A Quinta do Ferro vai renascer e fixou a sua história em desenhos
A Quinta do Ferro corresponde a três ruas lisboetas que em vez de nomes têm letras. É um sítio que quer “resistir historicamente” e criar um “oásis para os lisboetas” a meio caminho entre a Graça e Santa Apolónia.
A ideia é simples: moradores e proprietários viam a degradação a levar a melhor sobre as ruas e as casas. Espaços públicos e privados pediam obras há vários anos e não seria o cimento “em jeito de maquilhagem” que taparia a “selvajaria” na construção. Resultado do incómodo que lhes gerava, quiseram juntar-se para reabilitar a “zona que é de todos”. Nasceu, do “passa-a-palavra” e do “tocar na campainha do vizinho para ver o que acha”, o projecto de reabilitação da Quinta do Ferro, em Lisboa.
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A ideia é simples: moradores e proprietários viam a degradação a levar a melhor sobre as ruas e as casas. Espaços públicos e privados pediam obras há vários anos e não seria o cimento “em jeito de maquilhagem” que taparia a “selvajaria” na construção. Resultado do incómodo que lhes gerava, quiseram juntar-se para reabilitar a “zona que é de todos”. Nasceu, do “passa-a-palavra” e do “tocar na campainha do vizinho para ver o que acha”, o projecto de reabilitação da Quinta do Ferro, em Lisboa.
A partir de 1930, as barracas de tijolo surgiram “como cogumelos”, umas atrás das outras, serpenteando as três ruas que compõem a quinta: A, B e C, nos limites das ruas Leite de Vasconcelos e de Entremuros do Mirante, na freguesia de São Vicente. A Quinta do Ferro foi “selvaticamente construída” nos anos que se seguiram e não é difícil para José Rosa, presidente da Associação de Amigos da Quinta do Ferro, ilustrá-lo. “Numa das casas, se pregarmos um prego, vê-se a proa do Niassa”. José conta como são os pedaços de um dos navios desmantelados que sustentam aquelas paredes.
A reabilitação é uma “ideia ambiciosa”, José Rosa não esconde. Têm um projecto praticamente pronto – em consulta pública para que todos contribuam até 8 de Maio – e 50 mil euros para o executar. O valor corresponde ao financiamento do prémio máximo do programa BIPZIP 2016, atribuído pela Câmara de Lisboa a projectos que queiram revitalizar bairros e zonas de intervenção prioritária da cidade.
Para além da recuperação dos espaços degradados, pensa-se em criar um jardim, um quiosque e um anfiteatro. Para José Rosa, a Quinta do Ferro tem potencial para “ser tão bonito como a Vila Berta” e “resistir historicamente” numa zona da cidade com grande pressão turística. Foi naquele local que estiveram acampadas tropas de D. Afonso Henriques durante o cerco a Lisboa, em 1147, e onde residem “importantes memórias da I Guerra Mundial”, por terem existido nas imediações as antigas Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento e o Hospital da Marinha.
Apesar do financiamento, o tamanho das obras vai “depende do investimento que os proprietários estão dispostos a dar”. A associação quer desdobrar-se em iniciativas para recolher fundos e pede apoios autárquicos. No entanto, o edificado é apenas uma parte da reabilitação.
Os Amigos da Quinta do Ferro viram o que o Ateliermob fez nas Terras da Costa, na Costa da Caparica, onde este grupo de arquitectos pensou uma cozinha comunitária como pretexto para dar acesso a água canalizada aos moradores. Era esse tipo de “pensamento social” que procuravam. Afinal aqui, a reabilitação do espaço é também um pretexto para “reabilitar os ares” e as pessoas, explica José Rosa. “É preciso chamar os implicados a não aceitarem a degradação”, diz. Algo com o qual Paula Marques, vereadora da Habitação e Desenvolvimento Local da Câmara Municipal, já tinha concordado: “Este é um território que estava a precisar desta ignição”.
Apesar de ali ter “umas casinhas”, José não vive nesta quinta a meio caminho entre Santa Apolónia e a Graça. Na Quinta do Ferro, há perto de uma centena de moradores, “quase todos idosos”. A associação viu-os vulneráveis ao isolamento, com frágeis redes de apoio. Só se vê gente quando chega a Feira da Ladra.
É para pôr cobro à falta de acompanhamento que os enfermeiros formados pela Escola Superior de Escola Superior de Enfermagem de Lisboa vão poder, “em breve”, estagiar na Quinta do Ferro, dando assistência médica aos moradores.
São eles que são agora chamados a apontar o dedo àquilo que precisa de ser intervencionado, quais as necessidades que não estão a ser satisfeitas e definir o que é prioritário. Afinal já é a nona tentativa de reabilitação do bairro, recorda José Rosa. “Não cuidar das pessoas antes de cuidar das casas”, é o que tem estado a falhar desde 1967, acredita.
Desenhar memórias
Moradores e proprietários não queriam ver as obras apagar as memórias de um local, para eles, histórico. Também Paula Marques, a vereadora, sustenta: “Não vamos a lado nenhum se não tivermos memória dos espaços”.
Era importante “manter o bairro de hoje vivo em imagens”. Missão assumida pelos Urban Sketchers de Portugal, um colectivo de desenhadores que retratou em 58 desenhos a Quinta do Ferro antes da reabilitação. Daqui a uns meses, esperam poder iniciar os trabalhos de retrato das obras e a pós-reabilitação.
Os desenhos, feitos no final de 2016 e início deste ano, estão em exposição desde esta quinta-feira na galeria Arte Graça. Há neles pouca gente, muitos edifícios. Há desenhos das casas de tijolo à vista e daquelas em que houve cimento e tinta para lhes dar outra cor. Paredes de onde nascem ervas e escadas ladeadas por vasos, de onde se ouvem as conversas das vizinhas.