Trump teve aulas para navegar num mar de campos minados diplomáticos
O Presidente dos Estados Unidos parte para a sua estreia internacional com a casa a ferro e fogo por causa da demissão do director do FBI. Mas lá fora basta que a viagem seja "normal" para correr bem.
Enquanto a Casa Branca estava mergulhada numa crise criada por si, depois do despedimento abrupto do director do FBI e da rápida sequência de acontecimentos que lhe seguiram, o Presidente Trump recebeu uma visita improvável: Henry Kissinger, o principal estadista veterano do Partido Republicano, que lhe foi dar uma lição sobre assuntos internacionais na semana passada.
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Enquanto a Casa Branca estava mergulhada numa crise criada por si, depois do despedimento abrupto do director do FBI e da rápida sequência de acontecimentos que lhe seguiram, o Presidente Trump recebeu uma visita improvável: Henry Kissinger, o principal estadista veterano do Partido Republicano, que lhe foi dar uma lição sobre assuntos internacionais na semana passada.
Kissinger não estava sozinho. Nos dias anteriores à estreia de alto risco de Trump no palco internacional — uma viagem de nove dias, cinco paragens e quatro países, que arranca esta sexta-feira —, a Sala Oval transformou-se numa sala de aulas, com um conjunto rotativo de especialistas a darem instruções ao Presidente.
Pelo menos, era esse o plano original.
Como é frequente acontecer com Trump, havia distracções em todo o lado. A sua conversa com Kissinger tornou-se por momentos numa oportunidade para tirar fotografias, com o antigo secretário de Estado sentado em silêncio enquanto Trump fazia os seus primeiros comentários públicos sobre o despedimento de James Comey do FBI.
Apesar do turbilhão — e da obsessão pessoal do Presidente com a saga Comey — Trump arranjou tempo para começar a preparar uma viagem que poderá tornar-se um triunfo estrondoso ou correr horrivelmente mal com apenas um erro.
Em território estrangeiro, Trump vai ter de se orientar por campos de minas diplomáticos — desde falar de negociações de paz entre israelitas e palestinianos, tranquilizar os aliados europeus nervosos e seguir o protocolo quando cumprimentar o Papa Francisco.
"Ele vai estar na ribalta, sob escrutínio, e para muitas pessoas no mundo vai ser uma oportunidade para o ver 'em acção'", disse Richard N. Haass, presidente do Council on Foreign Relations. "Como, em parte, as expectativas são modestas, ele pode superá-las. Se a viagem for simplesmente normal, então será um sucesso."
Os conselheiros de Trump dizem que o Presidente compreende o que está em jogo e que está a levar a sério a sua preparação. A sua equipa reduziu deliberadamente a agenda pública do Presidente nas duas semanas antes da partida, apesar de grande parte do seu tempo na semana passada ter sido consumida pelo escândalo Comey e por discussões sobre remodelações na sua equipa.
A viagem de Trump, cuidadosamente coreografada, começa na Arábia Saudita, onde vai reunir-se com parceiros muçulmanos de todo o mundo árabe e não só, para procurar alianças para combater os terroristas do Estado Islâmico. Daí, parte para Israel para sublinhar o compromisso dos Estados Unidos com o povo judeu. Também se vai reunir com o Presidente palestiniano, Mahmoud Abbas.
Em seguida, Trump viaja para Roma, onde está marcado um encontro com o Papa. Vai depois participar na cimeira de líderes da NATO em Bruxelas, seguida de uma reunião do G7 na Sicília.
O conselheiro de Segurança Nacional, H. R. McMaster, disse que a viagem tem três propósitos centrais: "Primeiro, reafirmar a liderança global da América. Segundo, continuar a construir relações importantes com os líderes mundiais. E, terceiro, transmitir uma mensagem de unidade aos amigos da América e aos fiéis das três maiores religiões do mundo."
De acordo com gurus de política externa exteriores à Casa Branca, a viagem também traz outros benefícios a Trump. Ao contrário do que acontece nos EUA, é improvável que Trump encontre protestos na Arábia Saudita (porque as leis rígidas do reino restringem manifestações públicas de dissidência), em Israel (porque tem uma relação próxima com o Governo) e nas cimeiras na Bélgica e em Itália (porque as medidas de segurança vão criar quase sempre um perímetro alargado à sua volta).
No entanto, qualquer coisa pode prejudicar a viagem, seja uma gafe verbal, uma quebra de protocolo ou mesmo uma linguagem corporal errática. Segundo peritos em política externa, uma preparação extensa pode ser especialmente importante para um líder como Trump, cujo temperamento se dá melhor dentro do casulo da familiaridade. Trump também pode estar visivelmente desconfortável quando cede o foco das atenções a outros ou quando participa em reuniões prolongadas em que outras pessoas têm a palavra – que são marcas das cimeiras internacionais.
"Esta pode ser a primeira visita internacional em que o Presidente publica tweets no estrangeiro", disse Lanhee Chen, professor da Hoover Institution da Universidade de Stanford, que foi o principal conselheiro político de Mitt Romney durante a campanha presidencial de 2012. "Como lidamos com isso? Há certas convenções e precedentes a que aderimos quando estamos em território estrangeiro. Será que o Presidente vai cumprir esta máxima?"
Assim, nos últimos dias, Trump recebeu briefings de uma série de pessoas que lhe apresentaram informação da maneira como ele gosta de a consumir – conversas fluidas, apresentações em vídeo e em fotografias, mapas e tabelas – em vez de materiais de leitura volumosos.
Este processo foi supervisionado, em grande parte, por Jared Kushner, o genro do Presidente e um dos seus conselheiros principais, bem como por McMaster e pela vice-conselheira de Segurança Nacional, Dina Powell.
O secretário de Estado, Rex Tillerson; o secretário da Defesa, Jim Mattis; o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin; o secretário do Comércio, Wilbur Ross; o director do Conselho Económico Nacional, Gary Cohn; e o conselheiro político Stephen Miller passaram algum tempo a preparar o Presidente, ao mesmo tempo que legisladores importantes (incluindo o presidente do Comité de Relações Externas do Senado, Bob Corker, e o senador Benjamin J. Cardin) também contribuíram com informação, embora não directamente junto de Trump.
O Presidente pediu conselhos de algumas pessoas de fora, como Kissinger, mas, de um modo geral, manteve o seu círculo limitado a profissionais do mundo real e a membros da Administração – o que reflecte a opinião da Casa Branca de que as contribuições de especialistas académicos, autores e outros líderes intelectuais são menos importantes, porque estes não alcançaram sucesso prático.
Os funcionários de topo da Casa Branca são susceptíveis ao facto de Trump ser representado como um novato que não sabe nada, no que diz respeito à política externa, apontando que o Presidente já percorreu o mundo várias vezes enquanto magnata do imobiliário com propriedades em vários continentes.
Também afirmam que Trump já resistiu a desafios de política externa a partir do interior da Casa Branca. De facto, a maioria dos acontecimentos que muitos consideram sucessos iniciais da presidência aconteceram neste domínio: o bombardeamento na Síria, tentativas de melhorar as relações com a China e esforços para reforçar as alianças contra a Coreia do Norte.
Alguns conselheiros também insistem que a preparação de Trump não se limitou aos dias que precedem a viagem. Desde que foi eleito, o Presidente tem usado as horas que passou com líderes estrangeiros em almoços de trabalho e reuniões a dois – bem como 76 chamadas telefónicas com 43 homólogos mundiais, de acordo com os registos da Casa Branca – como com lições sobre desafios económicos e de segurança em diferentes regiões.
Estas sessões, segundo um funcionário da Casa Branca, dividem-se em linhas distintas. Primeiro, que "resultados" o Presidente espera alcançar com a viagem e, segundo, a mensagem estratégica desses objectivos. Trump tem estado a trabalhar de perto com Miller, que é conhecido pelas suas opiniões nacionalistas e anti-globalistas, para ajudar a esboçar as declarações preparadas.
Recentemente, Trump reuniu-se com Tillerson na Sala Oval para discutir a visita à Arábia Saudita e para estabelecer objectivos para as suas reuniões com os líderes árabes. Também se encontrou com Mattis, que o informou sobre a sua visita recente ao Médio Oriente e sobre preocupações de segurança na região.
Cohn, Kushner e Powell também se reuniram com o presidente na semana passada, incluindo uma hora que passaram a discutir a parte da viagem dedicada ao G7. Na quarta e na quinta-feira, McMaster, Kushner e Powell informaram Trump sobre o feedback que receberam durante as suas reuniões com senadores importantes.
Segundo os conselheiros, Trump pretende criar um contraste deliberado com o ex-Presidente Barack Obama, cujos discursos no estrangeiro em defesa dos direitos humanos e da democracia por vezes irritavam os seus anfitriões. Alguns funcionários afirmaram que o Presidente não pretende "dar lições" nem "castigar".
Um desafio para Trump vai ser adoptar a linguagem que ele usa a nível nacional – resumida no tema "América Primeiro" do seu discurso inaugural – a uma retórica mais convidativa e inclusiva junto dos aliados dos Estados Unidos e potenciais aliados, afirmou Richard Burt, um diplomata de topo nas administrações de Ronald Reagan e de George H. W. Bush.
"Penso que não se quer levar um tema como 'América Primeiro' quando se viaja para o estrangeiro", disse Burt. "Temos de o modificar de alguma forma, para mostrar que 'América Primeiro' não significa que os nossos amigos e aliados não são importantes na nossa política geral."
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post