BCP aceita receber só 20% da dívida da Ongoing

O BCP era o maior credor da Insight, uma das (poucas) empresas do grupo Ongoing que ainda permanecem. Tinha a haver 282,7 milhões. Aceitou receber 56,5 milhões de euros, parte dos quais deverão vir das Ilhas Caimão.

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Nuno Vasconcellos foi o líder do "império" Ongoing que, entretanto, ruiu. Rui Gaudêncio

No universo de empresas que chegou a compor o universo Ongoing, houve empresas mais ou menos mediáticas. Uma delas é a Insight Strategic Investments, participada da Ongoing Strategic Investments SGPS (cerca de 98% do capital, já declarada insolvente), que chegou a ser accionista, de forma directa e indirecta, da Portugal Telecom SGPS (6,57%), da Nos, da Económica SGPS e da Real Time Corp.

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No universo de empresas que chegou a compor o universo Ongoing, houve empresas mais ou menos mediáticas. Uma delas é a Insight Strategic Investments, participada da Ongoing Strategic Investments SGPS (cerca de 98% do capital, já declarada insolvente), que chegou a ser accionista, de forma directa e indirecta, da Portugal Telecom SGPS (6,57%), da Nos, da Económica SGPS e da Real Time Corp.

Na Primavera e Verão de 2016, na catadupa de empresas do antigo grupo liderado por Nuno Vasconcellos – desde a casa-mãe Ongoing Strategy Investments (OSI) à ST&SF, dona do Diário Económico, até ao próprio gestor em nome individual – várias foram declaradas insolventes e encaminharam-se para a dissolução. A OSI, por exemplo, viu o seu processo de revitalização chumbado em Julho de 2016 - o Novo Banco e o BCP eram os maiores credores, com 493 e 282 milhões de euros, respectivamente. A Insight Strategic Investments SGPS, contudo, viu o seu Processo Especial de Revitalização (PER) ser aprovado. Isto, apesar de o principal credor só ser ressarcido em 20,94% do valor em dívida.

Por decisão do Tribunal, a 28 de Agosto de 2016, foi homologado o Processo Especial de Revitalização (um mecanismo existente para que as empresas tentem, por acordo com os principais credores, a sua recuperação evitando a insolvência) da Insight Strategic Investments. Deste processo, era já público – o Jornal de Negócios acompanhou o PER, desde a sua abertura, em Março, ao seu encerramento, no final de Agosto de 2016 – que o BCP era credor de 282,68 milhões de euros (ou 96,43% do valor total reconhecido, sem subordinados e juros): 270,03 milhões de euros em capital e 12,65 milhões de euros em juros – o que aliás é publico através do “site” Citius. Os mesmos valores devidos ao BCP, dados a título de financiamento, estavam garantidos.

O que fica a saber-se através da consulta do PER da Insight, e das medidas de reestruturação financeiras aprovadas em tribunal, é que apenas 20,94% do valor do capital devido ao Millennium bcp iria ser pago (ou seja 20,94% dos 270,07 milhões de euros). O que quer dizer que o principal credor da Insight aceitou receber 50,6 milhões de euros, em troca dos 282 milhões que ficou a haver da Insight.

Fundo Solaris

Como aceitou o Millennium bcp ser ressarcido em 20,94% do capital em dívida? Através de uma ida até às Ilhas Caimão. É neste offshore que tem sede o Fundo Solaris Venture Capital Fund. E, por decisão expressa no PER da Insight, ficou esta empresa do grupo Ongoing obrigada a “entregar ao Millennium bcp por dação em pagamento (ou outra forma equivalente) dos 37.690,5519 valores mobiliários da Solaris Venture Capital Fund empenhadas ao banco detidas pela garante Investoffice [outra emprega do grupo Ongoing], pelo valor correspondente ao ‘net asset value’ mais recente, o qual se cifra em 20.549.152,24 euros livres de qualquer ónus ou encargos registados ou não registados”.

Para completar o montante em dívida - dos 20 milhões de euros que valem as unidades de participação do Fundo Solaris até aos 56,5 milhões aprovado em PER para serem pagos ao BCP - há ainda outros activos a serem entregues a esta instituição financeira. Assim, ficou ainda a Insight obrigada a “entregar ao Millennium bcp por dação em pagamento (ou forma equivalente) das 283 acções da Webspectator Corporation empenhadas ao banco e detidas pela RS Holding SGPS SA e todos os direitos de subscrição e novas acções a serem entregues a este accionista até à data da dação, pelo valor de 36.000.000,00 livres de quaisquer ónus ou encargos, registados ou não registados”.

O penhor financeiro “sobre 37.690,5519 unidades de participação do fundo Solaris Venture Capital Fund pela sociedade Investoffice” e “sobre 238 acções, representativas de 25% do capital da Webspectator Corporation, pela sociedade RS Holding” foram dados a título de “reforço das garantias prestadas” pela Insight no âmbito da “renegociação do contrato de financiamento do Millennium BCP e a Insight”, em Agosto de 2014, de acordo com o PER da sociedade do grupo Ongoing.

O PUBLICO contactou o Millennium BCP, questionando nomeadamente porque aceitou o PER, se a dação em pagamento já foi efectuada, que activos gere o Solaris Fund e o que tenciona o banco fazer com as unidades de participação do fundo sediado nas Ilhas Caimão. O banco, através de fonte oficial, declinou comentar.

A 20 de Fevereiro último, o Jornal de Negócios avançou que o Solaris Venture Capital Fund tinha adquirido em Dezembro de 2014 a sociedade Banny Investments, que chegou a ser dona de quase 30% do Fundo Amoreiras – hoje controlado pelo Novo Banco. O Fundo Amoreiras foi o veículo que ficou com a propriedade e gestão do projecto imobiliário, anteriormente promovido pela Temple SGPS de Vasco Pereira Coutinho, no antigo Quartel de Campolide.

Citando a investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação sobre os “Panama Papers”, o Negócios remetia para a base de dados do projecto, em que o percurso do Solaris Fund se cruza com a Iberian Peninsula Investments Company (Samoa) e com a Eurofin. E recordava que, já em Janeiro de 2013, a revista Visão associava o Fundo das Ilhas Caimão à Ongoing International Partners.

Investoffice insolvente

Ainda em 2016, previa o PER da Insight, devia a Investoffice realizar todos os actos para a dação em pagamento ao BCP acordada. Mas, até Março deste ano, aparentemente, isso ainda não tinha sido feito. A Investoffice, recorde-se, foi accionista da Impresa (18%), tendo chegado, em Abril de 2011 a tentar nomear dois nomes para o conselho de administração da sociedade liderada por Francisco Pinto Balsemão, para o triénio até 2014, mas sem efeito na altura.

Segundo a convocatória publicitada no Portal da Justiça a 15 de Março último, estava marcada para 17 de Abril a assembleia geral da Investoffice para formalizar a entrega da propriedade das unidades de participação do fundo Solaris.

O primeiro ponto da convocatória da assembleia geral extraordinária era “deliberar a autorização da dação em cumprimento ou entrega, por qualquer outra forma, ao Banco Comercial Português” dos “37.690,5519 valores mobiliários de que é titular junto do Solaris Venture Capital Fund (Ilhas Caimão), pelo valor de 20,54 milhões de euros, “conforme previsto no ponto ‘D. Medidas de Reestruturação Financeira Propostas’ no Plano de Revitalização do PER da Insight, objecto de sentença homologatória transitada em julgado”. 

A AG foi marcada já não na Rua Vítor Cordon nº19, onde o grupo teve sede, mas num endereço na Quinta Patiño, empreendimento onde Nuno Vasconcellos chegou alegadamente a ter residência, antes de mudar o domicílio para São Paulo.

Um dia antes, a 14 de Março de 2017, “foi proferida sentença de declaração de insolvência da devedora Investoffice - Investimentos e Consultoria Financeira” pelo tribunal, tendo sido fixado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.

O PÚBLICO tentou contactar a administradora de insolvência nomeada pelo tribunal para a Investoffice, sem sucesso até ao final de presente edição.