Maduro quer nova Constituição para "consolidar" socialismo bolivariano
Presidente da Venezuela quer convocação de assembleia com 500 delegados mas sem representantes de partidos. Será "chavista, cidadã, popular e trabalhadora". "Golpe consumado", diz a oposição.
Numa decisão que deita definitivamente por terra a ordem constitucional vigente na Venezuela, o Presidente Nicolás Maduro invocou os seus poderes extraordinários para ordenar a convocação de uma nova assembleia nacional constituinte, sem lugares para representantes partidários mas exclusivamente composta por membros de comités populares, sindicalistas, representantes indígenas e de associações estudantis, encarregados de escrever uma nova Constituição para o país.
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Numa decisão que deita definitivamente por terra a ordem constitucional vigente na Venezuela, o Presidente Nicolás Maduro invocou os seus poderes extraordinários para ordenar a convocação de uma nova assembleia nacional constituinte, sem lugares para representantes partidários mas exclusivamente composta por membros de comités populares, sindicalistas, representantes indígenas e de associações estudantis, encarregados de escrever uma nova Constituição para o país.
O objectivo desta medida drástica é “promover um verdadeiro diálogo nacional” e “impedir uma guerra civil”, justificou o Presidente venezuelano, que tinha prometido uma “declaração histórica” para a jornada do 1.º de Maio – marcada, como todos os dias anteriores, por violentos confrontos entre as forças de segurança e apoiantes do regime, e os manifestantes que exigem a saída de Maduro e a mudança política. “O golpe de Estado de Maduro está finalmente consumado”, reagiu o deputado Júlio Borges, o líder da Assembleia Nacional que é dominada pela oposição mas está sem autoridade legislativa por ordem do Supremo Tribunal.
Maduro confessou ter “rezado muito a Deus” antes de recorrer ao artigo 347 da Constituição que agora pretende substituir, e que determina que “o povo venezuelano é o depositário do poder constituinte originário”, podendo “convocar uma assembleia nacional constituinte com o objectivo de transformar o Estado, criar um novo ordenamento jurídico e redigir uma nova Constituição”.
Os comentadores não têm grandes dúvidas em interpretar a manobra presidencial: encostado à parede, sem soluções para aliviar a crise económica e conter a contestação política, Maduro jogou o único trunfo de que dispõe para anular a oposição e consolidar o poder. “É a aposta mais arriscada da sua conturbada presidência. A sua convicção de que esta é a única maneira de restaurar a paz na Venezuela é tão incompreensível quanto improvável”, escreveu a comentadora de política latino-americana da Al-Jazira, Lucia Newman.
O Presidente não avançou grandes detalhes sobre o modelo de constituinte que pretende instalar, para além de dizer que deverá ter 500 delegados, metade dos quais “eleitos pela base da classe trabalhadora”, e a outra metade através de “um sistema territorializado, com carácter municipal, nas comunidades, com voto directo e secreto” – os analistas notaram que a expressão “sufrágio universal” ficou ausente da sua formulação. “Será uma assembleia constituinte chavista, cidadã, popular e trabalhadora. Não será uma constituinte de partidos e elites”, garantiu.
Apesar de se comprometer a avançar já “nas próximas horas” com o pedido para que o Conselho Nacional Eleitoral convoque a eleição, Maduro não fixou uma data para a votação. Alguns juristas duvidam que o Presidente tome mesmo essa iniciativa: “Parece-me que esta é uma estratégia anti-eleitoral, precisamente no momento em que o país exige uma mudança política através do voto. A eleição de uma constituinte com 500 membros introduz uma nova dinâmica que basicamente paralisa qualquer outra votação. É tão simples quanto isso”, disse à Al-Jazira o advogado constitucionalista venezuelano, Juan Manuel Raffalli.
A oposição já antecipava uma acção radical do líder venezuelano que, cada vez mais isolado, insiste em “combater o incêndio com gasolina”, comparou Júlio Borges, que ainda assim não esperava que Maduro fosse tão longe ao ponto de “assassinar o legado de Hugo Chávez à Venezuela, que era a Constituição”. A actual Magna Carta do país remonta a 1999, promulgada por Chávez para consagrar no texto fundamental o seu projecto revolucionário. O seu sucessor (que pela lei terá de aceitar o texto resultante da constituinte) acredita que os delegados serão uma “maioria arrasadora do povo chavista” e que saberão “aperfeiçoar” a Carta e “consolidar” o modelo socialista bolivariano definido por Chávez.
“Diante da fraude constitucional que o ditador acaba de anunciar, só resta uma opção. É o povo na rua e a desobedecer a uma loucura como essa”, reagiu Henrique Capriles, o líder do partido Primeiro Justiça e adversário de Maduro nas presidenciais de 2013. Sem dispor de estruturas semelhantes aos comités populares e outros colectivos chavistas, a oposição está em desvantagem para responder à jogada de Maduro, escrevia o El País.
Ainda assim, Borges, Capriles e outros líderes reforçaram os seus apelos à comunidade internacional – que sobretudo a nível regional tem vindo a pressionar o Governo de caracas – mas também à população e às Forças Armadas, que sustentam o regime. “O Presidente dissolveu a democracia e a república. Vocês não podem permanecer calados enquanto se atropela a Constituição, têm de jogar um papel para que a solução seja a realização de eleições”, sublinhou o presidente do parlamento.