Quase metade dos alunos mais carenciados tem negativa a Matemática
Novo estudo da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência mostra que ainda há muito a fazer para que “a escola pública cumpra o seu papel nivelador de oportunidades entre alunos oriundos de diferentes estratos socioeconómicos”.
Há um fosso brutal entre as notas que os alunos carenciados obtêm e aquelas que são conseguidas por estudantes de meios mais favorecidos. E isso acontece logo em idades precoces, como é o caso do 2.º ciclo de escolaridade, onde os alunos têm entre 10 e 12 anos de idade.
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Há um fosso brutal entre as notas que os alunos carenciados obtêm e aquelas que são conseguidas por estudantes de meios mais favorecidos. E isso acontece logo em idades precoces, como é o caso do 2.º ciclo de escolaridade, onde os alunos têm entre 10 e 12 anos de idade.
Um estudo divulgado ontem pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), que foi feito pela primeira vez com base nas classificações internas dadas pelos professores aos alunos que frequentavam o 6.º ano de escolaridade em 2014/2015, mostra que na Matemática, por exemplo, a percentagem de negativas obtidas pelos alunos que estão no escalão A da Acção Social Escolar (ASE) é mais do dobro (48%) daquela registada entre os alunos de meios favorecidos (20%). Ou seja, metade dos alunos do escalão A tem negativa a Matemática, um dado tanto mais preocupante quanto o mesmo estudo revela que as negativas a esta disciplina são as mais difíceis de recuperar.
A ASE é atribuída a alunos oriundos de agregados com rendimentos iguais ou inferiores ao salário mínimo nacional e está dividido em dois escalões — A e B, sendo o primeiro o dos estudantes mais carenciados.
Olhando para os resultados, “não deixa de impressionar a regularidade e a intensidade da correlação entre as classificações dos alunos nas disciplinas e o seu contexto socioeconómico”, frisa a DGEEC, para especificar que “as diferenças de desempenho escolar entre os três grupos de alunos são extremamente vincadas e surgem, de forma transversal, em praticamente todas as disciplinas curriculares”. Embora os efeitos do contexto socioeconómico sejam sobretudo “muito marcados nas disciplinas de teor mais académico” como Matemática, Inglês, História e Geografia de Portugal, Português e Ciências Naturais.
Em todas estas disciplinas, a percentagem de negativas no grupo dos estudantes que estão no escalão A da ASE, embora menor do que a Matemática, também é o dobro daquela verificada entre os estudantes de meios favorecidos. “Parece assim ser inegável que, em Portugal, o sistema educativo terá de continuar a trabalhar para que a escola pública cumpra o seu papel nivelador de oportunidades entre alunos oriundos de diferentes estratos socioeconómicos”, sublinha a DGEEC.
Sistema injusto
“Estes dados confirmam que o nosso sistema educativo democrático, que acolhe todos, é ainda muito injusto, porque é fortemente selectivo para alguns, os de sempre, os mais pobres e com contextos familiares e sociais mais desfavorecidos”, comenta o investigador da Universidade Católica Portuguesa (UCP) Joaquim Azevedo. O investigador na área da Educação chama a atenção para o facto de estes dados confirmarem assim também “que o melhor preditor do sucesso escolar e da permanência no sistema escolar é a origem sociocultural e económica dos alunos”.
A socióloga Maria Álvares, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, do ISCTE, lembra que “desde os anos 70 que se sabe que os alunos de meios socioeconómicos mais desfavorecidos precisam de mais tempo para aprenderem conteúdos mais teóricos e abstractos por serem menos habituais nos seus contextos de inserção”. A partir dos anos 1990, acrescenta, foram promovidas “aprendizagens mais práticas, mais atractivas para os alunos, de forma aproximá-los da escola, promovendo o gosto e o prazer de aprender”. Ora, frisa, “esta é uma linha que foi totalmente abandonada” pelo Governo anterior.
Joaquim Azevedo defende que é necessário atacar “os problemas de desenvolvimento escolar e humano logo que eles surgem, dando meios ao pré-escolar e ao 1.º ciclo para realizarem essas intervenções precoces, apoiando a capacitação das escolas e dos educadores para o fazerem com qualidade”. “Sem bons alicerces não há edifício que resista”, sublinha.
Para a investigadora Isabel Flores, que analisou os resultados dos alunos portugueses nos testes do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA na sigla inglesa), os dados revelados agora pela DGEEC confirmam as tendências registadas nos desempenhos dos jovens portugueses de 15 anos nas provas de literacia a Matemática, Ciências e Leitura promovidas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico. Ou seja, que os alunos oriundos de estratos mais desfavorecidos têm maior probabilidade de obterem maus desempenhos. Isabel Flores lembra a propósito que, aos 15 anos, 85% dos alunos que já repetiram de ano provêem de classes desfavorecidas.
Falhanço a Matemática
Mas esta investigadora também considera que os dados da DGEEC mostram uma outra face revelada pelos testes PISA: que há uma percentagem significativa de alunos que conseguem superar o meio de onde vêm. São os chamados “resilientes”. E lendo os gráficos ao contrário, pode ver-se que entre os mais desfavorecidos são mais de metade os que conseguem positiva a Matemática, frisa Isabel Flores.
No estudo da DGEEC, Matemática mostra-se mais uma vez como a disciplina-papão. É a que reúne maior percentagem de negativas no 5.º (26%) e 6.º ano (30%). É também aquela em que se revela mais difícil recuperar de negativas anteriores: só 21% dos alunos que transitaram do 5.º para o 6.º ano com negativa a Matemática conseguiram recuperar essa negativa no 6.º ano. E mesmo repetindo os mesmos conteúdos, que é o que acontece quando se chumba de ano, “a maioria dos alunos retidos com negativa a esta disciplina não conseguiu recuperar essa negativa no ano lectivo seguinte”, acentua a DGEEC.
“Não é fazendo mais do mesmo que os alunos vão conseguir recuperar”, alerta a propósito a presidente da Associação de Professores de Matemática, Lurdes Figueiral, para quem os dados revelados pela DGEEC vêm confirmar que o ensino daquela disciplina “não está a ser eficaz no sentido de levar os alunos a obterem aprendizagens significativas”. A dirigente aponta mais uma vez o dedo ao novo programa de Matemática do ensino básico, que já foi seguido pelos alunos abrangidos por este estudo, repetindo que “este é desajustado” em relação à idade destes estudantes “.
“Oxalá o actual Governo tenha a coragem de mudar o que precisa de ser mudado”, repete Lurdes Figueiral, que defende ainda a necessidade de se lançar um novo Plano de Acção para a Matemática. Este projecto, desenvolvido pela ex-ministra Maria de Lurdes Rodrigues, apostou essencialmente na formação de professores.
Notícia corrigida às 9h37 de 09/05/2017: o nome correcto da socióloga citada neste texto é Maria Álvares e não Maria Esteves