Entre as 1730 novas espécies de plantas de 2016 há alimentos e curas
É a segunda edição do relatório anual produzido pelos Jardins Botânicos Reais de Kew sobre o Estado das Plantas do Mundo que envolveu 128 cientistas de 12 países diferentes.
Os cientistas descobriram 1730 espécies novas de plantas em 2016, uma delas encontra-se em alguns locais da Península Ibérica onde se inclui a serra da Estrela, em Portugal. Mais de 28 mil espécies têm os seus usos medicinais documentados e o número de plantas com genomas completos sequenciados aumentou 60% em relação ao ano anterior, chegando agora às 225 espécies. Todos estes dados e muitos outros estão na segunda edição do relatório anual sobre o Estado das Plantas do Mundo (State of the World’s Plants), elaborado pelos Jardins Botânicos Reais de Kew, perto de Londres, divulgado esta semana.
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Os cientistas descobriram 1730 espécies novas de plantas em 2016, uma delas encontra-se em alguns locais da Península Ibérica onde se inclui a serra da Estrela, em Portugal. Mais de 28 mil espécies têm os seus usos medicinais documentados e o número de plantas com genomas completos sequenciados aumentou 60% em relação ao ano anterior, chegando agora às 225 espécies. Todos estes dados e muitos outros estão na segunda edição do relatório anual sobre o Estado das Plantas do Mundo (State of the World’s Plants), elaborado pelos Jardins Botânicos Reais de Kew, perto de Londres, divulgado esta semana.
Entre as mais de 1700 espécies de plantas descritas pela primeira vez em 2016 há algumas que podem começar a fazer parte da nossa dieta. É o caso das cinco novas espécies brasileiras que pertencem ao género Manihot, o mesmo da conhecida e consumida mandioca. “Estas espécies têm o potencial necessário para desenvolver a cultura da mandioca, diversificando-a, permitindo que esta seja cultivada em climas mais secos do que os actuais e fornecendo defesas contra vírus, que estão a reduzir a produção deste recurso alimentar importante em algumas partes do mundo”, refere o comunicado de imprensa da equipa dos jardins Kew. Mas há mais novas plantas que podem ser alimentos. Também foram descobertas sete novas espécies Aspalathus, da família das leguminosas e conhecida sobretudo por causa do chá sul-africano rooibos. Outra novidade é uma nova espécie de cherovia, Pastinaca erzincanensis, descrita em 2016 na Turquia.
As novas plantas identificadas podem servir para fins que não passam pelo prato ou chávenas, desta vez, com objectivos medicinais. Aqui, o relatório anual sobre o Estado das Plantas do Mundo destaca as noves espécies de trepadeiras do género Mucuna, provenientes do Sudeste Asiático e da região neotropical (América Central e América do Sul), que “são utilizadas no tratamento da doença de Parkinson”. No capítulo dedicado às plantas medicinais, revela-se que, pelo menos, 28.187 espécies estão actualmente identificadas como tendo algum tipo de uso medicinal. Um número que, admitem, estará muito longe do verdadeiro potencial terapêutico das muitas plantas que crescem no planeta.
O documento sublinha ainda que “apenas 16% (4478) das espécies utilizadas em medicamentos à base de plantas estão citadas em publicações relativas à regulação de medicamentos”. Por outro lado, notam os especialistas, “existem actualmente 15 nomes alternativos para cada espécie de planta medicinal, o que causa uma enorme confusão e risco no sector das plantas medicinais”. Assim, o processo deve ser simplificado e melhorado através do recurso a bases de dados como o Serviço de Nomes de Plantas Medicinais de Kew, defendem. “Muitas das mais de 28 mil espécies com potencial medicinal deram à medicina moderna algumas das mais importantes descobertas, mas poucas foram realmente listadas oficialmente devido ao uso de rótulos ambíguos”, lamenta a cientista e Presidente da Maurícia Gurib-Fakim, num comentário ao relatório que está no comunicado.
Este “livro” detalhado sobre o Estado das Plantas do Mundo inclui dados e imagens para todos os gostos. “Jardineiros e amantes de plantas ornamentais poderão comemorar as descobertas de espécies de plantas comuns, que oferecem agora novas cores e aromas, além de períodos de floração mais longos e adaptações a habitats diferentes daqueles já conhecidos”, nota o comunicado. Exemplo: há 29 novas espécies pertencentes ao género da Begonia, descritas a partir das florestas da Malásia.
“É um momento especial para se investigar a fundo o universo das plantas”, considera Kathy Willis, directora de ciência dos Jardins Botânicos Reais de Kew, acrescentando que “a partir dos avanços tecnológicos que nos permitem desvendar de forma mais profunda os mistérios das plantas e investigar as suas características com maior detalhe – tanto moleculares como morfológicas – somos agora capazes de obter um quadro mais detalhado do que nunca sobre o que temos, o seu valor e vulnerabilidade”.
Um desses avanços será seguramente do campo da genética. O relatório assinala que o número de plantas com genomas sequenciados chega agora a 225 espécies, o que representa um aumento de mais de 60% em relação ao ano anterior. Já em 2017, notam, foi revelada a sequenciação molecular de alcaçuz, um dos mais usados remédios provenientes de ervas medicinais.
Mas para que serve o conhecimento do genoma das plantas? “Quando adicionadas as informações que estão a ser reunidas sobre os parentes silvestres de culturas como o arroz, trigo, amendoim, batata, tomate, soja, batata-doce e outros, teremos uma imagem bastante precisa do que precisamos fazer para sustentar a crescente população global num mundo em aquecimento”, refere o comunicado. Em resumo, estes dados poderão servir para melhorar a produção, qualidade e rendimento das culturas.
Madagáscar, um caso especial
O país de destaque da segunda edição do relatório é Madagáscar, a quarta maior ilha do mundo e o único país fora do Reino Unido onde os Jardins Kew tem uma presença permanente. Os dados analisados permitiram concluir que 83% das mais de 11 mil espécies de plantas vasculares (com tecidos especializados no transporte de água e seiva) nativas de Madagáscar não existem em mais nenhum lugar da Terra. A ilha acolhe cinco famílias de plantas únicas e três vezes mais espécies de palmeiras do que a África continental. E eis mais um momento para um exemplo: Madagáscar tem alguns dos raros e ameaçados exemplares da espectacular Tahina spectabilis, conhecida como palmeira-gigante-suicida, uma planta que chega a atingir os 20 metros de altura e que se autodestrói, morrendo após gastar todas as suas energias numa impressionante despedida que envolve uma única e final produção de centenas de flores minúsculas.
Madagáscar é um caso especial mas o relatório sobre o Estado das Plantas do Mundo também inclui, obviamente, dados de Portugal. Cátia Canteiro, uma investigadora portuguesa que faz parte da equipa dos jardins de Kew e que participou neste trabalho dedicando-se ao capítulo que fala do risco de extinção das plantas, adianta ao PÚBLICO que, das mais de 450 famílias de plantas vasculares actualmente descritas a nível mundial, cerca de 113 ocorrem em Portugal (o que representa um total de 532 espécies de plantas). “Das 1730 espécies novas de plantas vasculares registadas na base de dados do International Plant Names Index, 141 foram listadas para a Europa e apenas uma para Portugal, a Carex lucennoiberica. Esta espécie foi descrita como endémica da Península Ibérica e em Portugal é conhecida apenas uma população na serra da Estrela, sendo considerada bastante ameaçada e sensível a alterações climáticas e destruição de habitat (especificamente nitrificação do solo)”, diz a bióloga.
Sobre as ameaças, Cátia Canteiro alerta que, segundo a avaliação feita pela Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), no final de 2016 existiam em Portugal 76 espécies de plantas vasculares ameaçadas pela “construção, agricultura, alterações dos sistemas naturais, incluindo barragens e incêndios, e espécies invasoras”. E sobre as pragas? “Os principais insectos causadores de pragas e doenças em plantas referidos nos últimos cinco anos em estudos em Portugal registados na base de dados do Centro Internacional para a Agricultura e Ciências da Vida [CABI, na sigla em inglês] foram: a mosca-da-fruta-do-mediterrâneo (Ceratitis capitata), a traça-do-tomateiro (Tuta absoluta) e o gorgulho-castanho-da-farinha (Tribolium castaneum).”
De resto, ainda sobre as ameaças do mundo, o relatório dos jardins de Kew realça que há espécies de plantas que parecem estar a revelar uma maior capacidade de adaptação às mudanças climáticas, o que é uma boa notícia. Para responder ao aumento das temperaturas, às secas e aos elevados níveis de dióxido de carbono no ar, as plantas estão a engrossar as suas folhas e a “inventar” novas estratégias para melhor uso da água, levando, por exemplo, as raízes para locais mais profundos.
Porém, também há más notícias. Os especialistas notam que a falta de controlo das pragas e doenças invasoras pode representar prejuízos para a agricultura que podem chegar aos 450.000 milhões de euros e que há 340 milhões de hectares da superfície terrestre cobertos por vegetação que são varridos anualmente por incêndios florestais. Neste lado negro do estado das plantas há ainda o capítulo do comércio ilegal de plantas raras que “não mostra sinais de abrandar”. Estima-se que o comércio ilegal de espécies selvagens na União Europeia represente algo entre 8000 e 20.000 milhões de euros anualmente.
Apesar dos riscos e ameaças, todos os anos os cientistas descobrem cerca de duas mil novas espécies de plantas. No total, existirão no planeta mais de 392 mil espécies de plantas vasculares. Plantas bonitas e feias, que se comem ou são carnívoras, que nos curam ou envenenam, das mais minúsculas às gigantes, algumas raras e outras vulgares. Muitas ameaçadas. Todas importantes.