Quando a porta da velha loja da Baixa se fechou, Walter abriu outra ao lado

Walter Costa já tinha sido tudo dentro daquela loja lisboeta: moço de recados, funcionário de armazém e balcão. Aos 49 anos, só lhe faltava ser gerente. Foi para esse sonho que se "atirou", quando a Tavares - Panos fechou e o antigo funcionário abriu a loja que lhe dá continuidade, na porta ao lado.

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Todos os dias, durante sete meses, Walter Costa chegava às 9h e saía às 17h para trabalhar numa loja que já não existia. Fazia o horário do costume, o percurso habitual de casa até à baixa de Lisboa para se deparar com a porta fechada e, mais tarde, com uma loja diferente em substituição daquela onde trabalhou 27 anos. Mas este é dele.

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Todos os dias, durante sete meses, Walter Costa chegava às 9h e saía às 17h para trabalhar numa loja que já não existia. Fazia o horário do costume, o percurso habitual de casa até à baixa de Lisboa para se deparar com a porta fechada e, mais tarde, com uma loja diferente em substituição daquela onde trabalhou 27 anos. Mas este é dele.

Era funcionário da Tavares — Panos, a casa de tecidos que ocupava os números 61 ao 71 da Rua dos Fanqueiros. A Casa dos Panos, como era conhecida, tinha as portas abertas há 243 anos e “um rol de clientes”. Quando fechou, Walter teve de correr contra o tempo, o esquecimento, a concorrência. Era por isso que todas as manhãs acordava à mesma hora e ia para a mesma rua informar quem procurava a Casa dos Panos que esta tinha fechado mas que o funcionário se preparava para abrir uma nova, mesmo na porta ao lado.

Assim é há mais de um mês. No número 69 dos Fanqueiros, Walter abriu a 25 de Março a Panos & Linhos e não há forma de a dissociar da antiga Casa dos Panos. “Afinal, sou um dos rostos da loja”, como disse em Outubro ao PÚBLICO. Uma boa parte dos clientes também o achava, foi por isso que lhe “plantaram na cabeça a ideia de ressuscitar a loja”.

Esta é uma loja nova. Não há dúvidas ao entrar e ver a parede branca e o balcão de madeira sem qualquer marca. Ainda cheira à madeira das estantes e das prateleiras, onde há espaço entre as toalhas, os rolos de panos de lençol e os de linho. Walter vai “abastecendo a loja” como pode.

Um mês depois da abertura, ainda não deu conta da mudança a tantos clientes quanto queria. Ainda anda às voltas com as dezenas de pequenas folhas onde gravou, nos últimos dias da antiga loja, os nomes e os contactos de amigos, de conhecidos, de clientes ocasionais que quer convidar para o novo espaço. “Quero dizer às pessoas que afinal a Casa dos Panos não morreu”.

E olhe que ela mantem-se graças a Deus, diz uma cliente. Acaba por entrar por reconhecer o homem por detrás do balcão.

Este é um trunfo, para Walter, “impagável”. Tem “sérias dúvidas que o negócio aguentasse sair” das barbas do antigo negócio. Por isso é que andou aqueles meses “a ver se apanhava os clientes”, a informar, “a dizer bom dia, nem que fosse”.

Esperava, por essa altura, que o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) aprovasse a sua candidatura ao projecto “Criação do próprio posto de trabalho”. Foi através deste programa de apoio à criação de emprego que conseguiu recorrer ao micro crédito para abrir portas. Ele, que queria abrir logo em Setembro, corria contra o esquecimento da antiga loja.

Foram sete meses parados, desde que garantiu o espaço e começou a pagar a renda. Apesar de estar sempre ali, a loja estava fechada e cada dia era de gastos sem retorno. Agora é “muito cedo para dizer como está a correr”. “Tenho condições para aguentar cinco, seis meses. Depois quem sabe?”

“Há muito que se pergunta se isto ainda é coisa que se venda?"

Nas portas ao lado, em duas janelas, ainda há letras coladas: "Tavares", lê-se numa, "José, Ribeiro & Tavares Lda", noutra. Walter entrou ali com 21 anos, para ser moço de recados. Subiu na hierarquia “da forma tradicional”, do armazém para o balcão. Aos 49 anos, só lhe faltava ser gerente.

Ficar com a antiga loja ainda foi uma opção, mas os valores “estavam fora da [sua] órbita”. Acabou por fechar para uma loja de produtos turísticos lhe tomasse o seu lugar. A quebra das vendas — como de todo o sector — já era famosa e um aumento “brutal” da renda que se vinha anunciando carimbou a sentença.

O dono da antiga joalharia que ali existia foi o seu “primeiro anjo”. Cedeu a Walter o espaço quase gratuitamente, “só para não dizer que é à borla”. O proprietário fez questão que ali ficasse uma loja tradicional quando a dele saísse, é o que Walter acredita. A palavra foi dada, apertaram as mãos e assinaram o contrato depois.

Não faltaram palavras dadas (e cumpridas) e ajudas de amigos. Nos meses de obras, que Walter estava a fazer com a ajuda de familiares, um amigo passou a acompanhá-lo. Todos os fins-de-semana, das 7h às 20h, o ofício era “cumprido religiosamente”. Quando teve aprovação do centro de emprego, as obras já estavam prontas e as portas não tardaram a abrir.

Agora, de portas abertas, escalam os desafios à frente. Panos para lençóis, linhos, melinhos, bordados e rendas, adamascados para quadrilés e ponto de cruz: “Há muito que se pergunta se isto ainda é coisa que se venda”, admite, mas deixou de ter dúvidas ainda na antiga loja. “Os clientes existem. Claro que não é como antigamente quando éramos sete funcionários na loja, mas está a voltar o nicho que quer coisas à medida”, acredita Walter Costa.

O segredo é adaptar o negócio, sem deixar de o ter. Quer ter uma máquina de costura dentro da loja, e aprender a costurar, para baixar os custos da confecção. Os cursos de costura e workshops estão nos seus planos e a loja online anuncia-se para breve. “Se eu saltei de paraquedas, porque não fazer o voo durar mais um bocado?”, questiona.