Para que serve o relatório sobre reestruturação da dívida pública?
As medidas propostas ou não dependem das autoridades portuguesas ou não são prudentes, sendo mesmo perigosas e desaconselháveis.
O Grupo de Trabalho (GT) criado entre o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda propõe uma reestruturação da dívida pública pela via da extensão das maturidades e pela redução da taxa de juro a pagar nos empréstimos concedidos por entidades públicas da zona euro (extensão do prazo médio dos actuais 15,6 para 60 anos e redução da taxa de 2,4% para 1%.).
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O Grupo de Trabalho (GT) criado entre o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda propõe uma reestruturação da dívida pública pela via da extensão das maturidades e pela redução da taxa de juro a pagar nos empréstimos concedidos por entidades públicas da zona euro (extensão do prazo médio dos actuais 15,6 para 60 anos e redução da taxa de 2,4% para 1%.).
Outras medidas foram também propostas pelo GT: menores provisões constituídas pelo Banco de Portugal; redução da maturidade da dívida com a contracção de empréstimos com prazos de pagamento menos longos; pagamento antecipado da dívida ao FMI; e gestão de excedentes de tesouraria de organismos da administração pública.
A reestruturação proposta, por extensão das maturidades e pela redução das taxas de juro, depende inteiramente da boa vontade das instituições europeias (hipoteticamente no quadro de um processo europeu de reestruturação de dívidas públicas excessivas) e é de resultado bastante duvidoso, atendendo ao risco de um possível efeito de alargamento desta medida a outros países europeus altamente endividados. Em relação às outras restantes quatro medidas:
1. A imposição ao Banco de Portugal de menores provisões tem por objectivo aumentar os dividendos pagos ao Estado mas afastando, para isso, uma prática prudente seguida até aqui para cobrir riscos com a dívida pública. Para obviar às posições que o Banco de Portugal possa tomar sobre esta matéria, o Grupo de Trabalho propõe até que a lei orgânica do banco central seja alterada para lhe retirar a decisão de constituir autonomamente provisões, passando também a participar nessa decisão o Ministério das Finanças.
2. A redução da maturidade da dívida por contracção de empréstimos, nos mercados financeiros, com prazos mais reduzidos (para baixar as taxas de juro), é contrária à estratégia correcta seguida pelo IGCP e perigosa e desaconselhável num contexto de volatilidade dos mercados financeiros e da previsível de subida de taxas de juro.
3. O pagamento antecipado dos empréstimos do FMI, substituindo-os por outros com menores taxas de juro, é uma medida correcta mas até foi já praticada pelo anterior Governo PSD-CDS.
4. A gestão de excedentes de tesouraria dos organismos públicos poderá ser uma medida útil mas é necessário ter presente que uma parte destes excedentes são uma almofada financeira, um factor de prudência e de segurança importantes no caso de dificuldades de acesso ao financiamento por parte do país.
Em síntese, para além do reconhecimento (positivo) de que a reestruturação da dívida não pode ser feita por redução do seu valor nominal, como sempre defendeu a extrema-esquerda e os 74 subscritores de um manifesto tornado público (porque teria efeitos devastadores na credibilidade do país, levando a um risco real de incapacidade de aceder aos financiamentos de que necessita), as medidas propostas ou não dependem das autoridades portuguesas ou não são prudentes, sendo mesmo perigosas e desaconselháveis (com excepção do pagamento antecipado ao FMI) e o Governo deu já sinais públicos do seu distanciamento não assinando o relatório.
Assim, podemos então questionarmo-nos sobre qual a finalidade última deste relatório. Vejo três possíveis explicações: uma, de ordem política, relacionada com a “gestão da geringonça” por parte do PS (não conseguida em relação ao PCP, que não participou no GT); uma segunda que diz respeito à colocação, a nível europeu, do problema das dívidas de países do Sul da Europa (de forma cautelosa); e uma terceira que tem a ver com o propósito de, sacrificando regras de prudência e correndo riscos muito elevados para o país, o Governo aumentar as receitas do Estado para satisfazer maiores despesas públicas pretendidas pelos seus parceiros de coligação (sem comprometer os objectivos que anunciou para o défice e sem o risco de não cumprir as regras europeias).