Educação é a área em que Portugal mais usa os fundos europeus
Desde 2007, a esmagadora maioria dos estados-membros privilegiou estradas e infraestruturas para usar fundos comunitários. Portugal não, por muito contra-intuitivo que possa parecer. Aposta na educação e formação profissional foi “uma ruptura”, e sobreviveu a três governos.
O projecto português que mais fundos comunitários recebeu, desde 2007, foi o da requalificação de escolas públicas, Parque Escolar, lançado em 2007. Seguem-se a direcção-geral do Ensino Superior, a Fundação para a Ciência e Tecnologia (bolsas de investigação) e o Instituto do Emprego e Formação Profissional, com duas dotações elevadas, graças às iniciativas Novas Oportunidades (de formação de adultos) e Inov Jovem (estágios profissionais).
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O projecto português que mais fundos comunitários recebeu, desde 2007, foi o da requalificação de escolas públicas, Parque Escolar, lançado em 2007. Seguem-se a direcção-geral do Ensino Superior, a Fundação para a Ciência e Tecnologia (bolsas de investigação) e o Instituto do Emprego e Formação Profissional, com duas dotações elevadas, graças às iniciativas Novas Oportunidades (de formação de adultos) e Inov Jovem (estágios profissionais).
Entre 2007 e o fim do actual quadro comunitário, em 2020, Portugal receberá pouco menos de 30 mil milhões de euros – de três fundos europeus (ver caixa). Os cinco principais projectos, aqueles que mais financiamento obtêm, são todos da área da educação ou formação profissional. É o que revelam os dados recolhidos pelo site Subsidy Stories, desenvolvido desde 2016, e publicado no passado dia 17 de Maio, por um conjunto de investigadores europeus. Só depois surgem as empresas de infra-estruturas de transportes Estradas de Portugal ou REFER (ferrovia).
Tanto a Parque Escolar como os programas Novas Oportunidades e Inov Jovem foram polémicos quando criados e mereceram uma troca de acusações entre o PS e o PSD. Quando chegou ao governo, a maioria liderada por Passos Coelho terminou a experiência das Novas Oportunidades, lançada por Sócrates. E o actual governo, liderado por António Costa, reduziu o financiamento para estágios em empresas, lançado pelo executivo que o antecedeu.
Esse é outro aspecto curioso a retirar desta fase inicial da base de dados sobre a forma como cada país gastou os fundos europeus: os dois principais partidos discordaram muito, no concreto, mas seguiram uma estratégia semelhante. Miguel Poiares Maduro, que teve a pasta dos fundos nos últimos anos do anterior governo PSD-CDS, explica que havia uma estratégia distinta entre PS e PSD na “formulação das políticas públicas”, mas isso não impediu que houvesse um “consenso nas prioridades”.
Tudo começou nas negociações do anterior quadro comunitário de apoio, iniciado em 2007. “O que nós fizemos foi uma ruptura”, lembra Fernando Medina. O actual presidente da câmara de Lisboa foi, nos governos do PS liderados por José Sócrates, um dos responsáveis pela gestão das verbas comunitárias. Tudo partiu, recorda, de “uma análise da situação do país”: “O grande défice eram as qualificações. Já não estávamos num ciclo de infra-estruturação básica.”
Os dados da base Subsidy Stories ainda estão a ser trabalhados para permitir uma análise detalhada de cada um dos projectos – e a sua correspondência com os objectivos aprovados por Bruxelas. Por enquanto, só estão disponíveis na língua original de cada um dos 28 países da UE. Mas já é possível observar que, além de Portugal, apenas a Bélgica, a Áustria e a Irlanda têm a educação ou a formação profissional no topo dos seus projectos co-financiados pela UE. A esmagadora maioria dos restantes estados-membros, sejam grandes ou pequenos, ricos ou pobres, aposta mais na construção de estradas, auto-estradas, ferrovias e restantes infra-estruturas.
Só a empresa pública que gere a ferrovia da República Checa recebe quase tanto de fundos estruturais como Portugal. A direcção-geral das auto-estradas da Polónia recebe mais de um terço do total português. Em menor escala, as estradas da Estónia, Lituânia, Eslováquia, Eslovénia, Hungria, Bulgária, Grécia, Croácia, Chipre e Espanha, foram a aposta destes países para a execução dos fundos Social Europeu (FSE), de Coesão (FC) e Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER).
Outra das grandes áreas de investimento na Europa é na coesão regional. Alguns países (maiores e mais ricos), como a Itália, França e a Alemanha privilegiaram aquele que é um dos objectivos dos fundos europeus: o desenvolvimento de zonas deprimidas ou mais pobres. A região da Sicília é a que mais verbas europeias recebe, no contexto italiano. O mesmo acontece com o departamento ultramarino francês da Reunião, no Oceano Índico. A Alemanha atribui 344 milhões, o seu máximo, à Alta Saxónia, uma região que integrava a antiga RDA.
Olhando para o mapa nestas páginas, salta à vista uma grande discrepância entre as verbas recebidas por cada um dos estados europeus. Isso resulta de uma complexa negociação inicial, seguida por critérios apertados de co-financiamento, e da capacidade de os próprios países contribuírem com verbas próprias.
A Alemanha recebe mais fundos do que Portugal, por exemplo, porque ainda tem regiões que vivem abaixo de 75% da média de rendimentos da UE. Pelo contrário, em Portugal, a região de Lisboa, o Algarve e a Madeira já não cumprem as “regras de elegibilidade” para parte destes fundos, por terem um rendimento acima desse limiar. Mas esse é um dos dados que não faz parte do senso-comum dos europeus.
Para se receber o máximo de fundos possível é preciso dominar a arte. Fernando Medina recorda que a estratégia portuguesa precisou de “uma negociação dura” com as autoridades de Bruxelas. Tudo começa num aceso debate, sobre as “perspectivas financeiras” da UE e a política de coesão. “É aí que se define o bolo”, explica Medina. Depois são aprovados os “critérios de distribuição”, que resultam na dotação para cada país. No fim, cada estado apresenta propostas, distribuídas pelos três fundos, “negociando sempre”.
Para Portugal, estes dois quadros comunitários de apoio (2007-2012 e 2013 -2020) tiveram uma importância acrescida. “Grande parte do investimento disponível vem dos fundos europeus”, salienta Miguel Poiares Maduro.
A crise internacional, que começou precisamente em 2007, cavou um fosso na “solidariedade europeia” e este trabalho, levado a cabo por duas organizações não-governamentais, a Open Knowledge Alemanha e a Open Knowledge Internacional, surgiu nesse preciso contexto. Foi por não ser “transparente” a forma como os fundos são gastos, nem haver uma “visão consolidada” sobre a sua distribuição, que este grupo de mais de 30 investigadores, jornalistas e especialistas em dados, se juntou. “Este projecto é único porque unifica as bases de dados disponíveis num único sítio”, explicam os autores. Mas não quer ser apenas isso. O objectivo é “aumentar a transparência orçamental na UE”, garantem.
Para que servem os fundos?
Um dos factores que explica a aposta em infra-estruturas nos países do alargamento (Leste) é a componente transfronteiriça que parte dos fundos europeus elege como critério. O Fundo de Coesão define como objectivo principal facilitar o desenvolvimento de projectos comuns de transportes.
Mas como se destina apenas a países com um Rendimento Nacional Bruto por habitante abaixo de 90% da média da UE, este fundo apenas está disponível para 16 dos 28 países da UE: Bulgária, Chipre, Croácia, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Grécia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta, Polónia, Portugal, República Checa e Roménia.
O FEDER é o maior dos fundos comunitários, representando 65% do total do actual quadro comunitário. Também aqui, o primeiro objectivo é o desenvolvimento de “infra-estruturas de base”. Já o Fundo Social Europeu tem, agora, como prioridade aumentar o emprego.