Aquilo não é jornalismo
Todos os que compram o Correio da Manhã, todos os que lá escrevem e todos os que lá anunciam são cúmplices das atitudes vergonhosas do título.
Ontem um órgão de comunicação social publicou um vídeo que demonstra uma agressão sexual a uma mulher. Depois de ter passado o dia a ser violentamente criticado, o mesmo órgão de comunicação veio defender-se com um suposto compromisso com os leitores, justificando-se com três argumentos: que “sem notícias é impossível haver reflexão”, que as imagens já circulavam nas “redes sociais” e que “a realidade não fica melhor por ignorarmos os factos”.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Ontem um órgão de comunicação social publicou um vídeo que demonstra uma agressão sexual a uma mulher. Depois de ter passado o dia a ser violentamente criticado, o mesmo órgão de comunicação veio defender-se com um suposto compromisso com os leitores, justificando-se com três argumentos: que “sem notícias é impossível haver reflexão”, que as imagens já circulavam nas “redes sociais” e que “a realidade não fica melhor por ignorarmos os factos”.
São três verdades – que servem para esconder uma mentira. Porque a exibição do vídeo não é nem nunca seria notícia, é preciso denunciar esta mentira. A agressão é notícia, o vídeo faz parte da agressão e por isso relatar a sua existência fará parte da notícia. Mas exibir o vídeo é sensacionalista, degradante e humilhante para a vítima. Não é notícia e visa apenas conquistar mais cliques e ganhar a guerra da atenção – aquela que se ganha facilmente quando não se tem nada a perder.
Os argumentos sobre a notícia são falsos e querem disfarçar o que não tem desculpa. Aquilo não é jornalismo e o comportamento do Correio da Manhã justifica-se com uma hipocrisia desmedida que também precisa de ser denunciada. O que foi feito ontem, quarta-feira, vai contra os padrões éticos do jornalismo, prática que este jornal tem repetido várias vezes. Talvez ontem tenha mesmo ido longe demais, e a queixa no DIAP feita pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género será disso prova.
É verdade que o Correio da Manhã (ainda) é o jornal que mais vende em Portugal. Também é verdade que baixou muito em vendas nos últimos meses e está à procura da receita para voltar a subir lucros. Nada disto faz dele um produto jornalístico – nem sequer o facto de às vezes trazer notícias. E não é isso que lhe dá o escudo ético ou o direito moral de usar o argumento do jornalismo para as suas acções despudoradas em busca da sustentação financeira. Todos os que compram o CM, todos os que lá escrevem e todos os que lá anunciam são cúmplices das atitudes vergonhosas do título.
Não se trata aqui de nenhuma falsa superioridade moral: como jornalistas erramos, mais do que devíamos. Faz parte do nosso trabalho errar sempre o menos possível. Mas aquilo que aconteceu ontem no Correio da Manhã não foi um erro, foi parte de uma estratégia que ainda vai continuar a piorar. E não é jornalismo.