De trincheira em trincheira
Alguém tem dúvidas de que, se tudo continuar na mesma, a agenda populista mantém todas as condições para crescer?
Em 2000, a Europa chocou-se com a ascensão minoritária ao poder, na Áustria, de um partido de extrema-direita. Viena foi posta de “quarentena” e o episódio parecia ter funcionado como uma vacina para garantir que essa sombra negra não mais regressaria.
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Em 2000, a Europa chocou-se com a ascensão minoritária ao poder, na Áustria, de um partido de extrema-direita. Viena foi posta de “quarentena” e o episódio parecia ter funcionado como uma vacina para garantir que essa sombra negra não mais regressaria.
Dois anos mais tarde, Jean-Marie Le Pen, o negacionista desculpabilizador do colaboracionismo, chegou à segunda volta presidencial em França. A “frente republicana” ergueu-se, chocada, e votou Chirac. A Europa regressou ao “business as usual”.
Hoje, um candidato atípico, com o pé e a gravata dentro do sistema, mas contestando os representantes tradicionais deste, derrotou um “remake” edulcorado do pai Le Pen, em quem bem mais do que um em cada três franceses já hoje confiam.
Vamos recuando, de vitória em vitória, até à trincheira da derrota final? Ou alguém tem dúvidas de que, se tudo continuar na mesma, a agenda populista mantém todas as condições para crescer, tendo mesmo como farol os EUA, onde uma política de extrema-direita (não tenhamos medo às palavras) faz o seu imperial caminho?
Derrotar Le Pen ou Wilders, travar o AfD e fazer frente a Orbán, contestar Trump ou denunciar o primarismo por detrás do “Brexit”, tudo são passos necessários mas insuficientes. Se a Europa — porque as respostas ou são europeias ou não serão verdadeiras soluções — não for capaz de apaziguar o mal-estar das pessoas, acalmar os seus medos, atenuar as suas múltiplas inseguranças, gerando confiança no futuro e nas lideranças de turno, daqui a meses regressaremos a uma nova trincheira.
Será Macron capaz de impulsionar diferentes políticas europeias? Mas que autoridade externa pode vir a ter alguém que passa a liderar um país em evidente perda de velocidade competitiva, um dos “doentes” mais notórios da Europa, atravessado gravemente pela “malaise” que aduba os extremismos, de esquerda ou de direita? Até que ponto Angela Merkel estará disposta, na iminência do abismo europeu, a ajudar a França a com ela pilotar soluções diferentes para o futuro imediato?
Dentro de seis semanas, ver-se-á com que maioria parlamentar Emmanuel Macron poderá vir a governar. Se o seu movimento En marche! não vier a ter um espetacular e pouco provável sucesso maioritário no sufrágio, terá que constituir uma coligação heteróclita que dificultará a colocação em prática do seu programa. Na oposição, terá uma Frente Nacional que tem condições de sair desse mesmo sufrágio como o maior partido de França e uma esquerda que pode vir a ter mais força nas ruas do que no Parlamento.
Macron terá assim meses difíceis à sua frente. Por um lado, procurará potenciar as hipóteses do En Marche!, dramatizando a crise de governabilidade que pode aí vir. Contudo, terá de fazê-lo não hostilizando demasiado Os Republicanos de Sarkozy, bem como alguma esquerda mais moderada, de cuja boa vontade pode vir a necessitar para não ficar refém exclusivo da direita. É um caminho muito estreito que não se pode excluir que venha a conduzir, no fim de contas, a uma maioria pouco coerente, titulada por um primeiro-ministro que, dependendo do sentido ideológico prevalecente, poderia ser (da direita para a esquerda) François Baroin, François Bayrou ou Gérard Collomb.
Mas tudo isto não passa de especulações de um analista que só tem uma certeza: um fracasso de Macron e uma crise política em França, a curto prazo, seria uma péssima notícia para a Europa. E, claro, para Portugal.