Eritreus e sírios cozinham em Lisboa para começar uma nova vida

Almoço eritreu na Fábrica Braço de Prata neste sábado, brunch do Médio Oriente na Casa Independente no domingo – o projecto Marhaba arranca este fim-de-semana em Lisboa com o chef Nuno Bergonse a ajudar na cozinha.

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Nuno Bergonse começa a cortar uma cebola em pedaços grandes e Mohamed tenta explicar, numa mistura de português e inglês, que precisa de pedaços mais pequenos. “Ah, picada”, diz Nuno. Sim, é isso mesmo. O chef português e os três refugiados da Eritreia conheceram-se há três horas e já estão a cozinhar juntos na cozinha da Fábrica Braço de Prata, em Lisboa. É o treino para o almoço deste sábado, aberto ao público, e que servirá para lançar o projecto Marhaba – O Médio Oriente à Mesa (Marhaba significa bem-vindo, em árabe).

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Nuno Bergonse começa a cortar uma cebola em pedaços grandes e Mohamed tenta explicar, numa mistura de português e inglês, que precisa de pedaços mais pequenos. “Ah, picada”, diz Nuno. Sim, é isso mesmo. O chef português e os três refugiados da Eritreia conheceram-se há três horas e já estão a cozinhar juntos na cozinha da Fábrica Braço de Prata, em Lisboa. É o treino para o almoço deste sábado, aberto ao público, e que servirá para lançar o projecto Marhaba – O Médio Oriente à Mesa (Marhaba significa bem-vindo, em árabe).

Nenhum dos três homens – Awet Mebrahtu, de 35 anos, Tsehaye Berhane, de 53, e Mohamed Abdela, de 30 – é cozinheiro profissional, embora cozinhassem nas suas casas na Eritreia e continuem a cozinhar desde que chegaram a Portugal, todos eles há cerca de um ano, nas casas que receberam através da associação Crescer, que também os está a apoiar neste passo para entrarem no mercado de trabalho. Depois de resolvido o problema da habitação e as questões burocráticas mais urgentes, é altura de pensar no trabalho, explica Américo Nave, responsável da Crescer.

Já tinha havido, na Cozinha Popular da Mouraria, alguns almoços com este grupo de refugiados, que inclui também sírios e palestinianos. Mas neste sábado, na Fábrica Braço de Prata, o dia é da cozinha da Eritreia e no domingo, na Casa Independente, no Largo do Intendente, será a vez do grupo da Síria e Palestina cozinhar (cada evento custa 15 euros por pessoa, inscrições através do facebook do Marhaba ou das duas instituções anfitriãs). A ideia é repetir o evento todos os sábados no Braço de Prata e no último domingo de cada mês na Casa Independente - nesta, quem se registar, recebe uma senha secreta que permite a entrada.  

Ambos os grupos terão a ajudar Nuno Bergonse, que tem uma experiência de muitos anos como chef (o último projecto em que esteve foi o Duplex, de onde saiu no final de 2016) e que decidiu iniciar uma nova fase da sua vida. “Decidi mudar de registo, fazer coisas que queria e não estava a conseguir. Desde que estou solto, o leque de oportunidades e ideias triplicou”, diz.

No meio dessas ideias surgiu a de ajudar a Crescer a desenvolver um outro projecto: um restaurante para dar trabalho a pessoas que viviam sem abrigo e para as quais a associação arranjou casas, no âmbito do É Uma Casa (com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa). Enquanto decorrem os preparativos (deverá haver notícias em Setembro), Nuno interessou-se também pelo trabalho com os refugiados e é isso que o traz à cozinha de Braço de Prata.

Awet, que está a fazer húmus, o puré de grão-de-bico com pasta de sésamo que na versão da Eritreia leva pasta de amendoim, foi no seu país condutor de pesados e trabalhou em minas, mas é o que se mostra mais à vontade na cozinha; Tsehaye, ocupado a cortar cenouras e outros legumes para um dos pratos vegetarianos, foi contabilista e treinador de futebol e Mohamed, que se ocupou das galinhas do campo, lavou automóveis, foi empregado de mesa e trabalhou numa fábrica.

Falta ainda Tecklesenbet Tesfay, de 37 anos, que foi professor de inglês e agora trabalha no SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) como tradutor – não estava sexta-feira porque tinha trabalho mas estará hoje. Deixaram a Eritreia por razões políticas e fazem parte do grupo de refugiados que chegou à Europa através da Grécia e que estão a ser acolhidos por diferentes países – a eles coube Portugal.

A ideia, explica Américo, é que estes almoços sejam o pontapé de partida para que todos arranjem trabalho. Aliás, dois que pertenciam ao grupo inicial já conseguiram e, entretanto, juntaram-se outros dois. Uma das propostas que Nuno fez foi a de arranjarem uma roulote com comida para andarem por Portugal a divulgar a gastronomia dos seus países. Para já, estão disponíveis para fazer almoços, jantares e brunches do Médio Oriente ao domicílio e caterings para empresas e festas privadas.

O próprio chef está a aprender muitas coisas novas: que a Eritreia tem uma enorme influência da cozinha da Etiópia, que o pão a que chamam injera é parte fundamental da refeição servindo como base dos pratos, que cozinham carnes como frango e vaca sobretudo estufadas, que fazem sempre refogados nos quais usam manteiga com várias especiarias e que apreciam particularmente um prato feito com pão frito com o nome de kitcha fit fit. O picante é presença forte na cozinha da Eritreia, mas Nuno vai garantir que não será demasiado forte para os hábitos portugueses. A acompanhar o almoço, estará Huruy, que era costureiro e músico e que tocará krar, instrumento tradicional da Eritreia. É mais uma forma de os refugiados em Portugal dizerem marhaba