A ver o Papa em Fátima: “Sinto-me aliviada, sem medo. Não me dói nada”
O Papa que passou por Fátima era um homem “cansado”,“humilde”, “do povo”,“maravilhoso”, segundo os crentes que ali o foram ver e que saíram “cheios de tudo”.
Ainda o papamóvel não tinha chegado à saída do recinto do santuário, logo a multidão começou a desfazer-se, fechando cadeiras, enfiando sacos cama e cobertores nas mochilas, lenços brancos guardados já dentro dos bolsos. Carminda Mendes não. Com 69 anos, olhava a multidão a desfazer-se, parada, olhos húmidos, sem pressa. “Sinto-me aliviada, sem medo. Não me dói nada. É como se estivesse a acordar de três dias inteiros a dormir”, diz.
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Ainda o papamóvel não tinha chegado à saída do recinto do santuário, logo a multidão começou a desfazer-se, fechando cadeiras, enfiando sacos cama e cobertores nas mochilas, lenços brancos guardados já dentro dos bolsos. Carminda Mendes não. Com 69 anos, olhava a multidão a desfazer-se, parada, olhos húmidos, sem pressa. “Sinto-me aliviada, sem medo. Não me dói nada. É como se estivesse a acordar de três dias inteiros a dormir”, diz.
Mentira: está neste sítio já lá vão quase 28 horas, com saídas apenas para a casa-de-banho do recinto. Casaco preto e cabelo curto, a emoldurar uma cara queimada pelo sol, ficou-lhe das palavras de Francisco uma estupefacção: “Mas por que é que o homem não dá a paz que ele pede ao mundo?”. E um consolo, que vem desde a noite quando ouviu Francisco lembrar à multidão de fiéis que a Virgem não é uma santinha a quem se recorre para pedir favores a baixo preço. “Nunca ouvi palavras tão acertadas”, concluiu. E garante que chegou a Fátima sem pedidos no bolso. “Vim só para agradecer. Tive um acidente e, durante nove horas, os médicos abriram-me a coluna toda. Tinham dito que o mais certo era ficar paralítica. Mas eu agarrei na minha cruz de Santa Caravaca e não a larguei. Os próprios médicos disseram que tinha sido um milagre, que foram guiados pela luz do Senhor…”.
O mais perto de um milagre que as irmãs Maria Rita e Cristina Espinheira estiveram foi nestas 48 horas que passaram no recinto do santuário, com direito a chuva e a sol – o céu só voltou a encobrir-se quando o Papa abandonou o recinto. Era vê-las, durante a missa de Francisco, vestidas de preto, a chorar de meia em meia hora, cobertores e cadeiras aos pés. Agarradas às grades, sempre, cabelo já a pedir lavagem, rosto vermelho do calor. “Temos mãe, viemos ouvir da boca do Papa que temos mãe!”, diz Maria Rita. E desata a chorar outra vez, o que só se percebe melhor quando a irmã conta que lhes morreu a mãe há menos de dois meses. “Saímos daqui cheias de tudo. Voltamos [para casa] cheias de tudo. A noite, as experiências, com os jovens a cantar, toda a gente a apoiar-se, as palavras do Papa, ai as palavras do Papa…”, enumera. E, ao mesmo tempo que leva as mãos ao peito, sustenta que as intervenções de Francisco confirmaram as suas suspeitas. “Ele é verdadeiramente um de nós, um homem do povo”.
Cristina, porém, achou-o muito debilitado. “Esta viagem não justifica aquele cansaço todo que lhe vimos. Já não temos este Papa cá outra vez”, vaticina, garantindo-se “descansada e em paz”, apesar do cansaço que também a ela lhe marca o rosto. Regressam agora a Paredes estas irmãs, pior está o brasileiro Luciano Xavier, que tem de atravessar o Atlântico. Disputadíssimo pelos jornalistas brasileiros, porque a sua história parece feita à medida: faz hoje 79 anos, ou seja, nasceu no dia 13 de Maio de 1938, e veio do estado do Paraná, o mesmo em que vive Lucas, o rapaz brasileiro que foi, segundo a Igreja, curado pela intercessão dos recentíssimos santos Francisco e Jacinta Marto. Ora, Luciano Xavier, que até é advogado, logo habituado a defender causas difíceis, garante que esse não foi o único milagre a ser concedido no Paraná. “A minha esposa andou nove e meses e tal num estado muito ruim. Era rim, hérnia de disco e outras complicações. Tenho dois filhos médicos mas, no dia em que eu prometi vir ao Centenário das Aparições, ela ficou boa. Recomeçou a andar!”. E, apontando-a ao fundo, apoiada num andarilho, põe-se a discorrer sobre o Papa, “simplesmente maravilhoso”. “Afinal”, prossegue, “quem mais seria capaz de fazer o que Francisco fez? Havia uma rixa entre o Brasil e a Argentina por causa do futebol. Ele, bom como é e humilde, acabou com essa rixa: todos os brasileiros que acreditam renderam-se a este Papa”. E, qual advogado de defesa, faz as alegações finais: “Francisco é chefe de Estado. Tem direito a tudo. E, veja, veio como peregrino!”.
Veio “como o Papa da Igreja renovada”, nas palavras de Maria Francisca, 69 anos, chegada desde Paços de Ferreira, depois de uma caminhada em que se fez voluntária “para ajudar a lavar os pés e essas coisas”, e que ainda não parou de se emocionar desde que chegou. “Há muito que ando a rezar por este dia. E ai, chorei tanto, tanto, que o meu coração até… “, hesita. E depois, lenço branco com a fotografia do Papa na cabeça e t-shirt idem aspas, desiste: “Isto não se conta, só estando aqui”. Apesar do que disse o Papa sobre a pedinchice à Virgem, Maria Francisca aproveitou a canonização de Francisco e Jacinta para lhes endereçar um pedido. Não para ela, entenda-se: “Pedi-lhes que rezem pela paz e que interfiram com aquele tolo da América. E pela Coreia do Norte também, que isto ninguém está livre…”