Marine Le Pen: A vida ao serviço do poder

A maturidade política da candidata da extrema-direita à presidência francesa começou de forma traumática. Tal como o pai, Marine chega a uma segunda volta. Agora quer mais.

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Reuters

É para este dia que Marine Le Pen se vem preparando há mais de seis anos, desde que tomou as rédeas do partido fundado pelo pai, Jean-Marie. Pelo meio está o longo processo de transformação da Frente Nacional de um movimento nas margens do sistema política para um partido profissional e que encara a segunda volta das presidenciais deste domingo com a noção de que pode chegar ao poder. E é na “herdeira” da extrema-direita francesa que se personifica essa história – onde nem o seu pai foi poupado.

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É para este dia que Marine Le Pen se vem preparando há mais de seis anos, desde que tomou as rédeas do partido fundado pelo pai, Jean-Marie. Pelo meio está o longo processo de transformação da Frente Nacional de um movimento nas margens do sistema política para um partido profissional e que encara a segunda volta das presidenciais deste domingo com a noção de que pode chegar ao poder. E é na “herdeira” da extrema-direita francesa que se personifica essa história – onde nem o seu pai foi poupado.

Há dois momentos definidores ao longo dos 48 anos de Le Pen que desaguam naquilo que ela é hoje. A explosão de cinco quilos de dinamite destruiu o apartamento de Paris onde moravam os Le Pen, não matando ninguém por muito pouco. Marine tinha então oito anos e escolheu este momento como aquele em que percebeu que “a política pode custar a vida”. O caso nunca foi resolvido, mas o acontecimento marcou os Le Pen, que passaram a ser uma família odiada em França. “Um cordão sanitário foi criado à nossa volta; não se aproximem dos Le Pen”, escreveu Marine na sua autobiografia À Contre Flots, publicada em 2006.

Apesar do risco, Jean-Marie Le Pen manteve a Frente Nacional e nunca se desviou do discurso extremista, xenófobo e quase sempre chocante que viriam a caracterizá-lo. A passagem à segunda volta das eleições presidenciais em 2002 foi o grande marco da sua liderança que havia de terminar oficialmente em Janeiro de 2011.

É Marine, a sua filha mais nova e na altura vice-presidente da FN, que lhe sucede. A família Le Pen ocupou sempre um lugar de charneira no partido – as três filhas casaram com militantes, embora uma delas, Marie-Caroline, se tenha afastado. Mas o lugar da liderança pareceu sempre reservado à mais nova e mais parecida com o fundador. Foi o próprio Jean-Marie quem disse, no tom que lhe é característico, a propósito da filha: “Ela é igual a mim, mas com mamas.” A sua vida pessoal confunde-se com a da FN. Os seus dois primeiros maridos eram militantes e o actual companheiro é Louis Aliot, um dos vice-presidentes do partido. O nome da filha mais velha, Jehanne, é uma variação antiga de Joan, em homenagem a Joana D'Arc, figura histórica adoptada pelo nacionalismo francês.

Mas Marine chega à liderança do partido com um objectivo muito definido – obter poder. Na retina ficou-lhe não a passagem do pai à segunda volta das presidenciais, mas sim a copiosa derrota que se sucedeu, contra Jacques Chirac. A FN tinha de expandir a sua base de apoio além dos “fiéis” da fundação – sobretudo anti-semitas, neo-fascistas e pied-noirs (franceses que regressaram da Argélia após a descolonização). E, para isso, o partido tinha de mudar.

A grande prioridade passa a ser reformular a imagem da FN, suavizando o discurso, profissionalizando a comunicação, afastando-se do rótulo xenófobo e racista que lhe era colado. Marine chamou-lhe a “desdiabolização”; os seus críticos falam em “cosmética”. O inimigo número um passou a ser a União Europeia, o “monstro burocrático” que esmaga a França. Le Pen viu bem cedo no eurocepticismo que grassava na sociedade francesa um campo de batalha a explorar.

São precisamente as eleições europeias que dão à FN a primeira grande vitória que se traduz em poder efectivo. Em 2014, o partido de extrema-direita é o mais votado e a sua presença no Parlamento Europeu passa de três para 24 eurodeputados. A nível interno, o sucesso veio nas eleições municipais, com a conquista de 14 cidades.

Mas a estratégia da “desdiabolização” não estava ainda completa. O segundo momento definidor na vida e carreira política de Marine Le Pen tem os ingredientes de uma tragédia shakespeariana. Em Abril de 2015, Jean-Marie dá uma entrevista em que volta a referir-se aos campos de concentração nazis como um “pormenor” na História da II Guerra Mundial. Este é o exemplo de declarações que a nova versão da FN quer ver extintas. Marine não hesita e expulsa o pai do partido que fundou, e do qual nem uma bomba tinha afastado.