Os festivais literários são mesmo úteis para as escolas?
É cada vez mais comum os escritores deslocarem-se às salas de aula para falar de livros, escrita e leitura. Quisemos saber se essa prática serve às escolas ou só às editoras e livrarias. Pretexto: Livros a Oeste, a decorrer na Lourinhã.
As escolas habituaram-se a abrir as portas a escritores (e ilustradores) ao longo do ano, mas, sempre que há um festival literário por perto, a afluência e frequência aumentam. Serve a quem?
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As escolas habituaram-se a abrir as portas a escritores (e ilustradores) ao longo do ano, mas, sempre que há um festival literário por perto, a afluência e frequência aumentam. Serve a quem?
“É muito útil para os alunos”, diz Ana Rute Bento, coordenadora interconcelhia das bibliotecas escolares da Lourinhã, e descreve: “Os encontros fazem-se em ambiente acolhedor e conhecido (porque é na escola) e também de festa (porque há muitas actividades culturais por perto).” Garante que alguns alunos mostram “mais vontade de ler” e, durante o ano, querem saber quem são os próximos escritores a visitá-los.
Já Luísa Cerveira, professora bibliotecária em Miragaia, valoriza o efeito dos encontros nos professores: “Ficam na expectativa de saber qual o programa” de cada festival que se aproxima. Isto porque “os temas são sempre interessantes e vão ao encontro das necessidades curriculares das escolas”. E felicita o esforço da Câmara da Lourinhã e dos Livros a Oeste nesse sentido, o de “apoiar o cumprimento das metas curriculares”.
Este ano, há formação certificada para os docentes, sob o tema (Re) Criar Narrativas. “A certificação mobiliza mais professores, que estão sempre assoberbados de trabalho, mas assim têm algum retorno do esforço”, diz Luísa Cerveira, que recorda o benefício para as escolas no ano passado, quando se exploraram temas à volta da educação literária. “Os festivais são uma ajuda, não são um peso.”
Para o programador do Livros a Oeste (que decorre até sábado, 13), João Morales, a aposta nas escolas é óbvia: “Não há adultos que nasçam leitores. Nós queremos formar leitores e ajudar a consolidar hábitos de leitura.”
O tema geral desta edição do festival traduz-se por Ler É Viver (Outras Vidas). O jornalista descodifica: “A leitura é uma possibilidade de viver várias vidas, de sermos outras pessoas e de vermos com outros olhos. Queremos que os miúdos pensem nisto e percebam que a leitura é agradável e faz parte da vida. Vai ajudá-los a ter um olhar crítico sobre o mundo.”
As editoras e livrarias também ganham com isso, não? “Claro!”, exclama Morales, “se cada um fizer bem o seu papel, temos todos a ganhar, se as editoras e livrarias venderem livros, óptimo”. E compara, divertido: “Se eu quiser promover uma alimentação saudável, não estou necessariamente a publicitar uma marca de sumos ou de saladas…”
Ajuda prática para os professores
A formação dos professores que se iniciou nesta edição resultou de um equilíbrio entre “necessidades” e “novidades”, explica Morales, orgulhoso com o painel de formadores e com a adesão dos docentes da região, que deseja que se alargue a outros territórios nos próximos anos. “É uma formação prática e pragmática, para se poder usar, de verdade, em sala de aula.”
O resultado é um programa “intensivo” de várias horas, repartido em três dias, mas distribuído “suavemente” por oradores com valências “diferentes e originais” (uma hora para cada): Maria do Rosário Monteiro revela como “cada mito é uma parte do homem”; Maria Antónia Oliveira fala de diário e biografia, “a vida escrita na primeira e na terceira pessoa”; Mafalda Milhões, em “companheiros de aventura”, mostra como as livrarias podem trabalhar em parceria com as bibliotecas escolares; Rui Ramos, mestre da oralidade, ajudará os professores a ler em voz alta, na sua “narrativa a céu aberto”; Rui Zink, pioneiro na escrita participada online, partilhará o que sabe sobre “leitura criativa”; André Gago, actor e declamador, desvendará técnicas eficazes para que os professores consigam conquistar e manter a atenção dos alunos, no módulo “ler e contar é viver e inventar”.
A coordenadora das bibliotecas da Lourinhã falou com o PÚBLICO depois de ter participado numa reunião em que esteve presente uma das professoras-formandas inscritas no (Re) Criar Narrativas: “O seu entusiasmo pelas primeiras sessões foi tal que os colegas que não se inscreveram lamentaram bastante não o ter feito.” A sua expectativa é de que para a próxima edição a adesão seja ainda maior.
Luísa Cerveira, por sua vez, lembra que o facto de haver por estes dias oferta cultural gratuita no concelho, “que necessita que os cidadãos desfrutem de algo diferente”, é não só “interessante”, como incute “mudança nos hábitos das pessoas”.
De Manuel Alegre a frei Fernando Ventura
O festival começou na terça-feira, dia 9, e prolonga-se até domingo, 13 de Maio. O “contratempo” da tolerância de ponto para a programação com as escolas foi ultrapassado com as actividades a serem transferidas para colégios privados e com o adiamento de encontros com escritores para datas fora do calendário do Livros a Oeste.
A sessão com o poeta Manuel Alegre no primeiro dia do festival encheu o Auditório do Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira. Ali se apresentou a edição dos 50 anos de O Canto e As Armas. Segundo as palavras da editora do autor, este é “o livro de uma geração, mas que se prolongou no tempo enquanto voz de esperança numa pátria livre e de denúncia da opressão política da ditadura salazarista, da guerra colonial, da emigração e do exílio, a que muitos portugueses, como o próprio poeta, foram condenados”.
Para a noite desta quinta-feira, “há uma grande expectativa” para a tertúlia “Creio na palavra”. Na mesa, às 21h30, estarão à conversa os escritores Afonso Cruz e Rui Zink (habituais participantes no Livros a Oeste) e frei Fernando Ventura (que se estreia a participar neste festival).
Diz Morales, que irá moderar o debate: “Afonso Cruz estudou várias religiões e elas aparecem sob diferentes formas nos seus livros. O mais recente título de Rui Zink é O Livro Sagrado da Factologia. Frei Fernando Ventura é um religioso de open mind…” Por isso, espera “uma conversa bastante animada, entre seitas, religiões, aparições e muito bom humor”.
O festival encerra no sábado, às 21h30, com um espectáculo de Sérgio Godinho, que na sexta-feira, às 18h30, apresentará o seu livro Coração Mais que Perfeito e, às 21h30, participará na tertúlia “Portugal: striptease de um país”, com Manuel da Silva Ramos e Miguel Real (Auditório do Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira).
Outros convidados para esta edição: Mário Zambujal, Helena Vasconcelos, Cristina Carvalho, Isabela Figueiredo, António Mota, Olinda Beja, Rita Taborda Duarte, Fernando Pinto do Amaral, Cristina Norton, Natália Luiza, José do Carmo Francisco, Rui Miguel Tovar (escritores); Filipe Lopes, Isabel Galvão, Rosa Mendes Vilas Boas (projectos de leitura inclusiva), Margarida Botelho, Maria João Lima, Ana Bossa, Pedro Proença (designers e ilustradores).
Em paralelo, há exposições, peças de teatro, animação de rua, feira do livro e vários workshops. No ano passado, o Livros a Oeste chegou a 1700 alunos.