Não é preciso ter medo das salas de chuto
Lisboa e Porto reconhecem que há um recrudescimento dos consumos fumados e por via endovenosa, a ponto justificar a criação de salas de injecção assistida, mas não vão dar nenhum passo nesse sentido
As câmaras de Lisboa e do Porto admitem criar salas de injecção assistida nas duas cidades — as vulgares “salas de chuto” —, mas não vão tomar qualquer iniciativa nesse sentido. Vereadores das duas autarquias reconhecem que há um recrudescimento dos consumos fumados e por via endovenosa, a ponto de as justificar, mas preferem o jogo do empurra para as organizações que trabalham no terreno. O Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências faz o mesmo, com supostos avanços e reais recuos. Mas o seu presidente, João Goulão, é o primeiro a dizer: “Com o recrudescimento destas substâncias, penso que faz sentido voltar a equacionar a sua criação.” A conversa é praticamente a mesma desde o início. Salas de consumo assistido: sim ou não? Sim, mas não agora e muito menos à minha porta.
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As câmaras de Lisboa e do Porto admitem criar salas de injecção assistida nas duas cidades — as vulgares “salas de chuto” —, mas não vão tomar qualquer iniciativa nesse sentido. Vereadores das duas autarquias reconhecem que há um recrudescimento dos consumos fumados e por via endovenosa, a ponto de as justificar, mas preferem o jogo do empurra para as organizações que trabalham no terreno. O Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências faz o mesmo, com supostos avanços e reais recuos. Mas o seu presidente, João Goulão, é o primeiro a dizer: “Com o recrudescimento destas substâncias, penso que faz sentido voltar a equacionar a sua criação.” A conversa é praticamente a mesma desde o início. Salas de consumo assistido: sim ou não? Sim, mas não agora e muito menos à minha porta.
A estratégia portuguesa, elaborada por um grupo de peritos e coordenada por Alexandre Quintanilha entre 1999 e 2001 introduziu uma série de novas políticas nesta matéria, recebidas com receio e hoje aceites com elogio. Já não vale a pena estar a discutir se se deve ou não descriminalizar o consumo de droga, adoptar programas de redução de danos, como a troca de seringas, a existência de comissões de dissuasão ou a necessidade de reduzir a procura e de oferecer uma rede de unidades de tratamento a quem pretender aderir a programas de substituição. Apesar de tudo isto, as salas de injecção assistida ficaram de fora.
Porquê? Porque a lei de 2001 impõe que a sua criação seja de iniciativa camarária, o que pode implicar a reacção intempestiva e revoltada das populações contíguas a um equipamento deste género, e porque os consumos problemáticos de droga, graças sobretudo à dependência de opiáceos como a heroína, se tornaram de alguma forma invisíveis para a cidade central e normativa.
Este tipo de equipamento é uma política de diminuição dos riscos associados à utilização de drogas injectadas, cujos efeitos positivos são sublinhados pelos peritos: aumento do acesso dos consumidores aos cuidados de saúde e assistência social, redução do consumo de drogas no espaço público e da conflitualidade associada. Basta olhar para todas as experiências dos últimos 30 anos na Europa, onde existem 90 salas e vários modelos, nas quais apenas uma morte foi referida, quando comparadas com as mais de 6500 pessoas que todos os anos morrem por overdose, para aceitar a sua criação de uma vez por todas.