Jesus Cristo nunca existiu
O mediático e prolífico filósofo francês Michel Onfray publicou um livro imenso que descreve a história da civilização judaico-cristã, desde o seu nascimento até à sua iminente Décadence.
Não sabiam? Jesus Cristo nunca existiu. E nunca ninguém nos disse isso. Ou melhor: muitos historiadores, arqueólogos e investigadores até o fizeram, mas os seus trabalhos nunca conseguiram impor-se. O último que decidiu abordar de forma brilhante este tema tabu é Michel Onfray, em Décadence (Flammarion). Um livro ambicioso, com 600 páginas, mas que se devora de um fôlego. “O judaico-cristianismo triunfa não porque é verdade, mas porque é poder armado, coacção policiária, astúcia política, intimidação marcial. (.) A civilização judaico-cristã constrói-se sobre uma ficção: a de um Jesus que não terá jamais tido outra existência senão alegórica, metafórica, simbólica, mitológica. Não existe desta personagem qualquer prova tangível no seu tempo: com efeito, não se conhece qualquer retrato físico dele, nem na História da Arte que lhe seria contemporânea, nem nos textos dos Evangelhos, onde não se encontra qualquer descrição da personagem. (.) Esta ausência de corpo físico real parece prejudicar um exercício racional conduzido de forma correcta. No entanto, é com base neste puro delírio que se vai construir o pensamento ocidental judaico-cristão.”
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Não sabiam? Jesus Cristo nunca existiu. E nunca ninguém nos disse isso. Ou melhor: muitos historiadores, arqueólogos e investigadores até o fizeram, mas os seus trabalhos nunca conseguiram impor-se. O último que decidiu abordar de forma brilhante este tema tabu é Michel Onfray, em Décadence (Flammarion). Um livro ambicioso, com 600 páginas, mas que se devora de um fôlego. “O judaico-cristianismo triunfa não porque é verdade, mas porque é poder armado, coacção policiária, astúcia política, intimidação marcial. (.) A civilização judaico-cristã constrói-se sobre uma ficção: a de um Jesus que não terá jamais tido outra existência senão alegórica, metafórica, simbólica, mitológica. Não existe desta personagem qualquer prova tangível no seu tempo: com efeito, não se conhece qualquer retrato físico dele, nem na História da Arte que lhe seria contemporânea, nem nos textos dos Evangelhos, onde não se encontra qualquer descrição da personagem. (.) Esta ausência de corpo físico real parece prejudicar um exercício racional conduzido de forma correcta. No entanto, é com base neste puro delírio que se vai construir o pensamento ocidental judaico-cristão.”
Michel Onfray, apoiando-se em numerosas referências e em textos incontestáveis, lança-se à desconstrução da “fábula” de Jesus Cristo, sobre a qual repousa a nossa civilização. Mas também expõe de maneira incisiva as incoerências, as contradições, os absurdos, as mentiras, as violências, os crimes e as loucuras que balizaram a construção da civilização ocidental. Dessa acumulação de acontecimentos, retira as pistas que explicam o sucesso inicial da conquista judaico-cristã do mundo, e depois as etapas do seu enfraquecimento.
Em primeiro lugar, a concepção contranatura do corpo humano que a religião cristã impõe: “O corpo de Jesus criança obedece às mesmas leis que o corpo de Jesus adulto: ele não come, não bebe, não ri, não dorme, não sonha, não sofre; não tem qualquer desejo, não se lhe conhece qualquer paixão; não é afectuoso, não é amável com o seu pai, até lhe desobedece; não tem qualquer relação com as raparigas, e a única mulher da sua comitiva é a sua mãe.” E a propósito de Paulo de Tarso (São Paulo), o primeiro verdadeiro obreiro da conquista cristã, que vai projectar as suas próprias deficiências físicas na doutrina cristã: “(.) o ódio dos corpos e da carne, o desprezo das mulheres e da sexualidade, o convite à castidade ou à abstinência, a noção de uma virgem que dá à luz ou a imitação do cadáver do Corpo de Cristo, eis alguns dos padrões do corpo judaico-cristão, infligidos aos ocidentais durante mais de mil anos e que procedem em linha directa do corpo débil e doente de Paulo de Tarso. (.) o seu propósito ensinou a milhões de homens e de mulheres o prazer no sofrimento.”
Em seguida, Onfray estuda longamente o papel primordial da violência física no processo de conquista, e desenha uma comparação cruel entre as palavras de paz e de amor de Cristo e o seu desvirtuamento por parte daqueles que se apresentam como os homens de Deus. Como Constantino, o primeiro imperador romano a abraçar a religião cristã: “Este homem que não hesita em matar e mandar matar, em dizimar a sua família e a sua comitiva, que elimina a sua própria esposa e o seu filho com o pretexto de que eles teriam mantido uma relação obscura, não é nem um intelectual ou um filósofo, nem um poeta ou um pensador; é um senhor da guerra cínico e brutal, uma máquina de matar e destruir tudo o que se coloque no seu caminho. É ele que vai impor o cristianismo ao Império e fazer dessa pequena seita, escolhida pelas suas características para assegurar o seu poder de monarca único sobre o Império, uma religião planetária.”
Michel Onfray oferece numerosos exemplos desses massacres perpetrados em nome de Deus, ao longo da História. Por exemplo, aquando da conquista da América pelos colonos espanhóis no século XV: “(o padre e historiador) Las Casas descreve os índios como simples e doces, bons e generosos, pacíficos e obedientes. (.) Os cristãos espanhóis comportam-se com eles como se fossem lobos, tigres e leões em face de gazelas: ‘(.) tudo o que fazem é desfazê-los em pedaços, matá-los, inquietá-los, afligi-los, atormentá-los, e destruí-los através de crueldades estranhas, novas, variadas, jamais vistas, jamais lidas, jamais ouvidas.’ Dos três milhões que compunham aquela comunidade, não haverá agora mais do que 200, escreve o dominicano. (.) Por que razões terão os cristãos exterminado este povo que nunca os tinha ofendido, criticado ou atacado? Pelo ouro, pela prata e pelas riquezas, pelo poder, as honras e a ambição, pelos títulos e pelo domínio.”
Quando acontece em Lisboa, em 1755, o dramático terramoto que arrasa a cidade, a Igreja vê nisso um sinal da cólera de Deus e aí encontra uma oportunidade de sobrecarregar o povo martirizado, desprezando as provas científicas. “Em Lisboa, Deus contrai a doença que em breve lhe vai lançar”, escreve Onfray.
Para compreender a perda de influência da religião cristã, o autor desenvolve ao longo da obra várias teses: a primeira, como já vimos, é a negação da realidade (humana, científica) a favor da efabulação. A segunda tese que explica o enfraquecimento da nossa civilização é que o ressentimento e a maldade se apoderam dos homens, para assim se vingarem das suas tristes existências, favorecendo os regimes violentos: a Revolução Francesa de 1789, depois os mar-xismos-leninismos, depois os fascismos.
A Igreja compromete-se com todos os regimes fascistas, e é isso que levará à sua perdição, acabando por se descredibilizar: “O fascismo protegeu efectivamente o cristianismo contra a ameaça bolchevique. O cristianismo oficial tornou-se assim o companheiro de estrada de todos os fascismos — o primeiro, de Mussolini, mas também os que se seguiram, como o de Franco em Espanha, o de Hitler na Alemanha, o de Pétain em França, e mais tarde o dos coronéis na Grécia, ou os das ditaduras da América do Sul nos anos 70 (.). As tropas soviéticas libertaram Berlim. Hitler suicidou-se no seu bunker a 30 de Abril de 1945. O que faz o Vaticano? Continua a apoiar o regime derrubado. A Igreja nunca teve uma palavra de condenação das atrocidades nacionais-socialistas após a morte do Fuhrer. Mais: tendo-se mostrado incapaz de ajudar um único judeu a escapar à morte programada pelos nazis, ela organiza uma rede que, através dos mosteiros e de passaportes do Vaticano (.), permite aos dignitários nazis abandonar a Europa e assim escapar aos tribunais.”
O ciclo da religião cristã não é o único objecto de estudo deste livro. O autor consagra numerosas páginas ao nascimento e à ascensão do Islão. Demonstra, como sempre através de sólidas referências históricas e da análise de textos religiosos, que as três religiões do Livro, os três monoteísmos, utilizam métodos de conquista e de dominação semelhantes. E, de uma forma geral, com as mesmas consequências sobre as sociedades humanas.
Michel Onfray passa em seguida em revista a época contemporânea, com as revoluções culturais dos anos 70 e o aumento de influência das correntes filosóficas que, na sua opinião, ignoraram e inverteram o antigo sistema de valores; a hegemonia dos meios de comunicação modernos e dos novos tempos mediáticos, curtos, demasiado curtos, fúteis, imbecilizantes; a mutação do mundo artístico, que já não fala de Deus e se vira para uma produção contemporânea desconcertante; a evolução dos costumes e o lugar concedido às minorias. Aqui o discurso torna-se bastante contestável, mas no sistema de pensamento de Michel Onfray, e é ele que o garante, não há lugar a qualquer julgamento de valor, simplesmente à observação dos factos, nada mais do que os factos. Seja. Deixamos ao leitor a tarefa de definir a sua própria ideia. Qualquer que ela seja — e é esta a tese principal de Décadence —, toda a civilização apenas se constrói sobre uma religião. “Uma civilização não produz uma religião, é a religião que produz a civilização.” E quanto mais a religião definha, mais o fim se aproxima. Não digam que não foram avisados.