Já sem fôlego, um último suspiro: “Vão votar, votem Macron”

Ataques informáticos, troca de insultos entre intelectuais e apelos desesperados contra a abstenção marcaram as últimas horas de campanha das presidenciais francesas.

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Os franceses escolhem este domingo um novo Presidente Pascal Rossignol /Reuters

“Façam o que quiserem mas votem em Macron.” A capa da edição de fim-de-semana do jornal Libération resume o espírito com que mais de meia França chega ao dia D, o da segunda volta das eleições presidenciais, em que tudo se vai decidir quando o eleitor tiver o boletim de voto na mão. A outra metade encolhe os ombros, uns convencidos de que vão votar em Marine Le Pen, a candidata da extrema-direita, outros sem conseguirem engolir o sapo de votar “no banqueiro”, mesmo para fazer face à “fascista”, como lhes chamam muitos graffitti sorrateiros em Paris.

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“Façam o que quiserem mas votem em Macron.” A capa da edição de fim-de-semana do jornal Libération resume o espírito com que mais de meia França chega ao dia D, o da segunda volta das eleições presidenciais, em que tudo se vai decidir quando o eleitor tiver o boletim de voto na mão. A outra metade encolhe os ombros, uns convencidos de que vão votar em Marine Le Pen, a candidata da extrema-direita, outros sem conseguirem engolir o sapo de votar “no banqueiro”, mesmo para fazer face à “fascista”, como lhes chamam muitos graffitti sorrateiros em Paris.

“Eu votaria em Le Pen, mas não vou votar na segunda volta. Do que é que estão à espera, que ela vá cortar a cabeça às pessoas. Isso acabou, estamos no século XXI. Os outros países impediam-na de fazer coisas graves, olhe o que se passa com Trump”, diz o homem de origem chinesa, mas que está em França há 30 anos, e tem nacionalidade francesa. O nome, preferiu guardá-lo para ele. “De quem ela gosta menos é dos imigrantes que não têm documentos. Agora dos estrangeiros que trabalham, não há problema. Macron é que trouxe para cá o Uber”, lamenta-se este taxista, quando percebe que a corrida é para a sede de campanha do ex-ministro da Economia do Governo de Manuel Valls.

A sede, num edifício moderno, com fachada em vidro, numa zona de classe média alta do 15.º bairro de Paris, tem polícia e grades à porta, e tem as portas fechadas. Alguns jornalistas estrangeiros um pouco perdidos tentam encontrar com quem falar. “Hoje só entra quem tiver cartões da campanha”, explica o assessor Slav Djoudjev, jovem, descontraído, com roupa colorida, ténis, blusão desportivo, óculos e cabelo encaracolado. Podia estar a fazer campanha num partido de esquerda, mas é um activista de Macron, o candidato que diz não ser “nem de esquerda nem de direita”.

Sábado foi o dia de reflexão antes das eleições, e não se pode fazer campanha. Mas vivia-se um clima de tensão acrescido, por causa do ataque a servidores da campanha do movimento En Marche!, revelado sexta-feira à noite, minutos antes de começar o blackout do período de reflexão.

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A capa da edição deste fim-se-semana do Libération

“Só entraram num servidor que estava ligado à comunicação com o público, que devido à sua própria natureza está aberto. A base de dados importante do En Marche! não foi afectada, não está ligada à Internet”, assegurou Djoudjev. “Mas os hackers diziam que em alguns casos que os documentos vinham daqui e não era verdade, para criar mais excitação à volta do caso.”

A verdade, diz, é que nos últimos seis meses a campanha tem sido alvo de ataques constantes: “Entre mil e dois mil ataques diários, vindos de proxies ucranianas e russas, que na verdade podem ter origem em qualquer outro lugar, mas mascaram a sua actividade passando por ali”, explica. Nos metadados da informação roubada aos servidores de Macron, há palavras em russo à mistura, diz quem os analisou...

A segurança à volta da sede de Macron foi sendo cada vez mais apertada. De manhã, a polícia isolava só a zona próxima do prédio, e nem mesmo este domingo o edifício estará acessível aos jornalistas. A polícia não descurava pormenores. Ao ver o PÚBLICO tomar apontamentos, um agente aproximou-se, e pediu para ver “o desenho”, que estava já umas páginas do bloco atrás. Era só as iniciais “EM” de Emmanuel Macron ou En Marche! escritas em grande, mas algo chamou a atenção do zeloso polícia…

Umas horas mais tarde, a polícia tinha já cortado a rua em todo o quarteirão.

Reaccionários à espreita

A estratégia de “banalização” da Frente Nacional, levado a cabo por Marine Le Pen desde que assumiu a liderança do partido, no fim de 2011, trouxe-a a este momento à disputa da segunda volta das eleições presidenciais, com uma votação prevista a rondar os 40% dos votos expressos, embora tenha descido após a sua má prestação no debate face a Macron na quarta-feira. O seu partido de extrema-direita, com um discurso radicalmente nacionalista, defende a saída de França da União Europeia e o fim do euro  não quer apenas a saída do país da moeda única, note-se, mas antes impor aos restantes países que o troquem por algo que existiu antes, o ECU, usando apenas em transacções interbancárias.

O curioso é que a estratégia de legitimização não só resultou como está a fazer sair do seu ninho as forças mais reaccionárias da sociedade que ganharam coragem para anunciar que apoiam a filha de Jean-Marine Le Pen. “Está em marcha um processo de verdade”, comentou o filósofo Bernard-Henry Levy (também conhecido pela sigla BHL), um dos organizadores de uma soirée anti-abstenção em Paris na noite de sexta-feira que mobilizou figuras políticas do Partido Socialista e d’Os Republicanos (centro-direita), activistas anti-racismo e de outras causas, em torno do voto contra a FN e Marine Le Pen.

BHL, de microfone na mão, habitual fato negro, muito magro e alto, mais cabelo grisalho do que corpo, denunciou as várias figuras públicas que apoiaram ou expressaram simpatia por Marine Le Pen, ou que se têm recusado a erguer uma barreira contra ela, com o seu voto. Henri Guaino, "o autor escondido dos discursos de Nicolas Sarkozy, disse o filósofo, Marie France Garaud, ex-conselheira do Presidente Georges Pompidou, "que se pretendia a grande vestal do gaulismo" e disse que votaria em Le Pen sem hesitação em entrevista a Le Figaro, considerou que a líder de extrema-direita “tem um sentido de Estado –, e finalmente Nicolas Dupont-Aignan, “que a maior parte da classe política sabia que encarnava o pior que há nos gaulismo”.

“O que vamos fazer?”

Sobrou a  Bernard-Henry Levy ainda veneno para dedicar ao demógrafo Emmanuel Todd, que diz “seguir com alegria o caminho da abstenção”, recusando tornar-se servo quer da finança, com Macron, quer da xenofobia de Le Pen.

Outro filósofo, transformado em escritor de sucessivos best sellers, escreveu um livro-manifesto com o título No Vote, apelando à abstenção. Trata-se de Michel Onfray "o meu antigo camarada, que há 15 anos escrevia livros que julguei dignos de serem publicados”, disse BHL. No mais recente Décadence, Onfray estima que o próximo Presidente continuará sempre a actual política, forçado por Bruxelas. Daí, a inutilidade do voto, desrespeito pelas escolhas dos eleitores. “Há um estranho momento na vida política francesa - esta forma de encarar a extrema-esquerda e a extrema-direita lado a lado”, comentou, incrédulo BHL.

“Marine Le Pen vai ter pelo menos dez milhões de votos. O que é que vamos fazer? Estes eleitores não se vão embora, não vão desaparecer. É preciso pensar no que vamos fazer com estes eleitores, insatisfeitos com os efeitos da globalização, cuja insatisfação não foi evidente para nós, nos últimos 20 anos”, afirmou Bernard Kouchner, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, menos pronto a distribuir fel.

Mas, para além da pergunta pertinente, Kouchner não trouxe respostas para acalmar esta inquietude. Só o apelo ao voto em Macron.