haverá no Jardim de Inverno uma masterclass e uma mesa-redonda.