Uma a uma
Vinte e duas pessoas não são um número. Cada pessoa é uma vida inteira, com um passado, um presente interrompido, um futuro roubado.
Um dos males da maldade — como morrer para matar o maior número possível de pessoas — é habituar-nos ao mal. A maldade, sendo cada vez maior, tenta tornar mais pequenas acções assassinas que não conseguiram matar tanta gente.
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Um dos males da maldade — como morrer para matar o maior número possível de pessoas — é habituar-nos ao mal. A maldade, sendo cada vez maior, tenta tornar mais pequenas acções assassinas que não conseguiram matar tanta gente.
Como espectadores temos de nos manter chocados. Matar vinte e duas pessoas não é pior que matar cinco. Há uma razão para a pena máxima ser máxima. A pena para quem mata uma pessoa premeditadamente é a mesma para quem mata duas, três, quatro pessoas.
Vinte e duas pessoas não são um número. Cada pessoa é uma vida inteira, com um passado, um presente interrompido, um futuro roubado. Cada pessoa tem uma família, um grupo de amigos, pessoas que gostavam de vê-la, pessoas que, apesar de a conhecerem mal, fariam muito para poder voltar a vê-la.
Cada uma das pessoas feridas é uma pessoa que estava feliz depois de um concerto e de repente está num hospital a sofrer. Cada uma delas tem medos e preocupações novas que doutra forma não teria. Nem se pense que tiveram sorte as pessoas que não foram feridas. Isso não é pensar, isso não é saber o que é a boa sorte e a má. Nem sequer nós que estávamos longe tivemos sorte.
Na confusão muitos fugirão para a frente, especificando razões, culpas e desculpas. Mas o que aconteceu é muito antigo, muito simples e muito mau.
E aconteceu a muitas pessoas mas aconteceu uma a uma e continuará a acontecer porque a morte também estraga a vida dos que continuam vivos.
A única coisa que nós, os espectadores, podemos fazer é chorar cada morte uma a uma. Porque cada um de nós não é menos ou mais do que uma só pessoa.
Pensamos que sabemos. Imaginamos como faríamos se alguém matasse as pessoas que amamos. Mas não sabemos nem conseguimos imaginar. Desconfiamos que seja um horror inimaginável. Por cada pessoa morta, uma a uma, vez após vez, sem acabar.
Cada pessoa é uma pessoa inteira atrás do nome e da fotografia, do tamanho do nosso coração vivo dentro do peito de cada um de nós.
Uma pessoa é muito. Só sabemos isso. Já nos chega para chorar.