Eduardo Jorge, tetraplégico, entrega-se aos cuidados de Marcelo e Costa

Em protesto contra o modelo de vida independente proposto pelo Governo, Eduardo Jorge vai estar deitado frente ao Parlamento, durante quatro dias.

Foto
Eduardo Jorge em 2014, após a marcha de protesto de 180 quilómetros em cadeira de rodas Miguel Madeira/Arquivo

Durante quatro dias, de 21 a 24 de Maio, Eduardo Jorge vai entregar-se aos cuidados do Presidente da República, do primeiro-ministro e do ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Eduardo Jorge tem 54 anos e é tetraplégico desde os 28. No final do mês, permanecerá deitado em frente à Assembleia da República e só aceitará os cuidados de Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e Vieira da Silva.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Durante quatro dias, de 21 a 24 de Maio, Eduardo Jorge vai entregar-se aos cuidados do Presidente da República, do primeiro-ministro e do ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Eduardo Jorge tem 54 anos e é tetraplégico desde os 28. No final do mês, permanecerá deitado em frente à Assembleia da República e só aceitará os cuidados de Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e Vieira da Silva.

É ele quem o afirma numa carta dirigida a estes responsáveis em protesto pelo Modelo de Apoio à Vida Independente, proposto pelo Governo e que deverá ir em breve a Conselho de Ministros. Eduardo Jorge, que actualmente está a viver num lar de idosos, já fez uma greve de fome em 2013 e uma marcha de protesto de 180 quilómetros em cadeira de rodas, em 2014, o que o tornou conhecido como activista. Luta por uma “verdadeira vida independente”, algo que, denuncia, não é, de modo algum, garantido pelo modelo que tem vindo a ser discutido.

A proposta do Governo prevê a disponibilização de assistência pessoal a pessoas com deficiência até um máximo de oito horas por dia. Na contestação que apresentou em Fevereiro, quando o documento esteve em discussão pública, Eduardo Jorge questionava o seguinte: “Como é possível limitarem a nossa liberdade ao máximo de oito horas diárias? As restantes 16 ficamos na cama?” Foi para evitar esse destino que, em Julho de 2015, deu entrada num lar de idosos. “Não é bom para a sanidade mental de ninguém”, desabafa, depois de referir que em Portugal só existem dois lares legais destinados a pessoas com deficiência.

Enquanto estava na sua casa, o Estado tinha-lhe disponibilizado uma assistente pessoal oito horas por dia, mas as noites e os fins-de-semana ficavam por sua conta e o dinheiro disponível não chegava para garantir o apoio permanente de que necessitava, relatou ao PÚBLICO que, no final de 2015, realizou um documentário acompanhando os seus dias e a sua luta.    

É com o objectivo de dar a conhecer as necessidades de pessoas que, como ele, são totalmente dependentes dos cuidados de terceiros que Eduardo Jorge desafia agora Marcelo, Costa e Vieira da Silva a servirem de seus assistentes pessoais. O mapa dos cuidados a prestar, que passa por ajudar a deitar ou a levantar, mudar de posição, fazer a higiene e dar de comer, acompanha a carta que dirigiu àqueles responsáveis. 

Nesta missiva, Eduardo Jorge, que actualmente tem um contrato de trabalho como assistente social na associação a que pertence o lar onde vive, volta a lembrar os princípios de vida independente, que foram delineados numa conferência internacional sobre o tema realizada em Lisboa, em 2013. “A filosofia de vida independente é clara: o dinheiro é-nos atribuído directamente e somos nós a escolher no mercado assistentes pessoais ou empresas, sejam elas privadas ou pertencentes à economia social, que melhor sirvam as nossas necessidades.”

Na carta diz também isto: “Para nós, vida independente é passarmos a ser os donos das nossas vidas, termos um assistente pessoal ao nosso lado, sem imposições economicistas, que substitua os nossos braços, mãos, olhos, ouvidos e pernas, de maneira a sermos livres como os demais”.

A proposta do Governo, que esteve em consulta pública até 17 de Março, deverá começar a ser testada ainda este ano, sob a forma de projectos-piloto que poderão abranger cerca de 200 pessoas. O financiamento será assegurado por verbas do programa Portugal 2020, estimando-se um valor de cerca de 15 milhões de euros. “Estava à espera muito mais da secretária de Estado [da inclusão das pessoas com deficiência], que esteve na luta connosco”, comenta Eduardo Jorge, que deixa o aviso: à excepção dos destinatários da sua carta, não vai deixar que ninguém lhe toque enquanto permanecer frente ao Parlamento.