O que é que mais pode correr bem?
Vou converter-me ao costismo – o país está tão espectacular, que até parece mal dizer mal.
Agora que Salvador Sobral venceu a Eurovisão, o Papa veio a Fátima canonizar dois pastorinhos, o Benfica foi tetracampeão, o primeiro-ministro revelou-se um magnífico primeiro-nanny para os meus filhos e a economia cresceu 2,8% no primeiro trimestre de 2017, suponho que a única coisa que me resta é começar a preencher este espaço com corações cor-de-rosa desenhados a caneta de feltro, um sol muito amarelo junto ao Bartoon do Luís Afonso, e um riacho azul a deslizar até à ficha técnica do jornal. Vou converter-me ao costismo – o país está tão espectacular, que até parece mal dizer mal.
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Agora que Salvador Sobral venceu a Eurovisão, o Papa veio a Fátima canonizar dois pastorinhos, o Benfica foi tetracampeão, o primeiro-ministro revelou-se um magnífico primeiro-nanny para os meus filhos e a economia cresceu 2,8% no primeiro trimestre de 2017, suponho que a única coisa que me resta é começar a preencher este espaço com corações cor-de-rosa desenhados a caneta de feltro, um sol muito amarelo junto ao Bartoon do Luís Afonso, e um riacho azul a deslizar até à ficha técnica do jornal. Vou converter-me ao costismo – o país está tão espectacular, que até parece mal dizer mal.
Peguemos, por exemplo, no que era suposto ser a pior notícia do mês para o Governo – a greve dos médicos. À primeira vista, era uma greve importante. Metia médicos, a saúde dos portugueses, gente a bater com o nariz na porta de consultas marcadas há meses – e era o primeiro grande momento de contestação social à política do Governo. Mais: quando se juntava a greve do dia 10 e 11 à inacreditável tolerância de ponto de dia 12, estávamos a falar de três dias consecutivos sem médicos nos hospitais – cinco, se contarmos com o fim-de-semana. Pergunto: alguém deu por isso, tirando os pobres utentes que tiverem de voltar para casa com receitas vazias? Eu cá não dei. Embora os sindicatos do sector garantam que não só houve greve como a adesão terá atingido os 90%, ela foi praticamente invisível. Ou seja, na era de António Costa, não só há poucas greves, porque a esquerda apoia o Governo, como as poucas que há não têm qualquer impacto mediático. Quem fica malvisto ainda são os grevistas, tidos por excessivamente reivindicativos numa altura em que o senhor primeiro-ministro se está a esforçar tanto para endireitar o país.
Ajoelhem-se, caros leitores, porque diante de nós está a ressurreição de Portugal: tudo o que era sofrimento com Passos Coelho se transmutou em alegria com António Costa. Não se trata apenas de o Diabo não ter vindo – trata-se de, em vez dele, ter comparecido o Arcanjo Rafael, que tudo remedeia e tudo cura, em termos físicos, psíquicos e espirituais. Em vez das sete pragas do Egipto temos as sete bênçãos dos céus. Não pensem que estou a sugerir aqui qualquer espécie de manipulação mediática, com os jornalistas congeminados numa grande conspiração para perpetuar os socialistas no poder. Nada disso. Costa, simplesmente, conseguiu juntar: 1) um país cujo ajustamento mais doloroso já tinha sido feito à custa do odioso Passos; 2) uma Europa a crescer de forma significativa; 3) um Mario Draghi a prometer continuar a comprar dívida aos magotes; 4) uma esquerda que se mantém fora das ruas e deixou de ir gritar para as televisões; 5) um pragmatismo que o leva a borrifar-se para a estratégia política prometida, porque a prioridade continua ser o cumprimento das regras europeias; 5) uma postura optimista e sorridente que o distancia do ar macambúzio de Passos.
O resultado dos pontos 1 a 5 é este: tudo corre bem a António Costa. Ainda que no final do mês o dinheiro que sobra na carteira dos portugueses seja o mesmo que sobrava no tempo de Passos Coelho, o que antes era uma terrível tempestade agora é um quadro de William Turner. Com a habitual ciclotimia portuguesa, a besta passou a bestial. Voltámos a ser os maiores: campeões europeus a jogar à bola, campeões europeus a cantar, campeões europeus a acreditar. Passem os lápis de cera, por favor – sinto uma necessidade urgente de desenhar passarinhos a chilrear.