“Os regulamentos do vinho do Porto estão a estrangular-nos”
A Taylor’s, porta-bandeira do grupo The Fladgate Partnership, celebrou esta semana 325 anos de vida. Adrian Bridge, CEO, sublinha que, apesar das apostas no turismo, o vinho do Porto continuará a ser a alma do grupo
Adrian Bridge chegou a Gaia em 1994, ano em que os vintages da Taylor’s e a Fonseca receberam 100 pontos em 100 da revista norte-americana Wine Spectator. Casado com Natasha Bridge, filha do principal accionista do grupo, Alistair Robertson, tomou conta dos destinos do grupo em 2000 e iniciou um processo de rápido crescimento. Primeiro com a compra da Croft por 38 milhões, em 2003, depois com a aquisição da Eira Velha e da Wiese&Krohn e mais recentemente com a aposta no turismo. No ano passado, o grupo Fladgate facturou 102 milhões de euros (61 milhões na área do vinho, 21 no turismo e 20 na distribuição). Formado na academia militar de Sandhurst, no Reino Unido e com passagem pela banca de investimento na City de Londres, Adrian Bridge é visto como a voz neoliberal num sector marcado pela regulamentação
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Adrian Bridge chegou a Gaia em 1994, ano em que os vintages da Taylor’s e a Fonseca receberam 100 pontos em 100 da revista norte-americana Wine Spectator. Casado com Natasha Bridge, filha do principal accionista do grupo, Alistair Robertson, tomou conta dos destinos do grupo em 2000 e iniciou um processo de rápido crescimento. Primeiro com a compra da Croft por 38 milhões, em 2003, depois com a aquisição da Eira Velha e da Wiese&Krohn e mais recentemente com a aposta no turismo. No ano passado, o grupo Fladgate facturou 102 milhões de euros (61 milhões na área do vinho, 21 no turismo e 20 na distribuição). Formado na academia militar de Sandhurst, no Reino Unido e com passagem pela banca de investimento na City de Londres, Adrian Bridge é visto como a voz neoliberal num sector marcado pela regulamentação
Como é que gere de forma moderna e inovadora uma companhia com 325 anos?
Bem, dentro da história da empresa sempre fomos inovadores. O filho do Joe Bearsley (fundador da Taylor’s, em 1692) foi a primeira pessoa estrangeira a ir ao Douro, fomos os primeiros a comprar uma quinta no Douro, fizemos sempre novos produtos, como o Chip Dry, o LBV [vinho engarrafado entre os quatro e seis anos], mais recentemente os vinhos de grande idade, como o Scion, ou o Porto de 1863. Precisamos de adaptar os produtos às necessidades de quaisquer gerações. Por isso, a nossa reacção à diminuição da venda de vinho do Porto no final da década de 1960 foi lançar o LBV. Entendemos que o consumidor não queira abrir Porto Vintage [mais caros, de qualidade superior] todos os dias, e o volume de vendas estava a baixar. Nós reagimos.
Nos últimos anos a Fladgate mudou o seu perfil. Hoje é uma empresa de vinho do Porto mas também é vista como tendo fortíssimos investimentos no turismo. O que lhe gasta mais tempo hoje: o turismo ou o vinho do Porto?
Continuamos a investir no vinho do Porto. Do outro lado, temos muito terreno no centro da cidade [Gaia] que pudemos aproveitar para o turismo. Uma empresa com 325 anos tem pessoas que podem recontar a História, não só do vinho do Porto mas também da nossa cidade. É uma lógica para o investimento no turismo. O investimento no turismo implica que os nossos consumidores mundialmente nos possam visitar…
Quanto custou o projecto do Hotel Yeatman?
Inicialmente 32 milhões de euros. Mas com os prejuízos acumulados o investimento total chegou aos 38 milhões de euros.
O "break even" foi muito rápido.
Está dentro das nossas expectativas. Lançámos o Yeatman em Julho de 2010 e em 2011 perdemos 3,5 milhões de euros. Havia muita gente a dizer que eu era maluco por fazer um cinco estrelas em Gaia, com quartos que custavam o dobro do preço do Sheraton, que na altura era o melhor hotel do Porto, porque construímos 82 quartos em 2,7 hectares e também por termos lançado este hotel no meio de uma crise mundial.
Mas correu bem porquê? Teve sorte?
Acho que tivemos visão. O risco que as pessoas perceberam não era assim tão real para mim. Tenho confiança no nosso produto. E o nosso produto, a cidade do Porto, uma cidade lindíssima, com grande história, grande cultura, grande arquitectura, grandes tradições de comida e de vinho é especial. Eu sou estrangeiro, tinha confiança neste produto. Há muita gente daqui que dizia assim: 'isto não é possível, é só o Porto'. Mas eu sabia que, por ser o Porto, era possível. Hoje em dia a confiança no Porto mudou completamente, porque o Porto já está anunciado mundialmente. Mas quando começámos, em 2008, fui mundo fora bater nas portas dos jornais e das revistas para falar do Porto e eles perguntavam: o que é o Porto? Eles entendiam o vinho do Porto, mas a cidade não. Hoje em dia há muita gente que diz, ‘ah, este hotel é óbvio’, tem uma vista espectacular. Não construí a vista, a vista sempre lá esteve. É óbvio, mas apenas agora.
Depois do Yeatman, da compra do Hotel do Infante e da recompra do Vintage Hotel, no Pinhão, agora estão a projectar uma Cidade do Vinho. O que é que isso vai ser ao certo? Vai ser o maior investimento do grupo na área do turismo?
Eventualmente, sim. Ainda estamos a fazer os planos, mas daqui a um mês já teremos mais informação. Quando as pessoas falam de turismo, normalmente falam de alojamento, em construir hotéis. O alojamento não é a realidade do turismo. É o 'by product'. Se vai visitar a cidade num fim-de-semana, necessita de uma cama. Ninguém vem ao Porto por causa de uma cama. Vem cá para fazer uma experiência. A cidade está agora cheia de novos projectos de hotéis. Pode ser, podem encher tudo, construir Airbnb e hotéis em todos os edifícios, mas o que é que as pessoas vão fazer? A Cidade do Vinho é oportunidade que temos de, numa zona histórica, em edifícios que não funcionam bem para a armazenagem de vinho, criar um espaço para visitar, para aprender, para ter novas experiências.
Dizia que o investimento ia custar entre 20 e 100 milhões de euros. Já tem uma visão mais precisa?
Tudo depende do que vamos fazer e do que vai ser autorizado. Eu acho que com o processo que está na fase final o investimento não será menor do que 80 milhões nem maior do que 100 milhões.
Quando é que o turismo vai suplantar o vinho do Porto em termos de volume de negócios?
(risos) Não vai suplantar o vinho do Porto. O vinho do Porto das categorias especiais, e nós somos uma empresa de categorias especiais, está em crescimento. O nosso mix vai-se alterar, com o turismo a contar mais, mas o motto de tudo isto, o vinho do Porto, vai continuar.
Para lá dos investimentos nas linhas de engarrafamento, depois da compra da Eira Velha em 2007 e da Wiese & Krohn em 2013 passaram-se quatro anos sem grandes investimentos no vinho do Porto. Não é normal, olhando para o que aconteceu antes.
Comprámos também uma participação na Messias (16,8%), lançámos a Heritage [distribuidora], comprámos a Grossão, um grossista na área do canal Horeca [hotéis e restaurantes]. Em 2011 comprámos as instalações antigas da Real Companhia Velha para construir o novo centro com as novas linhas. Do meu ponto de vista, entre a Eira Velha e a Wise & Krohn há três coisas no meio que são investimentos reais.
Mas depois de 2013 estão parados.
Não. Investimos muito no mercado. Antes da compra da Wise & Krohn lançámos o Scion, depois o 1863, depois, em 2014 lançámos o Colheita de 50 anos da Taylor’s e repetimos em 2015, 16 e 17. Estes projectos são bastante grandes. Tivemos uma aposta no turismo, mas também sinalizámos o que é possível fazer com vinhos do Porto de idade. É um erro achar que esta empresa está só focada no turismo. Continuamos a inovar no vinho do Porto.
É visto como um gestor muito liberal num sector conservador. Porque é que o vinho do Porto perde com a regulação, com o benefício [autorização para a produção do vinho do Porto], e a lei do terço [que obriga as empresas a manter stocks elevados]?
Para a humanidade avançar precisamos de inovações, precisamos sempre de fazer perguntas: o que posso fazer melhor? Onde estão as novas oportunidades? Em que está a pensar o nosso consumidor? O Croft Pink [o primeiro vinho do Porto rosé] foi uma reacção à ideia de que os jovens não querem o vinho do Porto formal, que querem uma coisa mais relaxada. Quando temos um negócio com muitos regulamentos, não podemos andar nem para a frente nem para trás. Há regras em todo o lado. Isto sufoca a inovação. A humanidade é inquieta, quer mudar.
A Taylor’s conseguiu inovar com estas regras. O que iria mudar?
Não se podemos fazer omeletas sem ovos. A realidade é que não podemos inovar se não forçarmos alterações e libertarmos energias das pessoas. Há grandes oportunidades para o vinho do Porto. O vale do Douro, não só pelo Porto mas também pelo vinho de mesa, pode ser um centro extraordinário mundialmente. O potencial que atingimos é só o pico do iceberg; a parte debaixo, com os regulamentos todos da década de 1930, da economia de Salazar, está a estrangular-nos, como é o caso do benefício. É confortável? Claro que é. As pessoas instalam-se, não querem mudar. Mas o negócio morre lentamente. Precisamos que se abram as janelas, que entre oxigénio. Não é fácil, não é confortável, mas é uma maneira de sustentar o nosso futuro. É ridículo: uma quinta no Douro da letra A, mecanizada, vale 100 mil euros por hectare. Em Champanhe vale dois milhões e aqui, num vale lindíssimo, vale 100 mil? Não quero ofender os de Champanhe, mas a sua zona não é nada em comparação com o vale do Douro. Temos aqui todos os elementos para fazer uma coisa de classe mundial, e porque continuamos com ideias que serviam bem em 1933 diminuímos o potencial do vale do Douro. Quem está dentro deste negócio, hoje, tem responsabilidade de liberalizar, de dar oportunidade às gerações do futuro, sem regras que vêm de há 80 anos.
A preservação do actual modelo de regulação não é uma forma de garantir a sobrevivência de uma região social e economicamente frágil como o Douro?
Não acredito nisso. No Douro quem faz grandes investimentos, quem cria empregos são uns 600 lavradores profissionais. As outras pessoas que vivem no Douro, que fazem meia pipa anualmente, precisam de emprego. Ou o arranjam nas grandes quintas, ou em outros sectores, como no turismo. Se eliminássemos o benefício, qualquer dono podia fazer o que quisesse, o valor das quintas aumentava, atraíam-se outros investidores estrangeiros – eles não entendem estes regulamentos todos, que dizem o que se pode ou não podem fazer. Se nós fizéssemos um simplex para o Douro, haveria novos investidores e os investidores precisam de trabalhadores – de técnicos, de engenheiros. Isto criaria mais emprego e gerava-se uma bola de neve importante que poderia regenerar o vale do Douro. Mas eu acho que isto vai. Daqui a dez, 15 anos, esta será uma conversa académica.
E DOC Douro? São os únicos que permanecem fora do negócio que mais cresce no vale do Douro. Vão manter-se fora do DOC Douro e ficar apenas no Porto?
Nunca disse que uma empresa de vinho do Porto não deve fazer DOC Douro. Os nossos concorrentes fazem investimentos no DOC Douro e estão contentes. Da nossa parte, focamo-nos no vinho do Porto e nas categorias especiais. Com crescimento nas categorias especiais, precisamos da nossa produção e da produção dos nossos lavradores do Douro para fazer o nosso vinho do Porto. Ou seja, eu não tenho acesso às uvas de qualidade para fazer um DOC Douro. A lógica para nós é que se entrássemos no DOC Douro, a expectativa mundial é que faríamos um vinho que ganhasse 97 ou 98 pontos.
E não conseguiam chegar lá?
Pode-se chegar lá, mas só se roubar as uvas do vinho do Porto. Ou seja, com um bom cacho de uvas pode-se fazer um DOC ou vinho do Porto, e precisamos de toda a nossa produção para vinho do Porto. Se liberalizarmos, se acabarmos com o benefício, as pessoas ficam com mais incentivo para fazer as melhores uvas possíveis, para obterem mais lucro. Qualquer lavrador teria mais incentivos para fazer o melhor possível na quantidade máxima possível. Talvez aí tivéssemos condições para fazermos Porto e DOC Douro.
Olhando para todos os investimentos que a Fladgate tem feito e com os 80 ou 100 milhões que pensam investir no Cidade do Vinho, passa pela cabeça da família dispersar parte do capital?
Acho que não. Não. Há projectos, como o do fundo JESSICA [programa europeu para o investimento nas cidades], que têm juros baixos por um prazo de 20 anos. Achamos que o projecto gera suficiente "cash flow" para pagar a conta. Se temos isto, porquê chamar outros investidores? Os accionistas estão contentes com o negócio e orgulhosos dos seus investimentos. Somos um país cheio de riquezas.