Eleições no Irão: o isolacionista Raisi desafia o globalista Rouhani

O Presidente, o moderado Hassan Rouhani, enfrenta o conservador Ebrahim Raisi, o candidato do sistema. Em causa está a posição do Irão perante o mundo.

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Na campanha, Rouhani fez um ataque raro aos Guardas da Revolução RAHEB HOMAVANDI/REUTERS

As eleições presidenciais iranianas desta sexta-feira são uma luta entre duas visões: os isolacionistas, representados pelo candidato que parece ser o favorito do regime, e os globalistas, representados pelo actual Presidente, Hassan Rouhani.

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As eleições presidenciais iranianas desta sexta-feira são uma luta entre duas visões: os isolacionistas, representados pelo candidato que parece ser o favorito do regime, e os globalistas, representados pelo actual Presidente, Hassan Rouhani.

No estranho mundo da política iraniana, Rouhani, que tem pedigree no sistema, o que lhe valeu ser chamado the ultimate insider, qualquer coisa como o perfeito homem do sistema, por um responsável diplomático ocidental, é agora o candidato de fora do sistema.

O candidato do sistema é Ebrahim Raisi, que desafia o actual Presidente. Raisi é visto como o preferido do Líder Supremo, o ayatollah Khamenei (que não apoiou ofialmente nenhum candidato), e que recebeu apoio da maioria das instituições (50 dos 88 membros da Assembleia de Peritos, um dos organismos mais poderosos do país, escreveram-lhe uma carta de apoio).

Rouhani teve um primeiro mandato em que cuidadosamente caminhou numa corda bamba, tentando equilibrar uma linha entre a abertura demonstrada com o acordo sobre o nuclear com os Estados Unidos (de 2015) e não dando demasiadas liberdades sociais (nem cumprindo promessas da campanha de maior abertura política e libertação dos presos, muitos deles reformistas que protestaram durante a anterior eleição; líderes do movimento verde como Mir-Hossein Mousavi e Mehdi Karroubi que estão ainda em prisão domiciliária). 

É visto como um pragmático que privilegia uma certa abertura do Irão. O seu rival, apesar de ter dito que manteria o acordo nuclear, não tem deixado de o criticar.

A cada quatro anos, o Irão leva a cabo eleições presidenciais que apesar de todas as restrições são importantes para o regime, que assim quer mostrar as suas credenciais democráticas, e para os iranianos, que aqui têm uma hipótese de ser ouvidos, mesmo que os candidatos tenham sido já pré-aprovados pelo Conselho dos Guardiães (outro órgão essencial no sistema iraniano): nestas eleições, por exemplo, o antigo Presidente Mahmoud Ahmadinejad foi impedido de concorrer.

Há quem argumente que é das poucas ocasiões em que os iranianos podem fazer uma escolha que contrarie o Líder Supremo. E de facto os candidatos vistos como favoritos do ayatollah Khameini nem sempre têm melhores resultados, na verdade, perderam as últimas eleições. Daí que o facto de Raisi ser visto como o preferido do Líder Supremo não seja tido como um factor decisivo na votação desta sexta-feira.

Campanha dura

A campanha assumiu um tom invulgarmente duro. Os primeiros ataques vieram dos candidatos que representam a frente mais conservadora, Raisi e o presidente da câmara de Teerão, Mohammed Baqer Qalibaf, que entretanto se retirou da corrida a favor de Raisi. Ambos puseram em causa as vantagens do acordo sobre o nuclear com os Estados Unidos, sublinhando que os ganhos prometidos por Rouhani não aconteceram.

Se de facto o fim do isolamento da economia iraniana fruto do acordo trouxe crescimento, este não se reflectiu numa descida da taxa de desemprego nem em melhores condições de vida para os iranianos em geral.

O rival de Rouhani promete mais benefícios para os mais pobres, mas não diz como o vai conseguir. Raisi apresentou a sua história pessoal como um trunfo  – é órfão e “sentiu a dor da pobreza”. Os seus críticos dizem que a abordagem de prometer subsídios para os mais pobres é semelhante à política económica de Ahmadinejad e será desastrosa para o investimento estrangeiro de que o Irão precisa. 

Já Rouhani mudou as agulhas e lançou um duro ataque ao rival, apresentando a votação como uma escolha entre os que querem a liberdade e os que querem prisões e execuções, uma menção não muito subtil ao passado de Raisi, que foi um dos membros de uma comissão que em 1988 decidiu executar milhares presos políticos no país (ainda hoje não se sabe exactamente quantos).

Rouhani também prometeu mais liberdade e parece ter passado um limite: criticou, por duas vezes, abertamente, os Guardas da Revolução, uma das instituições mais poderosas na República Islâmica, que ganharam um forte poder económico sob o ayatollah Khamenei, detendo fábricas e dominando sectores essenciais como as telecomunicações. Este império é uma das razões pelas quais os Guardas da Revolução vêem com ambivalência o acordo nuclear – o isolamento económico beneficia-os.

Também criticou directamente o seu rival, que muito jovem conseguiu posições importantes no regime mas que não era até agora muito pouco conhecido dos iranianos.

No ano passado foi confiada a Raisi a gestão da mais rica organização do mundo muçulmano, que está encarregada do maior santuário iraniano, Imam Reza, em Mashhad, no Leste do país, o que criou rumores de que estaria a ser preparado para Líder Supremo. O ayatollah Khamenei, no poder há 28 anos, tem 77 anos, e quem poderá ser o seu sucessor é motivo de especulação: afinal, é o Líder Supremo quem tem o poder e a última palavra sobre todas as questões do país.

Raisi não tem excelência religiosa (apesar do turbante negro que indica que é descendente directo do profeta Maomé), mas há quem aponte que Khamenei também não tinha. A seu favor, Raisi tem ainda a proximidade com os Guardas da Revolução. Nesse caso, as eleições desta sexta-feira seriam uma prova: ou é eleito e assim pode caminhar nessa direcção, ou falha e já não terá hipótese.

Mas o favorito, apesar de tudo, continua a ser Rouhani. Nunca um Presidente em exercício perdeu umas eleições desde 1981 no Irão, e apesar do descontentamento, Raisi não é visto como um candidato com experiência para melhorar a situação económica.

Para o Líder Supremo, o mais importante não é quem vence, é que não haja revolta como em 2009, quando muitos iranianos se insurgiram contra a percepção de uma vitória injusta de Mahmoud Ahmadinejad, e que as eleições tenham uma grande participação para legitimar o regime – não há hora de fecho das urnas, os responsáveis manter-se-ão nas assembleias de voto enquanto houver pessoas a querer votar.