Violência da América Central é crise humanitária escondida
Relatório dos Médicos Sem Fronteiras chama atenção para a situação das pessoas que fogem da violência nas Honduras, El Salvador e Guatemala.
As pessoas que deixam as Honduras, El Salvador e Guatemala são muitas vezes vistas como migrantes económicos mas, segundo os Médicos Sem Fronteiras, esta visão é redutora – e errada.
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As pessoas que deixam as Honduras, El Salvador e Guatemala são muitas vezes vistas como migrantes económicos mas, segundo os Médicos Sem Fronteiras, esta visão é redutora – e errada.
Estes três países, que compõem o chamado "Triângulo Norte da América", são caracterizados por níveis de violência sem precedentes fora de uma zona de guerra, dizem os MSF. No total, entre o país e o caminho que fazem para chegar a um lugar seguro, 92% dos 1817 migrantes e refugiados que a organização tratou em dois anos sofreram pelo menos um episódio de violência.
A maioria dos migrantes está a fugir de perigos no seu país – e muitos mais sofrem ainda na rota que os leva a procurar segurança passando pelo México até aos Estados Unidos.
Nas Honduras, El Salvador e Guatemala os cidadãos são assassinados com impunidade, raptos e extorsões são ocorrências diárias, e gangues perpetuam a violência recrutando com violência e usando violência sexual como arma, sublinham os MSF no relatório "Obrigados a fugir do Triângulo Norte da América Central: uma Crise Humanitária Negligenciada". As taxas de homicídio são das maiores do mundo: em El Salvador, por exemplo, há uma média de 103 assassínios por 100 mil habitantes. É maior do que em alguns países em guerra.
Mais de metade dos salvadorenhos tiveram alguém da família morto violentamente por um gangue; nas Honduras e Guatemala a percentagem é de 44% (para o relatório a organização, que tem dado apoio nesta rota desde 2012, entrevistou 467 pessoas em dois anos).
E é também cerca de metade os que dizem que a violência é o principal motivo para terem saído do país. Uma percentagem significativa (34,9%) declararam ter mais de um motivo ligado a violência.
O problema só se agrava no caminho, em que quase 70% sofrem ataques violentos; e um terço é vítima de violência sexual.
Cumplicidade da polícia
Uma mulher de 35 anos, das Honduras, tentou três vezes passar no México, sem sucesso. Da última vez, tudo foi pior. “Foi a quarta vez que tentei atravessar o México, mas antes nunca se tinha passado nada disto”, contou a uma equipa dos MSF. “Desta vez, vim com o meu vizinho. Ficámos reféns de um grupo de bandidos. O pior é que eles também eram das Honduras. A polícia era cúmplice deles, e tanto eu como o meu vizinho fomos entregues a membros do gangue. Fui violada. Puseram uma faca no meu pescoço, por isso não resisti. Tenho vergonha de dizer isto, mas acho que teria sido melhor se me tivessem matado”.
A escala é tal que os MSF falam de uma “genuína crise humanitária” que está no entanto escondida e é ignorada por todos os governos da região. E que só é piorada por políticas de restrição de imigração, como pretende o Presidente norte-americano Donald Trump, incluindo um muro na fronteira com o México. “Estas estratégias têm consequências devastadoras para as vidas e saúde das pessoas em trânsito”, declarou Bertrand Rossier, chefe de missão dos MSF no México.
“Ainda que haja algumas pessoas a sair destes países para procurar melhores oportunidades económicas, o quadro que surge no nosso relatório é o de pessoas vulneráveis aterrorizadas a fugir pela sua vida e as das suas famílias”, disse ainda Rossier. “Jogar com medos do público e ver estas pessoas meramente como uma questão de segurança ou económica é ter pouca visão”.