Declarações do Papa Francisco enfurecem a oposição venezuelana

"O diálogo dos votos é o único caminho para ultrapassar a crise", responde a oposição venezuelana à sugestão do Papa de retomar conversações com o regime. Maduro volta a aumentar salário mínimo para travar a contestação.

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Em trânsito entre o Egipto e o Vaticano, o Papa Francisco aceitou responder a perguntas dos jornalistas sobre a crise na Venezuela, e as suas declarações, em defesa do reatamento do processo de diálogo entre o Governo do Presidente Nicolás Maduro, e representantes da coligação de opositores ao seu regime, desagradaram aos dois lados que mantêm um duro braço-de-ferro nas ruas de Caracas.

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Em trânsito entre o Egipto e o Vaticano, o Papa Francisco aceitou responder a perguntas dos jornalistas sobre a crise na Venezuela, e as suas declarações, em defesa do reatamento do processo de diálogo entre o Governo do Presidente Nicolás Maduro, e representantes da coligação de opositores ao seu regime, desagradaram aos dois lados que mantêm um duro braço-de-ferro nas ruas de Caracas.

Segundo informou o Papa, o grupo constituído por quatro ex-presidentes ibero-americanos que serviram de “facilitadores” do anterior processo de diálogo, entre Outubro e Dezembro do ano passado, estão disponíveis para retomar o seu papel e dirigir novas conversações que permitam pôr fim à “grave crise humanitária, social, política e económica que está a esgotar a população”. “Creio que é urgente conversar, mas tem de ser com condições muito claras. A oposição está dividida, parte da oposição não quer, mas os conflitos estão a agudizar-se mais e mais e portanto já há algum movimento”, revelou Francisco.

A reacção da oposição às palavras do Pontífice acabou por transformar a notícia de um possível regresso das negociações, sob mediação do Vaticano, em polémica. “O que o Papa disse não é verdade”, criticou o adversário presidencial de Maduro e governador do estado de Miranda, Henrique Capriles, rejeitando divisões na coligação que luta contra o regime chavista. “Todos nós queremos dialogar, mas não queremos um diálogo ao estilo de [Rodríguez] Zapatero”, explicou à BBC Mundo.

O papel do antigo presidente do Governo espanhol mereceu duras críticas da oposição, que o acusou de favorecer os interesses do Governo de Caracas na primeira (e fracassada) ronda negocial. “Fomos defraudados por um diálogo sem resultados, em que a única intenção do Governo foi propagandística”, lembrou Capriles. Para fazer prova da sua unidade – e do seu interesse em encontrar uma solução negociada para “a mudança política no país” ­–, a coligação que reúne os partidos de oposição da direita à esquerda, publicou uma Carta Aberta dirigida ao Papa, onde enumera as suas próprias condições para regressar à mesa negocial.

A Mesa de Unidade Democrática exige a activação de um canal humanitário e a desmobilização das forças paramilitares do regime (os chamados “colectivos”). Mas principalmente, reclama a realização de eleições: municipais e estaduais, que já deveriam ter acontecido em 2016, e presidenciais. “Que fique claro que o diálogo dos votos é o único caminho para ultrapassar a crise e restabelecer a democracia que foi sequestrada na Venezuela”, diz a carta.

Entretanto, um comunicado conjunto assinado pelos governos de oito países latino-americanos – Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Peru, Paraguai e Uruguai – veio fundir as posições do Papa e da oposição venezuelana, num mesmo apelo a que “se faça pela Venezuela tudo o que é possível fazer” para acabar com a violência e ultrapassar o actual conflito político. “É imprescindível contar com condições muito claras para uma saída negociada da crise”, diz o documento, que lista a libertação dos presos políticos e a definição de um cronograma eleitoral entre essas condições.

O Presidente, Nicolás Maduro, não respondeu directamente ao apelo do Papa Francisco, nem se pronunciou sobre o diálogo com a oposição. Mas criticou a posição assumida pelos países vizinhos, sublinhando que não aceita a interferência estrangeira na política nacional.

Na véspera de mais uma jornada de protestos anti-regime, convocada pela oposição a pretexto da comemoração do Dia do Trabalhador (que os apoiantes do Governo também vão assinalar), o Presidente veio anunciar mais uma revisão do salário mínimo nacional para todos os funcionários públicos, incluindo os militares – desde que assumiu a presidência, há quatro anos, foi a 15.ª vez que Maduro subiu o valor do ordenado base.

Desta feita, o aumento – necessário para aliviar os efeitos da inflação no país, que segundo as projecções do FMI pode chegar aos 720% em 2017 – ascende a 60%. A partir desta segunda-feira, o salário mínimo passa para os 65.021 bolívares, que correspondem a 82,5 euros (90 dólares no câmbio oficial). No mercado paralelo, o mais utilizado pela população, o mesmo salário só “rende” 15 dólares (13,7 €). O salário básico é complementado pelo subsídio de alimentação de 135 mil bolívares (que não foi revisto). Como termo de comparação, a BBC Mundo diz que um pacote de arroz custa actualmente cinco mil bolívares.

O Presidente também mexeu no valor das pensões até 65 mil bolívares, às quais será acrescentado um chamado “subsídio especial de guerra económica” de 30%, para os 84.527 bolívares.