Começou a jogar o Baleia Azul? “Saia o mais depressa possível e peça ajuda”, diz Daniel Sampaio

Psiquiatra Daniel Sampaio falou com jovens que lhe disseram que há amigos e colegas vulneráveis contactados por curadores do desafio online.

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O jogo é perigoso quando falamos de pessoas vulneráveis, diz Daniel Sampaio. Miguel Manso

Há um traço comum entre os jovens que estão a ser desafiados para entrar no jogo online da Baleia Azul: estão fragilizados ou em sofrimento psicológico. Quem o diz é o psiquiatra Daniel Sampaio, que tem estudado o comportamento dos adolescentes. Na imprensa internacional começa, entretanto, a ser posta em causa a genealogia deste jogo. 

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Há um traço comum entre os jovens que estão a ser desafiados para entrar no jogo online da Baleia Azul: estão fragilizados ou em sofrimento psicológico. Quem o diz é o psiquiatra Daniel Sampaio, que tem estudado o comportamento dos adolescentes. Na imprensa internacional começa, entretanto, a ser posta em causa a genealogia deste jogo. 

Daniel Sampaio contou ao PÚBLICO que falou recentemente com quatro jovens que têm amigos ou colegas aliciados para o Baleia Azul e todos lhe relataram  o mesmo: que um responsável pelo desafio, um curador com um perfil falso, os convidou para o jogo depois de os adolescentes terem deixado online pistas de que se encontravam fragilizados ou em sofrimento psicológico. “Há muitos jovens que escrevem mensagens na Internet a dizer que não estão bem e segundo me dizem são esses que são contactados”, explica o psiquiatra, chamando a atenção para a gravidade deste tipo de actuação.

O incitamento ao suicídio é considerado crime. Quem tentar convencer outra pessoa a fazê-lo ou lhe prestar ajuda para esse fim sujeita-se a uma pena de prisão até três anos caso a tentativa seja mesmo feita ou venha a consumar-se. Se a vítima tiver menos de 16 anos ou padecer de incapacidade de compreensão a moldura penal sobe até aos cinco anos de cadeia. O Código Penal determina ainda que quem publicitar um produto, objecto ou método de suicídio é punido com pena de prisão até dois anos ou então com uma multa.

“Se as coisas se passam conforme me relataram, identificar a fonte de recrutamento [das vítimas] revela-se um aspecto fundamental”, sublinha Daniel Sampaio, para quem o risco acaba por ser reduzido se os jovens em causa estão bem consigo próprios: “Um jovem normal não adere – ou, se adere, isso não tem consequências”, equaciona. “O jogo em si não provoca suicídio, nem automutilação. É perigoso quando falamos de pessoas vulneráveis. Aí, pode funcionar como factor precipitante do suicídio.”

Para quem já começou a jogar, o psiquiatra deixa um conselho: “Sair o mais depressa possível e pedir ajuda.” Um auxílio que poderá ser prestado, por exemplo, pela equipa que integra o Núcleo de Utilização Problemática da Internet do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, que tem consultas às quartas-feiras e tanto auxilia jovens como os seus pais.

Daniel Sampaio defende também que os pais devem proibir os filhos de aceder a este jogo. Se não o conseguirem de imediato, devem acompanhar mais de perto os filhos, porque esta atitude poderá impedir, por exemplo, que o filho saia de casa para se dirigir a um local alto onde vai arriscar a vida, já que uma das 50 tarefas impostas aos jogadores do Baleia Azul passa precisamente por correr esse tipo de perigo.

Notícia falsa?

Em declarações a um site de notícias russo, Lenta.ru, o alegado autor deste desafio, More Kitov, já disse que a sua intenção nunca foi a de levar menores ao suicídio, mas sim aumentar o número de frequentadores dos perfis dos administradores do jogo, tornando-os mais atractivos para quem quer colocar anúncios publicitários.

Pelo seu lado, Thiago Tavares, presidente da Safernet, uma organização não-governamental brasileira de combate ao crime na internet, não tem dúvidas de que o jogo Baleia Azul teve origem numa “notícia falsa” publicada em Maio de 2016 pelo diário russo Novaya Gazeta. Este artigo dava conta de uma série de suicídios de adolescentes na Rússia que, alegadamente, tinham participado em fóruns da rede social russa Vkontakte, onde aparecia a referência Baleia Azul.

Até agora ainda não existem provas da relação entre ambos. “Era um ‘fake news’, mas existe um efeito que, sendo verdadeira ou não, a notícia gera um contágio, principalmente entre os jovens”, afirmou Thiago Tavares ao diário Globo.

Em Fevereiro, na sequência do suicídio de mais duas adolescentes na Sibéria, o administrador do site foi detido. O caso continua em investigação. Foi por volta dessa altura que as notícias sobre o Baleia Azul chegaram ao Reino Unido, por via do jornal The Sun. E daí espalhou-se pelo mundo.

Fora da Rússia, um dos primeiros países onde o alegado jogo chegou foi a Bulgária. Mas também ali o Centro Para a Internet Segura alertou que não existem provas da ligação do Baleia Azul a uma onda de suicídios. “Essa incrível história atrai sites de tablóides, que lucram com visitas, acrescentando mais e mais detalhes e histórias horríveis, que não são apoiados por factos”, disse um dos responsáveis do centro ao jornal Balcan Insight.

Também têm existido denúncias na imprensa internacional sobre a veracidade de fotos e vídeos que têm aparecido online apresentando mutilações das alegadas vítimas do jogo.

Em Portugal o mais recente caso de um jogador hospitalizado sucedeu esta terça-feira, depois de terem sido identificadas situações idênticas em Sines, no Algarve e em Portalegre, que estão a ser investigadas pela Procuradoria-Geral da República.