Parecer põe em causa acesso de secretas a dados de comunicações
Conselho de Ministros aprovou ontem regime que faz depender acesso dos espiões a metadados da autorização prévia do Supremo Tribunal de Justiça. PSD aberto a estudar proposta.
No dia em que o Conselho de Ministros aprovou o acesso a dados de tráfego das telecomunicações pelos serviços secretos portugueses, a Comissão Nacional da Protecção de Dados divulgou uma deliberação a questionar uma das leis em que se baseia este regime, que tem permitido até aqui às polícias acederem a essa informação.
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No dia em que o Conselho de Ministros aprovou o acesso a dados de tráfego das telecomunicações pelos serviços secretos portugueses, a Comissão Nacional da Protecção de Dados divulgou uma deliberação a questionar uma das leis em que se baseia este regime, que tem permitido até aqui às polícias acederem a essa informação.
Dos chamados metadados a que o Serviço de Informações de Segurança e o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa, de acordo com a proposta do Governo, poderão vir a ter acesso, se autorizados previamente por um painel de juízes do Supremo Tribunal de Justiça, não faz parte o conteúdo das chamadas telefónicas ou outro tipo de telecomunicações, mas apenas informações de tráfego relacionadas com os seus destinatários, horários ou datas, por exemplo, seja via telemóvel, telefone ou Internet. Através destes dados é possível saber onde estava determinada pessoa a determinada hora - e eventualmente até com quem.
A proposta do executivo é cuidadosa, de forma a tentar evitar as questões de inconstitucionalidade que se levantaram no passado em relação a esta questão. Se o acesso aos dados de base e de localização do equipamento, que compreendem a identificação e morada dos utilizadores dos serviços de telecomunicações e a sua posição geográfica, pode ser justificado por suspeitas de uma variedade de crimes que vai do terrorismo à criminalidade altamente organizada, já o acesso a dados de tráfego só é possível se houver indícios de espionagem ou terrorismo.
Por outro lado, a autorização aos serviços secretos de acesso a esses dados tem de ser comunicada à Procuradoria-Geral da República, estando vedada às secretas a interconexão em tempo real com as bases de dados dos operadores de telecomunicações e Internet. O acesso dos espiões aos dados de tráfego dos suspeitos não pode exceder os seis meses. A proposta fala mesmo em “proibição do excesso”, de forma a fique interdito o acesso indiscriminado de todos os dados de telecomunicações de determinada pessoa. “Não se admite aquisição de informação em larga escala, por transferência integral dos registos existentes”, pode ler-se.
O líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, confirmou entretanto que o partido mantém "disponibilidade e abertura" para avaliar a proposta do Governo sobre o acesso das secretas aos metadados.
E estas são também as preocupações referidas pela Comissão Nacional da Protecção de Dados, a propósito de uma lei já em vigor sobre esta matéria. A comissão invoca várias decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia para instar a Assembleia da República a rever uma lei de 2008 que transpôs uma directiva europeia sobre o assunto entretanto revogada – por ter sido considerada demasiado intrusiva da privacidade e por essa via limitar até a liberdade de expressão de todos quantos não se sentem à vontade para falar livremente ao telefone, mesmo nunca tendo cometido crime nenhum.
Em causa está a lei 32/2008, que obriga as operadoras que operam em território nacional a conservar durante um ano os dados de tráfego e de localização das comunicações electrónicas de toda a gente. “Como sublinha o Tribunal de Justiça da União Europeia, embora a eficácia da luta contra a criminalidade grave possa depender em larga medida da utilização de técnicas modernas de investigação, um objectivo geral desse tipo não pode por si só justificar que uma regulamentação nacional que prevê a conservação generalizada e indiferenciada dos dados de tráfego e de localização seja considerada necessária para efeitos da referida luta”, refere a Protecção de Dados na deliberação divulgada ontem.
Para este organismo independente, semelhante violação da carta dos direitos fundamentais da União Europeia, no que ao respeito pela vida privada concerne, exige que seja definido um novo quadro jurídico de retenção dos dados pessoais no âmbito das telecomunicações que permita, a título preventivo, uma conservação selectiva dos dados de tráfego e de localização das pessoas. No caso de estar sob a mira das autoridades alguém suspeito de se encontrar a preparar um crime grave, a recolha e conservação dos dados deve ser balizada em função de um critério geográfico e por um período de tempo definido. “O que permitiria a conservação de todos os dados de tráfego e de localização na área de Fátima por ocasião da visita papal”, exemplifica a Protecção de Dados.